No início do século XX, a partir da cidade de Ourense, instalaram-se na Galiza várias famílias judias procedentes da Pale (Zona de assentamento judeu no Império russo). Em meados da década de 1930 vivia na Galiza umha comunidade composta por vinte judeus (entre os quais, 15 médicos e/ou odontologistas). Este grupo de dentistas judeus de origem asquenazita teve grande prestígio na sociedade galega, tanto em nível humano quanto profissional.
Porém, todos sumiram subitamente em agosto de 1936. Dias antes, a 18 de julho, o golpe militar nazi-fascista liderado por Franco contra a República nom precisou mais de umha semana para se impor na Galiza devido à falta de meios materiais e ambiguidade dos representantes republicanos na organizaçom da defesa e resistência popular.
Ser judeu (e russo) eram motivos suficientes, nos anos do medo, para ser perseguido e/ou eliminado. O facto de ser judeu acrescentava a gravidade num tempo em que nos jornais da Galiza ocupada reproduziam a retórica antissemita do novo regime:
Crearemos campos de concentración para vagos y maleantes políticos. Para masones y judíos. Para los enemigos de la Patria, el Pan y la Justicia.
...Acabaremos con la inmunda raza judía. Y entonces será el triunfo de España sobre sus enemigos. Triunfo de Dios y el César
[Criaremos campos de concentraçom para ociosos e desencaminhados. Para maçons e Judeus. Para os inimigos da Pátria, o Pão e a Justiça.
... Daremos cabo da imunda raça judaica. E entom erá o triunfo de Espanha sobre os seus inimigos. Triunfo de Deus e o César ]
El Pueblo Gallego, 22/5/1937
Entre julho de dezembro de 1936 estima-se em torno às 5000 as persoas fuziladas na Galiza pola atividade dos “esquadrões da morte” fascistas. O terror implantado nom poupou os Judeus estabelecidos na Galiza. O franquismo (1936-75) pôs fim ao processo de afirmaçom nacional aberto em 1931 com a criaçom do Partido Galeguista (PG).
Presença judaica na Galiza
A presença de comunidades judaicas na Galiza e em Ourense, num ambiente de tolerância, manteve-se até o édito racista de expulsom de 1492 que deu cabo de séculos de convívio.
A prática da medicina foi sempre umha atividade tradicionalmente exercida pola populaçom hebraica. De facto, são raros os casos de comunidades judaicas da Galiza medieval nas que nom houve membros a desempenhar o ofício de físico/médico ou cirurgião. Segundo as pesquisas de Mª Glória de António, na província de Ourense está documentada a presença, entre outros, dos médicos Salomom, judeu "fisico", no testamento do conde de Ribadávia, ou a de Dom Yuda, "físico que era do duque de Arjona", do cirurgião Rab Yuda, requirido em Ourense para curar Alvaro Paradela "que estava mortal e tal que a seu creer estava peligroso, que el tomava e tomou cargo de curar". Mesmo Juan de Guadalupe, médico dos Reis Católicos, foi um médico judeu originário de Castro Caldelas.
Porém, entre os decênios de 1910 e 1930, a partir de Ourense floresceu umha nova e viçosa comunidade judaica na Galiza formada por médicos dentistas e familiares vindos nom da Rússia, mas dos territórios de presença judaica sob o domínio do Império russo.
Antecedentes da chegada dos Judeus a Ourense
O casal Dicker-Dainow, formado pola dentista Marie "Moussia" Dicker Gorodisky (n. 1877) e o mecânico dentista Voloida "Wulf" Dainow Wilenski (n. 1879) fogem da vaga de antissemitismo existente na sua Ucrânia natal, na altura dependente do Império russo. Instalam-se em Genebra, cidade liberal da Confederaçom Helvética, conhecida como umha "pequena Rusia" pola quantidade de imigrantes e exilados vindos do Império russo por causas político-económicas.
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Marie Dicker Gorodisky (1879-1943) |
Em Genebra viviam vários irmãos do casal Dicker-Dainow:
> Jacques Dicker (1879-1942) era um proeminente membro da Federaçom Socialista Suíça nos decênios de 1920 e 1930, chegando a ser vereador em Genebra, deputado e conselheiro cantonal nacional. Seria bisavó do escritor e romancista Jöel Dicker. Militante do Partido Socialista Revolucionário, migrou para a Suíça em 1906, fugindo da repressom czarista.
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Nina Dicker e Manuel Daïnow. 📷 Coll. APJ Genevois |
> Nina Dicker (Levintzi 1876-1970), ginecologista, terá um papel importante na história familiar, pois estava casada com Manuel Dainow (finado em 1922) e será editora da revista Burevestnik. Em 1939 casaria com o médico russo-judeu Boris Tschlenoff, um dos mais importantes ativistas da OSE (Œuvre de secours aux enfants), que teve um papel fulcral de ajuda aos refugiados e perseguidos na França ocupada polos nazis, e um dirigente proeminente do Partido Socialista de Genebra.
Os Dicker eram umha abastada família judia procedente de Khotyn, atual Ucrânia. O pai deles, Moisés, trabalhava como superintendente.
A chegada dos Judeus a Ourense
Assim sendo, em 1910, chega à cidade de Ourense o referido casal Dicker-Dainow. Um ano depois Marie Dicker obtém o reconhecimento do título polo Colégio Provincial de Otontologistas de Ponte Vedra-Ourense, permitindo-lhe o exercício livre da profissom na sua clínica e morada, estabelecida na Casa de Fermim Garcia, um prédio localizado no nº5 da Praça Maior de Ourense (atual número 4), e que pertencia a um mercador de tecidos ligado à maçonaria local.
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Publicidade do gabinete central no jornal La Región 14/6/1914 |
A partir do gabinete dental central da Praça Maior de Ourense o casal Dicker-Dainow consolida a sua profissom, chegando a expandir o negócio com a abertura de gabinetes em Ribadávia, Carvalhinho, Verim ou Cela Nova. Os anúncios das suas clínicas publicados na imprensa local permitem acompanhar a sua atividade, que concorreu com outros profissionais da odontologia local, e mesmo houve denúncias na Ordem Profissional de Odontologistas.
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Em dezembro de 1927 um desenho de Miguel Dainow Dicker é publicado na revista infantil "Pinocho" (4/12/1927) |
O casal Dicker-Dainow atrai para a Galiza outros familiares que se fixam em Ourense para ajudar ou contribuir para a expansom do negócio familiar:
> Eva Dainow, assistente de odontologia e irmã de Volodia Dainow, exerce a profissom no Carvalhinho logo do seu casamento com Roberto Tizón Aguiar (Ourense, 1893) também médico odontologista licenciado em Medicina e Cirurgia em setembro de 1920 na Faculdade de Medicina da Universidade de Valhadolid. Fez estudos de doutoramento entre 1928-29, mas sem chegar a graduar-se. Pola origem da sua mulher Roberto seria conhecido como "O Russo" na vila do Arenteiro.
> Lia Dainow (n. 1895), odontologista e irmã de Voloida, exerce a partir de 1928 a sua profissom na cidade da Corunha. Em 1930 casa com o judeu Salvador Rozenthal Lerner, licenciado em Odontologia na Universidade Central de Madrid em 1934.
Em 1920 junta-se à família Clara Haia Dicker (n. 1875), irmã de Marie que decide emigrar e instalar-se em Ourense. Graduada em odontologia na Universidade de Odessa, começou a trabalhar primeiramente no gabinete dos Dicker-Dainow. Clara era casada com Yekiel Zilbermann (Lipcani, Moldávia, 1870) com quem teve quatro filhos: Sónia, Isaque, Isabel e Marcos.
Numha dada altura um dos seus filhos, Isaque Zilbermann Dicker, engenheiro "rumeno", fixa-se em Ourense, onde trabalha como reparador de rádios. Ele era casado com Olga Berliavskaya, imigrante judia de origem russa e licenciada em Piano, Pedagogia Musical e Solfejo polo Conservatório de Praga. Em Ourense trabalhou como professora de música e lecionava na sua morada, localizada no nº28 da R. Lamas Carvajal, arruamento onde outrora estava a Judiaria de Ourense. Existe constância que Olga exerceu durante vários anos na cidade através dos anúncios publicados na imprensa local "La Zarpa" que oferecem as suas lições.
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Oferta de emprego de Isaac Zilberman publicada na seçom de editorais e informaçom geral do nº111 da revista "Ingeniería e Construcción" (Ano X- Vol. X) (Madrid, marzo de 1932) |
Por enquanto, Clara Dicker começa a trabalhar no gabinete odontológico de Manuel Casanova Rodríguez em Ribadávia, substituindo-o quando ele de ausentava. Porém, em 1929, talvez para desprestigiar a concorrência, foi denunciada polo Colégio Odontológico de Ponte Vedra-Ourense com acusações de carecer de titulaçom. Na sua defesa, Clara alegou que era irmã de Marie Dicker, que tinha a titulaçom de odontologia e que dominava todos os trabalhos da profissom.
A denúncia é apresentada perante a Subdelegaçom de Medicina e, apesar de conhecer que o titular do gabinete onde trabalhava era o odontologista Manuel Casanova Rodríguez (colegiado nº20 da XI regiom de Odontologia de Ponte Vedra-Ourense) nom é alterado o ditame emitido pola Junta de Governo do Colégio Odontológico nem o da Inspeçom de Sanidade. Manuel Casanova é advertido por escrito, impondo-lhe a Inspeçom de Sanidade a Clara umha multa de 500 pesetas por intrusismo profissional. Ela sempre pensou em validar o seu título em Odontologia, mas exigiram-lhe aprovar todo o curso de novo. Em 1934 Clara decide emigrar para a cidade de Cádis.
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Marcos Zilbermann Dicker em Montpellier (1929) |
Em 1930, Marcos Zilbermann Dicker, o filho de Clara que ficara na Roménia com o pai para estudar o Bacharelato, logo de passar por Montpellier para preparar o ingresso na universidade, chega a Santiago de Compostela, onde estuda a Licenciatura de Medicina durante três anos. Em 1933 muda-se para Madrid, onde se especializa em odontologia ao cabo de três anos. Após graduar-se volta para Ourense em 1935, começando a trabalhar no gabinete dos seus tios Dicker-Dainow.
Porém, nessa altura Marcos Zilbermann decide independizar-se e ir junto da mãe para Cádis logo de inteirar-se da existência dum gabinete dentista vacante no nº17 da rua Duque de Tetuán (atual rua Ancha), até entom sob a titularidade de Moreno Benjumea. Enquanto a consulta ocupa a parte fronteira do primeiro andar, a parte interior acolhe a morada familiar, onde se estabelece o ramo andaluz da família Dicker.
A partir da cidade de Ourense o casal Dicker-Dainow tambem permitiu a chegada à Galiza doutras famílias de dentistas judeus com as que estariam estreitamente ligadas:
> Os Kuper-Kuperstein que se estabeleceram em Vigo a partir de 1914.
> Os Kuper-Zbarsky, também odontologistas judeus que se estabeleceram em Ponte Vedra a partir de 1925.
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La Región 23/6/1911 |
Os Dicker-Dainow nom eram religiosos, mas livre-pensadores e de ideologia progressista, sem conhecer-se militância em partidos da esquerda. Marie Dicker era umha mulher socialmente engajada. Apesar do seu grande prestígio profissional, carecia de ambiçom, já que nom cobrava àquelas pessoas mais carenciadas, oferecendo preços reduzidos para a classe operária. Mesmo atendia gratuitamente nos sábados à gente mais pobre para a extraçom de dentes.
A preocupaçom do casal por estar ao dia fez com que acudisse regularmente aos Congressos Internacionais Odontológicos. Assim sendo, em 1926 visitaram as principais clínicas odontológicas da Alemanha, França e Suíça e em 1931 fizeram umha nova saída que foi noticiada na imprensa:
"Regressou de Paris, aonde assistiram com ocasiom do último Congresso Internacional Odontológico, os senhores Dicker e Dainow, após estudar os últimos avanços e as aplicações científicas mais modernas introduzidas na prática profissional do estrangeiro. Também na Suíça, visitaram cínicas e instalações mais completas" (8/8/1931)
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Marie Dicker e Wolff Dainow | 📷 Blogue Diario de un médico de guardia |
Num diploma de 11 de agosto de 1931, assinado polo presidente da República espanhola, Wulf Dainow consegue a cidadania (publicado no n°224 da Gaceta de Madrid de 12/8/1931).
Assentados socialmente, o casal travou ligações com a intelectualidade da cidade de Ourense ligada ao Grupo Nós, apoiando jornais, fomentado bailes no Liceu ou em homenagens a vultos como Marcelo Macías em 1916 ou ao líder agrarista Basilio Álvarez em 1928. De facto, Volodia Dainow financia em 1917 a publicaçom de livros de poetas locais, entre os quais Xavier Bóveda, parente de Eduardo Blanco Amor, e que teve certa sona posteriormente na Diáspora galega da Argentina.
De resto, o seu lar acolheu outros personagens de origem judaica ou russa que visitaram o casal, ligando os Dainow-Dicker com a redescoberta em Portugal do mundo dos sefarditas e dos anussim, com a traduçom de obras russas, romancistas ou com a indústria mineira estrangeira fixada na Galiza. Em vários artigos publicados posteriormente, Vicente Risco, teórico do nacionalismo galego e furibundo antissemita, gabava-se de ter tido com essas pessoas desconhecidas de nome estrangeiro que passavam pola casa dos Dicker-Dainow:
"Na casa dos Dainow apareciam estrangeiros de categoria: os Schwarz, Nicolás Tasin, Moisés Twersky, que se tornavam logo a seguir nos nossos amigos" (La Región, 21/6/1962).
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Samuel Schwarz (1880-1953) |
Samuel Schwarz foi um engenheiro de minas judeu de origem polaca, investigador e historiador dos marranos portugueses. Entre 1907-10 trabalhou nas minas de estanho da Arnoya Mining Company em Ourense. Em novembro de 1914 decide ir até Portugal, país sobre o qual tinha ouvido excelentes informações durante a estadia em Ourense, começando a trabalhar como engenheiro nas minas de volfrâmio e estanho em Vilar Formoso e Belmonte (1917).
É conhecido pola redescoberta dos Judeus de Belmonte e pola restauraçom da Sinagoga de Tomar. Em Belmonte descobriu estelas com inscrições hebraicas legíveis, que deduziu pertencerem a umha antiga sinagoga. Enquanto esteve lá, Schwarz conheceu também Baltasar Pereira de Sousa, alegadamente quando alguém avisou Schwarz para nom fazer negócios com Sousa porque, "Basta-me dizer-lhe, ele é judeu." Sousa apresentou Schwarz à grande comunidade marrana de Belmonte. Embora os Judeus de Belmonte tenham sido inicialmente céticos em relaçom a Schwarz devido ao seu secretismo, este acabou por ganhar a sua confiança quando recitou a oraçom Shema Yisrael e pronunciou o nome de Deus (Adonai), que eles reconheceram nas suas rezas. Nos anos seguintes, Schwarz tornou-se amigo e estudou ainda mais a comunidade judaica de Belmonte, documentando os seus costumes sociais e religiosos únicos e transcrevendo as suas orações e manuscritos familiares.
Schwarz era um poliglota notável, falando russo, polaco, alemão, inglês, francês, italiano, espanhol, português, hebraico e iídiche.
Assim mesmo, o casal sempre foi muito sensível aos acontecimentos do seu país natal polo que era habitual que organizassem eventos para angariar fundos para as crianças russas que sofreram a Revoluçom Russa e a subsequente Guerra Civil. Outro dado interessante que revela a boa integraçom na cidade e a personalidade altruísta de Marie é o seu contributo a diferentes causas humanitárias que havia em Ourense como, por exemplo, umha achega desinteressada de 5 pesetas para o Colégio das Adoratrices, pois este sofrera um incêndio em 1927. Também doou 15 pesetas ao Roupeiro Santa Vitória para as crianças da cidade; era doadora para os Comedores de Caridade e para a Junta de Proteçom à infância escolar.
O golpe militar de 1936 e a expulsom
Na sequência do golpe de estado de 18 de julho de 1936 a Galiza fica sob o controlo dos militares nazionalistas espanhóis, vendo-se obrigado o casal Dicker-Dainow a fechar a clínica de Ourense.
Poucos meses depois, em janeiro de 1937, a clínica da Praça Maior é reaberta polo odontologista Alfonso Serantes García, o que indicia que o gabinete ainda era propriedade dos Dicker-Dainow. Serantes, de 29 anos, desde 1935 era um colaborador da clinica que os Zilbermann Dicker tinham em Cádis. Porém, a reabertura dura uns poucos dias, pois Serantes é detido na clínica, sendo apreendido todo o material clínico dental para ser destinado a uso da sanidade militar franquista da Galiza, mormente nos hospitais militares de Bellavista em Vigo ou o de São Caetano.
Segundo a documentaçom do Arquivo Militar de Ferrol, que contém a ata do encerramento e confiscaçom da clínica por ordem do Governador Militar em janeiro de 1937, Serantes estava presente durante o assalto das forças fascistas com a colaboraçom do Colégio de Odontologistas. O prédio do gabinete é apreendido e nele desenvolveu a sua atividade a Seçom Feminina de Falange até o pós-guerra.
No expediente de confiscaçom de material odontológico do casal Dicker-Dainow há um documento de 1938 relativamente à apreensom de material "do Gabinete Dental instalado na vila de Cela Nova, do qual era proprietário um dentista russo", acompanhado dumha lista pormenorizada e precisa do saque.
Esse ano, talvez porque as inquirições nom se depararam com muitos elementos acusatórios, o casal Dicker-Dainow é condenado polo Tribunal Regional de Responsabilidades Políticas (TRRP) a 15 anos de estranhamento, 15 anos de inabilitaçom profissional total e perda de todos os bens. Nessa altura o casal foge para Paris com o seu filho Manuel e Eva Dainow, aonde chegam em 1939.
Porém, num inquérito do Estado Maior sobre a família Kuper-Kuperstein de Vigo aponta que: "Toda esta família (Kuper) pertence à Organizaçom de espionagem sovietica cujo Chefe parece ser o DAINOW antes citado; conceituados assim nom apenas por este Serviço, mas também pola Central de Madrid (...) confirmando-o também os inquéritos facilitados polas Polícias Portuguesa, Alemã, etc, etc, onde são conhecidos como tais agentes soviéticos".
Se calhar a ligaçom profissional/comercial com a família Dainow-Dicker seja o motivo do encarceramento e estada posterior de Alfonso Serantes Garcia no cárcere-mosteiro de Osseira.
Por enquanto, Roberto Tizón, o homem de Eva Dainow, é obrigado a abandonar Ourense para a cidade da Corunha, da que teria partido para Genebra e a França, onde trabalha no Hospital de San Luis de Paris. Em abril de 1938, por ordem do Coronel Governador Militar, são apreendidos os bens e biblioteca que tinha no Carvalhinho. Segundo as inquirições realizadas contra ele em 1939 "celebrava reuniões na sua casa às que assistiam unica e exclusivamente pessoas destacadíssimas do campo marxista, fazendo propaganda e divulgaçom de obras marcadamente comunistas, e dada a su cultura sabia atrair com facilidade a gente na que influiu poderosamente para a sua formaçom política...". Em 1940 será condenado polo TRRP da Corunha a "8 anos de inabilitaçom especial para cargos do Estado, Província ou Concelho, de Empresas de qualquer ordem em que estas tiverem intervençom de estabelecimentos de crédito e entidades que explorarem serviços públicos, a 4 anos de desterro a distância maior de 100 km do Carvalhinho e ao pagamento de 1500 pesetas". A partir de 1947 desconhece-se o destino vital e profissional do Dr. Tizón.
Wulf Dainow, Marie Dicker e Miguel Dainow (c. 1942) |
A Shoah
Porém, na sequência da ocupaçom nazista da França em 1940 e o início da perseguiçom aos Judeus, a família Dainow-Dicker é capturada e internada no campo de deportaçom de Drancy em consequência das rusgas do verão de 1942.
Graças à ajuda do Cônsul Geral de Espanha em Paris, Bernardo Rolland de Miota, e das organizações internacionais judaicas, talvez através da OSE e da American Jewish Joint Distributioin Committee, são libertados de Drancy num comboio de refugiados judeus sefarditas que regressa a Espanha através de Hendaia-Irun com destino a Marrocos ou a Eretz Israel. O visto recebido consiste num passaporte com validade até maio de 1944. Com efeito, as atitudes e ações colaboracionistas do regime de Franco com a política antissemita dos nazis impedem a fixaçom da família em território do Estado espanhol.
No entanto, Marie Dicker, muito magoada e enfraquecida polas condições de vida no campo de concentraçom, falece na estaçom dos caminhos-de-ferro de Irun a 14 de agosto de 1943. Logo dum périplo por Espanha, Miguel Dainow, filho do casal, é encaminhado para Cádis ao cuidado do ramo andaluz da família.
Em novembro de 1943 Volodia e Eva Dainow são enviados para os campos de refugiados Camp Fadhala (Marrocos), um campo da UNRRA sufragado pola Joint Distributin Committee, passando depois para Philippeville (atual Skikda, Argélia).
Acabada a Segunda Guerra Mundial, os irmãos voltam para Paris, onde Volodia Dainow morre a 6 de setembro de 1960 à idade de 81 anos, sendo soterrado cemitério de Pantin.
Por enquanto, diferentemente do caso galego, o ramo andaluz da familia Dicker nom sofreu a repressom e perseguiçom franquista. No início da guerra civil Marcos Zilbermann Dicker é recrutado no exército nazionalista e sendo encaminhado para Sevilha. Porém, ao pouco tempo é requirido para trabalhar no Hospital Militar de Cádis, conciliando esse trabalho com o seu gabinete dentista. No hospital conhece a sua mulher, que era enfermeira, Eloísa Morales Ferrer. O par casa em Cádis a 7 de janeiro de 1939, após a licença da igreja por nom ser católico o noivo. O casal tem sete filhos: Cristina, Marta, Sonia, Marcos, Jorge, Olga e María José que serão educados como católicos, esquecendo a sua origem etno-religiosa judaica.
De todos os filhos, apenas Marcos Zilbermann Morales (n. 1947) seguiu a tradiçom familiar e graduou-se em Odontologia em 1975, desempenhando logo a seguir a profissom no mesmo gabinte aberto em 1934 polo seu pai. Atualmente é o negócio mais velho da rua Ancha, ao que em 2013 se incorporou a quarta geraçom da família: a doutora Mercedes Zilbermann Remón.
Miguel Dainow Dicker |
Miguel Dainow Dicker, que se gradua em Odontologia em Madrid com o apoio do ramo andaluz da família, regressa à cidade de Ourense em 1948/49 para continuar com a tradiçom de dentista até a sua morte em 1975 à idade de 59 anos. Ao pouco de voltar a Ourense nascem os seus filhos Mário (1950-2008) e Mª Jesus (Kuky) Dainow Gonzalez (n. 1954).
Ao longo da carreira profissional de Miguel em Ourense teve gabinetes dentais no nº21 da Rua Arcedianos (pertinho da Praça Maior), bem como na Rua Concórdia e no n°20 do Parque de S. Lázaro.
Durante anos litigou junto da administración franquista para recuperar todos os materiais clínico-dentais confiscados aos seus pais em 1936-37. Por enquanto, em 1958 o Tribunal Nacional de Responsabilidades Políticas publicava, através dumha sentença da Audiência Provincial de Ourense, o indulto de Wulf Dainow, dous anos antes da sua morte em Paris e vinte anos após a sua expulsom da Galiza.
A memória do casal Dicker-Dainow
O caso do casal Dainow-Dicker foi "descoberto" em 2010 polo médico psiquiatra David Simón-Lorda (Complexo Hospitalar Universitário de Ourense do SERGAS) enquanto estava a investigar e recompilar informações para a segunda ediçom do livro "Médicos ourensanos represaliados en la Guerra Civil y la postguerra" (2002) e que plasmou no livro "Médicos Ourensanos Represaliados en la Guerra Civil y en la Posguerra. Historias de la longa noite de pedra", dentro do seu interesse pola história da sanidade na Galiza e em Ourense, bem como temas ligados à Memória histórica.
As pesquisas do doutor David Simón Lorda resgataram do esquecimento a história do casal Dainow-Dicker em Ourense |📷 Santi M. Amil (La Voz de Galicia) |
Fontes:
> Medicina y poder político. Capitulo: Los Dainow Dicker: "stories" de una familia de dentistas ruso-judíos en el Ourense y la Europa de la primera mitad del siglo XX", (2014), David Simón Lorda, livro do XVI Congreso de la Sociedad Española de Historia de la Medicina (espanhol)
> "Médicos Ourensanos Represaliados en la Guerra Civil y en la Posguerra. Historias de la longa noite de pedra" (2010), David Simón Lorda, Fundación 10 de Marzo, Colección Estudos nº8 (espanhol)
> DIARIO DE UN MÉDICO DE GUARDIA de David Simón-Lorda (blogue)
> HISTORIAS de Pedro (blogue)
> HISTÓRIA DAS NOSAS MULLERES DE OURENSE de Rosa M. Cid Galante (blogue)
> Jornal Diário de Cádiz (2021)
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