sábado, 4 de janeiro de 2025

A TOLERÂNCIA COMO INTEGRAÇOM: OURENSE

 Carlos Barros

No final da Idade Média a cidade de Ourense semelha umha sociedade urbana muito mais convulsa do que Alhariz. As atas notariais do concelho e do cabido, no século XV, mostram um trasfundo de revoltas e luta de bandos que nom podia deixar de influir no convívio com a judiaria, de resto muito integrada na cidade. Os Judeus de Ourense aparecem na documentaçom como umha categoria diferenciada mas aceitada, são tratados de “vecinos” e protegidos como tais polo concelho (1); como é habitual, exercem ofícios de grande importância económica (arrecadadores de rendimentos reais e senhoriais, comerciantes, prateiros (2); e desfrutam, de resto, da precetiva liberdade (3) religiosa, dumha autonomia financeira que abeira o autogoverno: em 1433, o ourive judeu Salomón protesta, perante o alcaide da cidade, porque nom se respeitara o “uso et costume” de que quando se cobravam impostos na cidade, os Judeus escolhiam um deles “a juramento en sua ley, pera que vise ontre eles os ditos repartimentos”, e obtém do concelho a confirmaçom da tradicional autonomia judaica: “mandava que des aqui en deante non se fesese o dito repartimento sen estar o dito judío presente, pera que repartise os ditos mrs. ontre eles” (4).

 

Os Judeus em Ourense viviam misturados com a populaçom

Porém, o concelho, que reconhecia a alfama, nom tolerava as manifestações de anticristianismo. Em 1441, o alcaide tem preso o judeu Mosé Marcos, prateiro, “por rasón que diso que disera yrisía e infamia contra Deus e Santa María, disendo que Santa María parira tres veses”, e o procurador do concelho reclama que o alcaide nom deixe de fazer justiça com ele (5). Se a tolerância significa que a maioria aceita a religiom da minoria, demarcando-se polo tanto dos antijudeus, com maior motivo resultará incompatível com o desrespeito judaico para com o cristianismo. A irreverência dos Judeus, seja como for, revela que -ao igual que em Alhariz no final do século XIII- para bem e para mal as duas etnias reconheciam-se iguais, também para o mau. Sobre esta base alicerçava a política de tolerância e de integraçom.

 

Em Ourense, diferentemente de Alhariz, nom parece tão necessário organizar o convívio separando ambas as comunidades: a tolerância recíproca organiza-se de jeito mais natural, talvez cumha menor consciência de alteridade. Cristãos e Judeus viviam mais misturados, sem dano de que os segundos fizessem respeitar coletivamente os seus direitos quando convir. Tal integraçom explica porque, com o tempo, as fraturas sociais tendem a produzir-se horizontalmente.

 

A radicalizaçom das atitudes coletivas, consequência e causa do incremento da conflitividade social em meados do século XV (6), como é que afeta em concreto à boa vizinhança entre cristãos e Judeus?. Primeiro, desata-se a intolerância nobiliar: o assalto à sinagoga en 1442. E, logo, produz-se a confraternizaçom dentro da irmandade cidadã e popular de 1467. As prévias boas relações entre Judeus e cristãos, entre a comunidade judaica e o concelho, empurram à cidade a tomar partido pola sinagoga, e ao Judeus a porem-se do lado dos cidadãos na contenda civil.

 

Carlos Barros, historiador galego especialista em história medieval da Galiza, exerce como professor de História Medieval na Universidade de Santiago de Compostela

 

Traduçom livre para o galego-português da versom galega atualizada de “El otro admitido. La tolerancia hacia los judíos en la Edad Media gallega”/Xudeus e conversos na historia. I. Mentalidades e cultura (Congresso de Ribadávia, outubro 1991), Carlos Barros (ed.), Santiago, 1994, pp. 85-115; “O outro admitido”, ¡Viva El-Rei! Ensaios medievais, Vigo, 1996, pp. 75-115.

 

1 Anselmo LÓPEZ CARREIRA, “Os xudeos de Ourense no século XV”, Boletín Auriense, XIII, 1983, pp. 164-165.

2 ídem, p. 172.

3 A sinagoga da Rua Nova estava integrada no conjunto urbano e rodeada de casas habitadas por cristãos; há notícias sobre ela nos anos 1427, 1441, 1442 e 1474, ídem, pp. 161-162; para além de local de oraçom, era o sítio escolhido para ministrar a justiça que tinha a ver com a comunidade judaica (1457 e 1484), Xesús FERRO COUSELO, A vida e a fala dos devanceiros, II, Vigo, 1967, pp. 232-233.

4 Xesús FERRO COUSELO, op. cit., p. 227.

5 Xesús FERRO COUSELO, op. cit., pp. 228-229; a desconfianza do procurador do concello, figura institucional que en Ourense resposta a unha tradición de defensa do común, é, sobre todo, social, sen dúbida temían ou podían temer os veciños que o alcalde fixera a vista gorda dada a condición social do xudeu blasfemo. 

6 O ponto culminante é a insurreiçom de 1455, Mentalidad justiciera, pp. 32, 45.


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