sexta-feira, 14 de março de 2025

OS DAINOW-ROZENTAL DA CORUNHA

 O casal Dainow-Dicker atrai para a Galiza outros familiares que se fixam em Ourense ou ajudam ou contribuem para o negócio familiar da odontologia. A retomada da presença judaica na Corunha nom se concretizará até a chegada em 1928 à cidade da odontologista Leia Dainow (n. 1895), irmã de Wulf Dainow de Ourense e graduada, como grande parte de parentes, em odontologia na Universidade de Kiev.

Anúncio do gabinete de Lia Dainow no jornal "El Orzán" | 25/4/1928


A publicidade do seu gabinete, localizado no nº16 da R. Linares Rivas, quer na imprensa local (El Orzán ou La Voz de Galicia), quer em revistas como a do Auto-Aero Club de Galicia, testemunham a presença dela na cidade entre 1928 e 1936.

O casamento, a 31 de dezembro de 1929, da doutora Leia com Salvador (Shikeh) Rozental é recolhido na imprensa local com umha breve nova sobre o evento:

“Perante o juiz de distrito da Audiência contrairam ontem matrimónio o súbdito russo Salvador Rozental Lerner e a distinguida odontologista da mesma nacionalidade, senhorita Leya Dainow Wilensky. Assinada a ata como testemunhas o tenente coronel de Infantaria Rogélio Caridad e o doutor D, José Wertheimer. A cerimônia foi celebrada em familia, e os novos esposos, aos que desejamos perdurável felicidade, saíram em viagem por várias cidades de Espanha e o estrangeiro” (La Voz de Galicia, 1/1/1930)

Anúncio do gabinete dental de Leia Dainow de Rosenthal na ACG, revista mensal ilustrada do Auto-Aero Club de Galicia Ano IV N°38 (julho de 1933)

Salvador Rozental Lerner, como a sua dona, também era médico dentista e se calhar chegou à Galiza atraído pola presença judaica.

Judeu errante, Salvador Rozental (Yedinitz/Edinet, atual Moldávia, 1908), em 1925 emigra do vilarejo judaico (shtetl) natal para o Peru, onde aprende o espanhol.

Por volta do ano 1928 chega à Galiza e começa os estudos universitários na Facultade de Medicina da Universidade de Santiago de Compostela.   

Na capital galega, através de conhecidos comuns, entra em contato com Emílio González López, político republicano e galeguista. Talvez foi ele que facilitou as gestões para Rozental e Leia obterem a cidadania espanhola.

Emílio González López (1903-1991)

Emílio González López, licenciado em Direito na Universidade Central de Madrid, foi um advogado, historiador e político galego, catedrático de Direito Penal (1931) em várias universidades espanholas, deputado a Cortes durante a Segunda República (1931-33 pola ORGA-FRG, 1933-36 pola ORGA e 1936-39 por Izquierda Republicana na chapa da Frente Popular), cônsul geral em Genebra e secretário da delegaçom espanhola na Sociedade de Nações. 

Durante o período 1931-36 foi diretor geral da Administraçom Local (1932), de Beneficência (1933) e participou na redaçom do Estatuto de Autonomia da Galiza (1936).

Com a derrota republicana de 1939 exila-se em Nova Iorque, onde ficou até a sua morte. Nos EUA foi professor de História na Universidade da Cidade de Nova Iorque, especializando-se em História de Espanha e História da Galiza. Foi nomeado Cronista Geral da Galiza (1991), doutor honoris causa pola Universidade da Corunha e Medalha Castelao (1984).


Salvador Rozental aparece no listado de estudantes premiados de Anatomia Descritiva 2º da Faculdade de Medicina da Universidade de Santiago de Compostela durante o curso 1931/1932. Nessa altura, no outono de 1932, Salvador muda-se para Madrid a fim de realizar os estudos de Odontologia na Universidade Central, graduando-se no curso 1933/1934. A nova da graduaçom é anunciada polo jornal La Voz de Galicia a 19/6/1934, destacando que Rozenthal "concluiu os seus estudos de Odontologia em Madrid com matrícula de honra". Doravante é possível que ele exercesse a profissom no gabinete da sua mulher na Corunha.

Salvador Rozenthal na fotografia de curso de Odontologia, Madrid 1933/1934 | F. Dra. Carmen Leira/Mozaika


O casal Dainow-Rozental mantém estreitas ligações com a família de dentistas judeus establecidos em Ourense e, na altura de março de 1936, Salvador está a trabalhar na clínica que o casal Dicker-Dainow tem na vila de Cela Nova.

Perante a comemoraçom em 1937 do primeiro milénio do mosteiro de S. Salvador de Cela Nova (c. 937), o Seminário de Estudos Galegos (SEG), instituiçom criada treze anos atrás polo galeguismo para estudar e divulgar o património cultural galego e para formar investigadores, decide organizar um evento sobre a fundaçom por S. Rosendo do templo que deu nome à vila, pois no início era apenas um oratório (umha Cela Nova para orar).

Com esse fim o SEG nomeou umha comissom organizadora do projeto integrada por Lois Iglésias Iglésias (presidente do SEG), D. Mauro Gómez-Pereira (abade mitrado do mosteiro de Samos), Marcelo Macías (presidente da Comissom de Monumentos de Ourense), Alberto Moreiras (presidente da Câmara Municipal de Cela Nova), Florentino L. Cuevillas (da Academia da História) e Xosé Ramón Fernández-Oxea (secretario da Comissom).

Notícia da constituiçom da comissom local do Milenário | El Pueblo Gallego (12/3/1936)

Em março constitui-se em Cela Nova a comissom local organizadora, denominada “Comisión Pró Milenario de Celanova”, a fim de fomentar e organizar o Milenário em colaboraçom com o SEG. Segundo noticia o jornal "El Pueblo Gallego" a 12/3/1936 dita comissom, presidida polo Presidente da Câmara Municipal, contava entre seus membros com Emilio Ferreiro Míguez (o poeta Celso Emilio Ferreiro, na altura secretário de Organizaçom da Federaçom de Mocidades Galeguistas, dependente do Partido Galeguista) como secretário e entre os 5 vogais aparece Salvador Rozental Lerner com as funções de ser a ligaçom com a Comissom do SEG. Com esse fim, em maio reúne-se com o presidente do SEG.

Segundo noticia o jornal "La Voz de Galicia", em 24 de abril de 1936, Salvador Rozental aparece na lista de doadores para a iniciativa de erguer um monumento em homenagem póstuma a Antom Vilar Ponte, líder nacionalista galego falecido subitamente a 4 de março. 

A homenagem foi proposta polo escritor Álvaro das Casas que, a 18 de março de 1936, no jornal de Vigo "El Pueblo Gallego", conclamou a que fosse erguido por jornalistas e escritores um monumento em honra de Vilar Ponte nos jardins de Méndez Núñez da Corunha. A iniciativa contou com o apoio dos jornais "El Pueblo Gallego" e "La Voz de Galicia", a Associaçom de Imprensa e a Associaçom de Escritores da Galiza. No dia 1 de abril, a Câmara Municipal da Corunha aderiu ao projeto, ao mesmo tempo que aprovava o seu nome a umha rua da Cidade Jardim. Para fazer este monumento, foi iniciada umha assinatura popular, com os jornais a divulgarem os valores angariados. Além disso, existia um esboço-maquete criado polo escultor Francisco Asorey: um monólito esculpido na rocha com o seu nome e umha coroa de louros.

Antom Vilar Ponte (1881-1936)

A. Vilar Ponte foi um dos principais alentadores do nacionalismo galego de pré-guerra, fundador dumha das primeiras Irmandades da Fala (1916), da ORGA (1929-34), militante do Partido Galeguista (PG) e que vinha de ser eleito deputado nas Cortes espanholas por essa chapa nas eleições de fevereiro de 1936 na candidatura da Frente Popular.

A obra dele abrangeu vários campos (romance, ensaio, palestras...) e, mormente a produçom dramática, transmissora do ideário galeguista.

O golpe militar de 1936

O golpe de estado nazi-fascista de 18 de julho de 1936 apanha o casal Dainow-Rozental em Madrid. Graças aos seus estudos de Medicina Salvador ingresa no Serviço de Sanidade do Exército Republicano, chegando a ser considerado brigadista combatente na frente de Sta. Maria de la Cabeza (Jaén). Porém, é considerado como voluntário nom combatente por ter-se oferecido na frente de guerra para fazer de intérprete dos oficiais soviéticos que aconselhavam as milícias republicanas. Segundo algumhas fontes, a sua mulher, Leia Dainow estaria com ele durante este periodo colaborando como voluntária nom combatente nos serviços médicos das forças republicanas.

O golpe de estado franquista e o desencadeamento da guerra civil deram cabo tanto da iniciativa do Milenário de Cela Nova (937-1937), do SEG quanto da inauguraçom do monumento de Asorei a Vilar Ponte (prevista para setembro de 1936).

📷 Ínsua do Ínsua

No outono de 1937, sentido-se Salvador ameaçado pola presença de elementos soviéticos, o casal Dainow-Rozental decide ir para a América e rumar para Colômbia. Em Bogotá retomaram o exercício da profissom de médico e dentista com um gabinete dental dentro do parque Santander da capital colombiana.

No expediente de apreensom do material odontológico do casal Dicker-Dainow há um documento datado de 1938 relativamente à confiscaçom de material "do Gabinete Dental instalado na vila de Cela Nova, do qual era proprietário um dentista russo..." acompanhado com umha lista pormenorizada e precisa e todo o roubado polas autoridades franquistas.

Miriam e Israel são assassinados em 1941 dna sequência da invasom nazista da URSS

Em 1941 os pais de Salvador, Israel (Srul) Rozentouler e Miriam Lerner, junto co o seu irmão Leib (Lioba) Rozentouler são assassinados logo depois da chegada dos nazis à Transnistria. Salvador teve cinco irmãos nascidos em Edinet/Ediniti: Isaac Rozental (1896-Nova Iorque 1985), Bernardo Bruch Rozental (1901-Jerusalém 1982), Dina Rozental (1902-Medellín 1986), Pola Sofer (1905-Telavive 1980) e Moshe Rozentouler (1909-Zefat, Israel 1981).


O exilo e o sionismo

Por enquanto, em Bogotá Salvador lança-se na vida comunitária e no ativismo sionista, o movimento de libertaçom nacional do povo judeu, subindo rapidamente na hierarquia até umha posiçom sénior. Assim sendo, foi fundador e secretário da Fundaçom Sionista de Colômbia (1942) e do Comité Pró-Palestina Judaica (1945), ativista da Agência Judaica ( הסוכנות היהודית לארץ ישראל ) em prol da restauraçom da independência do povo judeu em Israel,  representou a comunidade em conferências judaicas internacionais, congressos sionistas, no Congresso Mundial Judaico... 

Em 1944 os irmãos Wulf e Eva Dainow chegam a Colômbia procedentes de Casablanca (Marrocos). Nesta altura é muito possível que se tenham encontrado  com o casal Dainow-Rozenthal. Porém, no fim da Segunda Guerra Mundial os irmãos Eva e Wulf Dainow rumam para Paris.

A partir de 1945 Rozental realizou muitas missões para o Departamento Latino-Americano da Agência Judaica e para o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, em muitas partes do continente. Antes da independência de Israel, em 1947 Salvador gere o Instituto Cultural Colombo-Israelita, chegando mesmo a fixar-se com Leia em Haifa nos estertores do Mandato Britânico da Palestina ou a participar, em 1948, na fundaçom do Estado de Israel, onde sempre foi recebido nos mais altos círculos governamentais.

Salvador Rozental 

Um documento desclassificado da CIA de setembro de 1948 sobre o reconhecimento do Estado de Israel por Ecuador e a Colômbia fala em Salvador Rozental como umha sólida liderança sionista na Colômbia e simpatizante do comunismo nos seguintes termos:

Salvador Rozental, que nasceu Josue Rosenthal na Roménia, e que é agora cidadão colombiano naturalizado, está a negociar com o ministro dos Negócios Estrangeiros Boudoran para o reconhecimento precoce de Israel.

Rozental, casado com umha russa, reside em Bogotá, na Colômbia, onde trabalha no Movimento Sionista. Era considerado polos Hebreus locais como sem fortes princípios morais e tinha muito pouca educaçom formal. Um hebreu acusou Rozental de ser comunista nos seus sentimentos.

Caso o Equador reconheça Israel, entende-se nos círculos de Quito que Rozental será o representante daquele país tanto para o Equador como para a Colômbia.

Noutro documento desclassficado da CIA, datado de junho de 1949 sobre a chegada ao Peru de Salvador com o objetivo de "preparar o reconhecimento do governo de Israel polo Peru", também paira a suspeita de ser comunista nos seguintes termos:

1. (...) Rosenthal, que dá o título de "Oficial de Enlace del Gobierno Provisional de Israel" (Enlace Oficial do Governo Provisório de Israel), afirma que participou na Conferência Judaica Interamericana em Baltimore, Maryland, em 1941 e numha conferência semelhante em Washington em 1945, e que representou a Agência Judaica na recente tomada de posse do Presidente da Venezuela. Em maio de 1948, afirma que “fez umha viagem à América Central em nome daquela agência e, desde entom, viajou para o Equador e para o Panamá em missões semelhantes. Está agora em viagem polos países sul-americanos para fazer os preparativos para o reconhecimento de Israel.

2. Visitou o Peru pola última vez em 1925 como estudante, segundo o seu testemunho, e reside há dez anos em Bogotá, onde. entre outras atividades, edita a revista Atid (Futuro)

3. Embora anteriormente relatou ter tido pouca educaçom formal, umha publicaçom de Lima indica que Rosenthal, que lista a sua profissom como dentista, obteve a sua educaçom formal nas Universidades espanholas de Santiago de Compostela, Madrid e San Carlos, obtendo um diploma desta última.

4. Até agora nada foi relatado sobre Rosenthal, desde a sua chegada ao Peru, que confirmasse ou contradissesse as suas alegadas crenças comunistas. O seu principal contato em Lima tem sido Isaac Wecselman, líder sionista na cidade, que, tal como Rosenthal, nasceu na Bessarábia e foi em certa altura denunciado como comunista.


A teor do seu engajamento na Agência Judaica em 1949 desloca-se para Nova Iorque a fim de desempenhar funções de conselheiro temporário da delegaçom de Israel nas Nações Unidas. Segundo Emílio González, na ONU desdobrou umha dupla atividade, pois trabalhou tanto em favor da independência do Estado de Israel, quanto tentou evitar o reconhecimento do regime de Franco pola ONU.

Desconhecemos o périplo posterior de Leia Dainow. Talvez conseguiu reconectar com os remanescentes da família Dainow na França pois, segundo inquirições realizadas pola QJ, em 1951, à idade de 56 anos, finava em Paris por causa dum cancro, sendo soterrada no cemitério de Bagneux a 5 de abril de 1951. Em 1954, três anos depois, Salvador casa na cidade de Nova Iorque com Ruth (Ruthy) R. Klinger, com que chega a ter três filhos. Ruthy Klinger procedia dumha família judaica fixada na cidade de Cali (Colômbia).

Retornado a Colômbia, em junho de 1955 Salvador Rozental é nomeado primeiro Cônsul Honorário de Israel em Bogotá e foi membro da junta diretiva da Orquestra Sinfônica da Colômbia. Políglota, para além de hebraico e iídiche, Rozental é fluente em russo, romeno, inglês, espanhol, francês e alemão. Ele chega a ocupar um lugar importante no mundo intelectual geral da Colômbia e liderou missões como agente do governo colombiano.


No início da década de 1970 o destino de Salvador Rozenthal cruza-se com outro galego, Modesto Seara (1931-2022), um académico das relações internacionais, pois fazem parte do Comité Latino-Americano dum movimento internacional a favor dos Judeus da Uniom Soviética (Latin American Committee for Soviet Jews). Este Comité defendia o direito dos Judeus russos que viviam na URSS de irem para o estrangeiro; isto é, reconhecer o direito para viverem em Israel. 

Em outubro de 1973 ambos viajaram à URSS ao abrigo da “Missom de Estudo na URSS” sob os auspícios do Comité Judaico Americano no México e na Argentina. A comissom, formada por Rozental, Modesto Seara, Alfredo Concepción e Benjamín Nuñez, encontrou-se na URSS com Judeus soviéticos a quem fora negado o visto de saída.

De direita a esquerda: Modesto Seara e Salvador Rozenthal. Babii Yar Ucrânia (1973) | 📷 modestoseara.com / Mozaica

A Comisssom visitou as cidades russas de Moscovo e Leninegrado, Kiev (Ucrânia) e Tbilisi (Geórgia). Durante a missom visitaram Babi Yar, nas redondezas de Kiev, um local de memória do genocídio e da Shoah.

Em 1 de junho de 1985 tem lugar o casamento dum dos filhos do casal Rozental-Klinger, Israel Leon Rozental, com Harli Fait Diamond. O NYT noticia que enquanto a noiva é gerente de mercadorias na Burdine's, umha loja de departamentos de Miami, formada na Universidade de Syracuse; o noivo, mestrado em arquitetura pola Universidade Católica de Washington, é arquiteto na Bert Millard & Associates em Miami.

Salvador Rosenthal 


No dia das Letras Galegas de 1993, à idade de 85 anos, Salvador Rozental fina na cidade de Miami (Florida, EUA).


A 10 de novembro de 2019, com ocasiom do Dia Mundial da Ciência a biblioteca municipal de Cela Nova fez umha homenagem aos médicos que nasceram, passaram ou tiveram algo a ver com a vila, entre os quais Salvador Rozental.


Desconhecemos as ligações de Salvador Rozental com o nacionalismo galego ao ponto chegar a envolver-se tanto na iniciativa do SEG quanto na homenagem popular a Vilar Ponte em 1936. Se bem existe a hipótese de estarem motivadas pola sua amizade com Emilio González López, na QJ achamos que, se calhar, mais do que isso, foi a sua simpatia polo sionismo o que fez com que se aproximasse tanto do movimento de libertaçom nacional galego florescente na Galiza dessa altura.


Fontes:

"Diario de un médico de guardia" de David Simón-Lorda (blogue)

Jornal "La Voz de Galicia" (2016)

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