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sábado, 24 de agosto de 2024

A QUESTOM JUDAICA E O GALEGUISMO

 O galeguismo é a ideologia política abrangente de tipo nacionalitário que tem como objetivo a defesa da Galiza mediante a criaçom de instituições próprias. Mais específicamente, o nacionalismo galego é a corrente identitária, com as suas dimensões territorial, cultural e política, que reivindica o reconhecimento da Galiza como naçom e do direito de autodeterminaçom e/ou independência para o povo galego.

Inspirados polos artigos de Afonso Vasquez-Monxardín, no QJ abordamos nesta postagem as distintas sensibilidades do galeguismo sobre a questom judaica, o problema judaico, hebraico ou israelita e o sionismo. Para além das retóricas comparativas de semelhança de povos emigrantes errantes polo mundo, povos da diáspora, o certo é que até agora nom houve reflexom suficiente nem aproximaçom à questom a partir dumha perspetiva própria.


Impulsionada polo Rexurdimento cultural, a partir de meados da década de 1880 umha parte considerável da intelligentsia galega promove o movimento político galeguista com umha série e reivindicações que formam um programa que nom apenas é consciente de Galiza ter umha história própria, mas que deve evoluir para posições políticas.

Nesta etapa coexistem conflituosamente no galeguismo duas tendências ideológicas: a tradicionalista de Alfredo Branhas (católico integrista, partidária do retorno ao passado e anticapitalista) e a tendência liberal de Manuel Murguia (partidária do capitalismo, da modernizaçom social e dumha democratizaçom autêntica). As duas visões concordam em que a Galiza é umha nacionalidade com direito à regeneraçom dos seus riscos culturais e a umha autonomia política para a resoluçom dos seus problemas de dependência.


> Manuel Murguia (1833-1923)

Impulsor do "Ressurgimento" galego, casou em 1858 com Rosalia de Castro, a quem encorajou na sua carreira literária e na publicaçom de "Cantares Galegos" em 1863, considerada o início do rexurdimento literário galego. Estudioso da história e geografia, em 1870 foi nomeado diretor do Arquivo Geral da Galiza e, mais tarde, em 1885, Cronista Geral do Reino. Em 1906 criou a Real Academia Galega (RAG).

Manuel Murguia (1833-1923)

Em 1891, durante os Jogos Florais de Tui, Murguia pronuncia o primeiro discurso feito em público em galego em que fala do sentimento histórico e cultural diferenciador da Galiza. Num depoimento muito aplaudido, disse:

“Pensemos que nom em balde temos na Galiza os restos daquele celeste guerreiro, inimigo da gente de Maomé. Homens europeus, homens de Cristo, a vitória está por nós. Os homens do Alcorão, os semitas que ainda erram como sombras polas terras de Espanha, apenas importam porque são um perigo e um estorvo”. 

No entanto, como liberal, Murguia condena a Inquisiçom espanhola e a expulsom dos Judeus de 1492. Fala com respeito nos "judeus galegos" medievais e dos conversos diz: "Como nom os mirávamos mal, antes foram tidos por muito úteis para a república, viveram em paz enquanto nom se estabeleceu a Inquisiçom na Galiza"


>Alfredo Branhas (1859-1900)

Alfredo Branhas foi um escritor e ideólogo do regionalismo galego do século XIX. Líder da asa católica tradicionalista do galeguismo, em 1889 publicou em Barcelona "O Regionalismo. Estudo sociológico, histórico e literário" que seria aceite como referente polo galeguismo político. Em 1890 participou na criaçom da Associaçom Regionalista Galega (ARG), falando da Galiza como nacionalidade no seu vozeiro (A Pátria Galega). Em 1892 desaparece a ARG após um confronto com o setor liberal de Manuel Murguia. Branhas foi secretário geral da Universidade de Santiago de Compostela (USC) entre 1884-85 e em 1888 obteve a cátedra de economia politica. 

Alfredo Branhas (1859-1900)

Num discurso pronunciado no 5º Congresso Católico (Burgos, 1899), Alfredo Branhas falou na França "podre por panamitas e dreyfusistas, e envenenada por Judeus", e da "maçonaria, enfim, abraçada ao judaismo" que prossegue a "sua obra de detruiçom desta pátria [espanhola] que outrora regeu o mundo com o cetro e com a cruz, trancou as suas fronteiras ao protestantismo e expulsou do seu seio aquela escumalha perigosa e rebelde de Judeus e mouriscos".


O galeguismo político renova-se definitivamente com a constituiçom, a partir de 1916, das Irmandades da Fala, que definiram explicitamente o movimento galeguista como nacionalista. As Irmandades promovem um vasto projeto cultural formado polo Seminário de Estudos Galegos (SEG) e o Grupo Nós. Em dezembro de 1931, após a instauraçom dum regime republicano e democrático no estado espanhol, é fundado o Partido Galeguista (PG)

Entre 1916 e 1936 o nacionalismo galego teve diversas tendências políticas que se poderiam agrupar numha tendência neotradicionalista, comandada por Vicente Risco, e umha asa liberal-democrática, sob a liderança de Afonso Daniel Rodrigues Castelao, unificadas sob o programa comum do PG.


> Vicente Risco (1884-1963)

Vicente Risco, um intelectual e membro da Geraçom Nós, é considerado um dos maiores teóricos do nacionalismo galego no primeiro terço do século XX. No final de 1917 entra nas Irmandades da Fala, sob influência de Antom Lousada Diegues. A 18 de dezembro de 1917 pronuncia o primeiro discurso em galego num ato de apoio a Francesc Cambó na campanha para as eleições parlamentares de 1918 e em novembro desse ano tem umha atuaçom destacada na I Assembleia Nacionalista. 

Em 1920 publica a "Teoria do nacionalismo galego",  obra decisiva na formulaçom do conceito da Galiza-naçom e na construçom de muitos elementos básicos do nacionalismo galego, assumida por todas as tendências galeguistas a teor da imensa atividade de Risco como publicista e o seu prestígio intelectual. Considerado o texto fundacional do nacionalismo galego, recolhe o legado de Manuel Murguía combinado com o irracionalismo filosófico, o determinismo geográfico, o neotradicionalismo e a etnografia. A naçom é definida como um facto natural baseado na terra, na raça, na língua, na organizaçom social, na mentalidade e no sentimento. E afirma a pertença da Galiza à civilizaçom atlântica e céltica polo seu irracionalismo e dinamismo vitalista face a civilizaçom mediterrânea, à que despreza por racionalista, classicista e decadente.

Vicente Risco (1884-1963)


Em 1931 participa na assembleia fundacional do PG, sendo eleito membro do seu  Conselho Executivo. Porém, esteve em conflito permanente com o partido por causa da sua falta de interesse com a política ativa, o seu escaso entusiasmo pola democracia e a sua rejeiçom a colaborar com a esquerda espanhola. Anticomunista, conservador e católico, mostrou também umhas tendências racistas que se foram tornando antissemitas na década de 1930, consoante a sua influência na política partidária do nacionalismo galego foi minguando. 

Em 1934 publica MITTELEUROPA, obra em que recolhe as suas impressões dumha viagem por Europa quatro anos antes em que louva o nazismo como "reaçom vital da naçom alemã, empeçonhada polo fermento marxista, comesta polos Judeus, esmagada polo capitalismo internacional e polos vencedores de Versalhes e que se quer libertar pola uniom e o sacrifício na ideia da Pátria encarnada no Estado". Critica a crise da "fé religiosa tradicional", mas dedica bastantes páginas a valorizar positivamente "as ciências ocultas, a teosofia, a ariosofia nazista e, mesmo a maçonaria mística".

Em Mitteleuropa pergunta-se "Todo alemão é nacionalista, salvo os Judeus; mas os Judeus, são alemães?" e comenta a relaçom percebida entre os Judeus, o internacionalismo e o patriotismo: "O internacionalismo explica-se neles por serem um povo sem pátria, sem terra. Isto prova a necessidade que o homem tem da pátria (...) A desesperaçom de nom terem pátria, leva-os, conscientemente ou nom, a quererem desfazer a pátria dos demais, a quererem apagar a ideia de pátria, e isto olha-se ao menos como tendência, em todas as suas publicações". 

Umha seçom de Mitteleuropa está devotada ao "Antissemitismo", onde mostra um antissemitismo instintivo dos centro-europeus: "o instinto atina sempre, adivinha as causas". Diz que os Judeus são superiores por terem conservado a sua pureza racial e reconhece a valia da cabala, de Spinoza, Einstein ou Freud, mas "o judeu é a grande força desgarradora, o fermento da dissoluçom social".

Segundo ele os Judeus desenvoleriam atividades económicas nocivas ou as atividades económicas malignizar-se-iam quando forem desenvolvidas por Judeus  pois "eles criaram a economia do dinheiro, a maior revoluçom do mundo":

"A economia do dinheiro foi o princípio da destruiçom das sociedades cristãs polo judaismo. O dinheiro é a mais espantosa dinamita do mundo. A economia capitalista tem o vício original, satânico, negativo, de erguer um valor artificial acima dos valores económicos naturais, únicos verdadeiros. Isto teve para os Judeus o efeito e torná-los ricos, e para os outros, o de minar o fundamento das sociedades que desde entom descansaram sobre o dinheiro, sobre base mentireira, falsa e inconsistente. E os valores económicos ergueram-se acima dos espirituais. Logo os Judeus ainda fizeram mais: evaporaram o dinheiro em figura de crédito, com o qual acabaram de fazê-lo onipotente e universal, com o qual triunfou a grande ideia judaica: o internacionalismo cosmopolita. Porque com o crédito, estabeleceu-se a solidariedade mundial das finanças, a ditadura dos grandes truts internacionais".


Ao ocorrer a sublevaçom nazi-fascista do exército espanhol em 18 de julho de 1936 Risco cala perante o assassinato, encarceramento ou exilo de muitos dos seus colegas galeguistas, colocando-se de vez à margem do nacionalismo galego. 

Encarando um processo de expiaçom, com motivo do sexto aniversário da tomada do poder como chanceler de Hitler, a 31 de janeiro de 1939, Risco dedica-lhe ao Führer as seguintes palavras no jornal "La Región": "A vantagem está em que Hitler move a Alemanha no sentido direto da história, segundo o ritmo da nossa época, enquanto as nações nom se podem opor à progressom da Alemanha vivem e movem-se  consoante umha época definitivamente periclitada, porque era umha época claramente anormal da história. Por isso, a subida de Hitler ao Poder tem umha significaçom trascendental para o mundo, que todos devemos lembrar nesta efemérides".

Em 1943 Risco também escreveu um outro livro, nunca publicado (*), intitulado PALESTINA no que defende a tese peregrina de que essa disputada terra do Próximo Oriente nom devia estar sob mandato inglês, nem judeu, nem árabe, mas espanhol, por ser o país mais católico do mundo e ter experiência em lidar com os árabes. 

Segundo as pesquisas de A. Alonso e A. Bernardez, divulgadas no n°204 da revista Grial (2014), o objetivo do texto é desacreditar, dum ponto de vista jurídico, histórico e religioso o establecemento do Lar Nacional Judeu na Palestina.

A obra debruça-se numha disquisiçom historicista centrada basicamente na questom do estado judeu a partir dumha visom profundamente subjetivivista. Segundo Risco, a Palestina é um território tocado por Deus que foi elegido para "assento do seu povo; isto é, o povo destinado a conservar a fé e o culto do Deus Único"), umha "terra pré-destinada para acontecimentos de repercusom universal". Em consequência, nom chegaria a geopolítica para explicar o conflito palestiniano, mas que seriam "os interesses espirituais os que atraem os homens".

Segundo a visom transcendentalista e teleológica de Risco na questom da Palestina nom há nada a perceber porque todo está certo e o texto é umha compilaçom de provas para justificar o seu veredito: a desautorizaçom jurídica do Mandato Britânico na Palestina e a rejeiçom do Estado Judeu e, em consequência, da Ordem Mundial surgida dos tratados de paz de 1919.

A tensom entre Ocidente e Oriente está presente a partir dumha perspetiva de supremacismo cristão. O Império Bizantino e a época das Cruzadas são percebidos como épocas douradas face os períodos de predomínio oriental, ligados a um substrato moral negativo. Os povos pré-judaicos eram "cruéis e degradados que adoravam deuses horríveis", a praticar "ritos de perversom sexual extraordinária", enquanto os Judeus, perseguidores da verdadeira religiom nom foram capazes de manter a Palestina e sucumbiram perante o poder romano polo seu fanatismo, essa "particular obstinaçom da raça". Além disso, os muçulmanos são infiéis que arrebataram a Terra Santa dos cristãos, o que justifica com argumentos morais a necessidade das cruzadas.

Para fundamentar estas posições apela a umha erudiçom notável com base na Bíblia como fonte histórica e reproduz parágrafos inteiros de diversos trabalhos contemporâneos para servir o seu objetivo final: o questionamento do Estado sionista e a rejeiçom da modernizaçom (entendida como resultado do Mandato Britânico) como profanaçom dum território sagrado.

Para justificar o papel de Espanha na proteçom dos Santos Lugares, Risco situa-se em coordenadas nacional-católicas em funçom dos seus direitos históricos alegando que "algo tem de valer a fidelidade incomovível dumha naçom que, embora em ocasiões governos ou partidos tentem afastá-la da fé da igreja católica, reage sempre para voltar a pôr-se ao serviço da Verdade com todo o que tem e todo o que vale".  Esse protetorado espanhol da Terra Santa preservaria a Palestina das ameaças da modernidade.


Risco aborda o sionismo a partir dumha perspetiva do antissemitismo religioso no qual, numha interpretaçom metahistórica, a história dos Judeus é identificada como o relato dumha expiaçom: "O exemplo mais claro de expiaçom é o do povo judeu, que nos nossos dias tenta inutilmente refazer a sua nacionalidade na Palestina".

O sionismo é caracterizado como um sonho medieval e irreal incompatível e contrário ao Iluminismo. Paradoxalmente, como referido, a tese central da obra é umha rejeiçom consciente da cultura da modernidade, onde Risco chega ao extremo de sustentar que umha hipotética vitória nacional-socialista na Guerra Mundial poderia abrir a porta para umha transformaçom dos valores ocidentais cara "os valores originais do homem", que derrotariam o materialismo e abririam o caminho para "o triunfo do homem sobre as cousas".

Além disso, num antissemitismo social próprio dos Protocolos dos Sábios de Siom, para Risco os Judeus guardam umha ligaçom ao coletivismo marxista quando, -com retranca galaica-, descreve os comedores e quartos coletivos das colónias ironizando que "o regime de vida de muitas tribos primitivas que temos por selvagens, nom deve ser o que acreditamos, quando o adoptam os ultracivilizados sionistas social-democratas", ou quando formula que talvez existam colonatos judaicos onde se pratique "a comunidade de mulheres".

Finalmente, para deslegitimar o sionismo Risco antecipa os conflitos árabe-israelitas e a colonizaçom que estabelece que os que detentam a soberania na Palestina são os seus moradores, independentemente da sua adscriçom étnica, rejeitando assim o direito à instauraçom do lar judeu estabelecido pola Declaraçom Balfour de 1917. 


Em 1944 Vicente Risco publica em Barcelona HISTORIA DE LOS JUDÍOS DESDE LA DESTRUCCIÓN EL TEMPLO, umha macro-obra de quatro volumes que inspirou os antissemitismos espanhóis. De grande sucesso editorial, chegaram a publicar-se até très edições entre 1944 e 1962 (as últimas en formato de luxo).

Segundo o investigador Álvarez Chillida, Risco volta a descrever os Judeus como raça intelectualmente superior, com umha mentalidade que é mistura de idealismo místico e racionalismo crítico e demoledor. Moralmente descreve-os como covardes, servis, hipócritas, ambiciosos e resentidos. No entanto, mostra-se bastante respeitoso com o judaismo religioso, mesmo com o Talmud, que considera mistura de superstições e ritualismo estúpido com umha admirável doutrina moral e filosófica. Nega também os crimes rituais, dizendo que se houve algum, foi isolado. O seu ataque encaminha-se à época moderna e contra o judeu reformista, nom contra o religioso "inofensivo", apesar de estarem indissoluvelmente ligados. O original do livro é o tom de neutralidade com que está redigido. Risco fala nos antissemitas em terceira pessoa e confronta as teses deles com as dos Judeus, ainda que a seguir apenas exponha os argumentos dos primeiros, com umha aparência de objetividade que criará escola. 

Igual que em Mitteleuropa, apresenta o carácter "universal" e eterno do antissemitismo de Manethong a Hitler, produto dum instinto de origem racial, embora, contradizendo-se em parte, explica-o também polo deicídio e a preservaçom providencial, afirmando que o judeu converso deve ser considerado plenamente cristão.

Chillida refere que Risco centra-se de novo no papel destrutivo dos Judeus no mundo moderno, exercido a política e a cultura a partir do fabuloso poder económico dos seus banqueiros. Citando a grande quantidade de autores judeus, ou que ele identifica como tais, mostra como têm difundido o anticristianismo, o ódio à Igreja, o laicismo e o ateísmo, o liberalismo e a democracia, o internacionalismo, o pacifismo, a destruiçom de todas as hierarquias, a imoralidade, o pansexualismo e as aberrações sexuais, e mais o marxismo. Risco cita também a Disraeli, Papini e especialmente a Ford, e também explica as ideias antissemitas de Hitler sem acrescentar comentários. 

Mais especificamente, o livro gaba o nazismo nos seguintes termos: 

“Os alemães viam levantar-se por fim umha força positiva contra aquele odiado inimigo polo qual sentiam, mesmo, nojo físico, e que, no entanto, se entronizara sobre eles com a república (de Weimar)".

Na segunda ediçom de "Historia de los Judíos", publicada por Surco em 1956, Risco refere, sobre o extermínio dos Judeus durante a Segunda Guerra Mundial: 

“Sofreram os Judeus, na Alemanha e nos países dominados polo Eixo, umha das mais terríveis perseguições de todos os tempos”

Apesar do antissemitismo mostrado nas anteriores edições, qualifica o povo judeu como: “único, disperso e errante [...] tenaz, obstinado, persistente, irredutível (...) Fisicamente, na sua pureza, costuma ser umha raça muito bela, muito fina, com certos caracteres de feminidade suave e de branda doçura” (...) “Intelectualmente, os Judeus são umha raza superior, sem qualquer dúvida. Possuem umha privilegiada inteligência e umha extraordinária habilidade e subtileza para múltiplas atividades”.

Em 1963, antes da sua morte, Vicente Risco publica "Mitologia cristiana", dedicado a Manuel Fraga Iribarne. Risco fina a 30 de abril de 1963 no seu leito de Ourense, dias depois de ter recebido do governo franquista a Grão-Cruz da Ordem Civil de Afonso X o Sábio.


> Afonso Daniel Rodrigues Castelão (1886-1950)

Afonso Daniel Manuel Rodríguez Castelao, médico titulado da USC, inteletual nas suas facetas de escritor, político e artista, é considerado um dos fundadores do nacionalismo galego, chegando a ser o vulto mais importante da cultura galega do século XX.

Como político, embora iniciado em 1910 no seio do Partido Conservador espanhol de Antonio Maura, em 1916 foi um dos fundadores do núcleo das Irmandades da Fala na cidade de Ponte Vedra, fazendo parte do Grupo Nós e da RAG. Em 1931 foi eleito deputado para as Cortes Constituintes da Segunda República espanhola para o período 1931-33 e participou na constituiçom do PG, do que foi eleito Secretário Político.

Em fevereiro de 1936 foi novamente eleito deputado do PG na candidatura da Frente Popular, protagonizou a campanha polo sim ao Estatuto de Autonomia da Galiza (aprovado em plebiscito a 28 de junho). O golpe de estado nazi-fascista de 18 de julho de 1936 colheu-o em Madrid. Exilou-se no México, Nova Iorque e, finalmente, Buenos Aires. Foi o primeiro presidente do governo galego no exilo, o Conselho da Galiza (1944-50), bem como membro do governo republicano no exilio presidido por Giral (1946-47).

Daniel Castelão (1886-1950)

Segundo as investigações de Craig Patterson divulgadas no nº202 da revista Grial (2012), de forma continuada ao longo da sua trajetória, Daniel Castelao mostra no seu trabalho um antissemitismo social, cultural, económico e político, as mesmas ideias e preconcebidos sobre os Judeus e a cultura judaica existente em intelectuais e políticos coevos da cultura espanhola e europeia.

Em 1921 Castelão publica uns comentários no jornal "A Nosa Terra" sobre o internacionalismo e os Judeus inspirados nos "Protocolos dos Sábios de Siom" (1903):

"A renascença das nacionalidades é um facto e os mesmos Judeus, sustentando com a sua inteligência e o seu dinheiro o internacionalismo, nom faziam mas que defenderem a sua raça, o seu território. Os Judeus são os únicos inimigos verdadeiros do nacionalismo. Por isso quando um Judeu se chamar de nacionalista é preciso olhá-lo com certa desconfiança, pois todo o mundo sabe que os Judeus jamais trabalharam, e bem pode qualquer judeu ocultar o seu internacionalismo pola conveniência de viver dos nacionalistas".

Num "Conto Ilustrado" (A Nosa Terra, 1921) Castelao "revela", num diálogo fictício entre Francesc Cambó e o Conde de Romanones, os dous políticos mais proeminentes da política espanhola, que o líder catalanista era judeu, sendo equiparada essa "confissom" com um defeito físico. Nessa altura o uso do termo "judeus" aplicado aos catalães era utilizado polo mais ranço espanholismo contra o catalanismo e/ou o nacionalismo catalão. Assim sendo, o escritor espanhol Pio Baroja em 1907 acusava os catalães de serem "os Judeus de Espanha" e na  imprensa espanhola Cambó era frequentemente caricaturizado com traços próprios das representações tópicas e pejorativas dos Judeus, sobretudo o grande nariz e com garras em lugar de dedos, para além de o apresentar como avarento, grosseiro. 

Em abril de 1937, numha carta aberta a António Oliveira Salazar, Castelão acusa o presidente do Conselho de Ministros de Portugal de ser judeu com o intuito de o desautorizar e potenciar o conceito de uniom étnica entre a Galiza e Portugal: "Sabe você, apesar de ser judeu, que a Galiza e Portugal formam, etnicamente, um mesmo povo". 

Numha anotaçom dos seus cadernos de 1939, redigida em Nova Iorque, Castelão mesmo chega a referir-se aos judeus em termos escatológicos mediante o uso do humor vulgar.

Numha carta privada encaminhada a Luis Soto em Nova Iorque a 18 de setembro de 1939 Castelão reitera a sua antipatia contra os Judeus por causa do seu cosmopolitismo e a sua alegada falta de compromiso nacionalista com umha dada naçom, referindo-se a eles como "os verdadeiros" nazis:

"vejo esta guerra -se é que prosperasse e nom acabara com a desfeita da Polónia- como umha luta de Feixismo contra Nazismo. Adivinha-se isto quando se observa que na imprensa dos EUA ficou apagada a palavra "feixismo". O inimigo nom é mais que o "nazismo"; e dizer, o inimigo dos Judeus que por serem nazistas verdadeiros nom aceitam os nazis fingidos. Hitler é um intuitivo bárbaro que chegou a conclusões inconcebíveis para um homem moderado pola cultura cristã; mas umha das cousas que mais me impressionaram foi quando fala na imoralidade dos grupos que nom querem compromissos com a terra. O cospolitanismo foi sempre um dos meus ódios... "

Entre julho de agosto de 1947, depois de estar uns meses em Marselha e Paris para participar nas sessões do governo republicano no exilo, de caminho para a América, no fragmento 7 do "Caderno C" Castelão concentra as suas frustrações nos Judeus:

"Este barco vém carregado de Judeus. São os que apanharam as vagas, corrompendo com dinheiro os agentes consulares e aos empregados da companhia de Navegaçom (...) No barco, como em toda parte, ganharam a antipatia de todos os nom Judeus. Lástima grande que os democratas sinceros comecem a odiar os Judeus, porque polo caminho que vão chegarão a concordar com Hitler. A culpa é dos próprios Judeus".

Apesar de o mundo ter conhecimento nessa altura do extermínio dos Judeus perpetrado pola Alemanha Nazista a teor das recentes condenas a altos funcionários nos Julgamentos Principais de Nuremberga, Castelão nom hesita em arremeter contra esses Judeus que o acompanham na travessia oceânica, talvez refugiados, que, como ele, fogem para um exilo na América. 

Apesar de todas estas representações negativas e xenófobas dos Judeus, no discurso público celebrado a 25 de julho de 1933, Dia Nacional da Galiza, Castelão compara a identidade galega no século XIX, prévia ao ressurgimento do sentimento nacionalista, com a dos Judeus: "A nossa alma, como a dos Judeus, aguardava o milagre da ressurreiçom, para reencarnar num corpo são e robusto para renascer e viver sob a luz do sol". 


> Ramom Otero Pedrayo (1888-1976)

Ramón Otero Pedrayo foi geógrafo, professor, escritor, político e intelectual. Membro da Geraçom Nós, ingresou nas Irmandades da Fala en 1918 e foi eleito deputado polo Partido Nacionalista Republicano de Ourense (integrado no PG) nas Cortes Constituíntes republicanas (1931-33)Trabalhou na aprovación do Estatuto de Autonomía da Galiza de junho de 1936. Manteve-se fiel à causa galeguista durante a Guerra civil espanhola e foi expedientado polo regime franquista.

Foi responsável pola área de geografia do SEG, membro da RAG e presidiu a Editorial Galaxia. Participou no Instituto de Estudos Galegos Padre Sarmiento. Foi autor dumha ampla obra narrativa, ensaística e dramática.

Ramom Outeiro Pedraio (1888-1976)

Para Otero Pedrayo os Judeus são um elemento distorsionador da identidade nacional "o factor hebraico nom trabalha obedecendo os profundos desígnios das terras pátrias" (Ucrânia, 1943) e representam a modernidade urbana que ameaça o existencialismo vital.

Em 24 de maio de 1948, dez dias depois da invasom árabe do nascente Estado de Israel, Otero Pedrayo escreveu em "La Noche":

"Sabemos de gentes que têm medo às notícias da Palestina e fogem delas, o que nom lhes impede a cavilaçom... Na terra por excelência saudosa do amor e da dor, no ponto e enxerto da história eterna, na história templária quer-se estabelecer umha alquiratada abstraçom. É cruel, geadamente inteligente, a ideia dum Estado judeu. A ciência, o método, a mestria sobre o tempo, as alavancas do dinheiro, tornam mais duros os olhos dos lapidadores de Santos (...) E acha-se hoje como os Árabes a bombardear os acampamentos Judeus, fazem ofício de Templários. E que mais de um esguio chefe de oásis, no seu auto, no seu aviom ou no seu camelo obedece sem dar por isso, ao mandado de Godofedro ou de Ricardo Coraçom de Leom".

Ligado à asa neotradicionalista do galeguismo, com a expressom de “duros olhos de lapidadores de santos” ou a ideia de os árabes fazerem “ofício de Templários”, Otero Pedrayo mostra um antissemitismo religioso ligado ao cristianismo tradicional. No início do século XX a doutrina oficial da igreja católica (Papa Pío X) afirmava: “Nom podemos evitar que os Judeus vaiam para Jerusalém, mas nunca poderemos sancioná-lo... Os Judeus nom reconheceram o nosso Senhor, portanto nós nom podemos reconhecer o povo judeu”.


A longa noite de pedra da ditadura de Franco (1936-75) pôs fim ao processo de afirmaçom nacional aberto nos anos anteriores, frustrando a chegada ao governo galego do PG. Muitas instituições políticas e culturais, o SEG ou o jornal "El Pueblo Gallego", passando pola USC, foram literalmente incautadas, depuradas e ocupadas polo regime franquista. A política linguística do regime procurará o extermínio de qualquer manifestaçom de galeguidade, originando um processo de espanholizaçom social. 

Apesar dos pedidos da diáspora, nos finais da década de 1940 o nacionalismo do anterior decide abandonar o ativismo político do PG na clandestinidade e apostar numha estratégia de açom cultural legalizada através a Editorial Galaxia a partir do ano 1950.

Porém, nos meados da década de 1960 o nacionalismo galego experimenta um processo de reorganizaçom politica que dota o galeguismo dumha orientaçom esquerdista, quer socialista (PSG), quer comunista (UPG). Assim sendo, o novo nacionalismo galego, ao abrigo tanto da sionologia soviética quanto das teses anti-imperialistas, assume como doutrina oficial a demonizaçom e deslegitimaçom do sionismo como movimento nacional dos Judeus e do Estado de Israel.


> Eduardo Moreiras (1914-1991)

As palavras do poeta e escritor Eduardo Moreiras, membro da RAG, confirmam a ligaçom entre antissemitismo e nazismo. Eis o que escreveu em 1970:

"Às vezes, eu faço na minha cova oferendas sentimentais in memoriam do III Reich. O que morreu, morreu. Mas... (...) Existe hoje na Europa Ocidental, umha raça de amos umha cheia de escravos que vão com o saco ao lombo, pôr-se em fila na porta da cozinha por se cair o maná. (...) A Europa saíu do racismo nazista para cair aferrolhada nos vencelhos do dinheiro judeu internacional".


> Manuel Fraga Iribarne (1922-2012)

Manuel Fraga Iribarne foi presidente da Galiza entre 1990 e 2005. Durante a ditadura de Franco foi procurador em Cortes (1957-71) e ministro da Informaçom e Turismo (1962-69), ministro do Interior (1975-76) e um nome importante na segunda transiçom monárquica à democracia e da elaboraçom da nova constituiçom do Reino de Espanha como lider da direita espanhola da AP-PP entre 1976-90.

Manuel Fraga Iribarne (1922-2012) 

Durante a presidência do Governo galego defendeu a identidade cultural galega dentro de Espanha através da sua tese da auto-identificaçom face a autodeterminaçom e propugnou um autonomismo avançado com a proposta de administraçom única, inspirada em técnicas político-administrativas próprias do federalismo. 

"Vota galegos como tu" | Gerardo Fernández Albor (à esq), presidente do governo galego 1982-87 entre 1938-39 formou-se na Luftwaffe | Manuel Fraga (à dt)

Quando membro das cortes franquistas, na primavera de 1971, pronunciou o pregom de semana santa na cidade de Samora, que foi publicado polo jornal local "El Correo de Zamora" e polo jornal "Informaciones" (Madrid, 4/4/1971), no que manifesta um antissemitismo religioso:

"A liçom terrível da Semana Santa deve ser novamente revalorizada e assimilada: os Judeus preferiram a injustiça à desordem, o imobilismo à esperança e à milagre, o egoismo à esmola e ainda nom acabaram de expiar o sangue caído sobre eles e sobre os seus filhos. (...)  Com certeza, enganaram-se, Jerusalém e Israel seriam destruidas".

Manuel Fraga foi um alto funcionário do regime franquista

Dias depois, Fraga encabeçava um manifesto que pedia a libertaçom de Rudolf Hess, antigo secretário pessoal de Adolf Hitler e Vice do Führer entre 1933-41. Nessa altura Hess estava encarcerado logo de ter sido julgado por crimes de guerra nos Julgamentos de Nuremberga e condenado a prisom perpétua.


Porém, numha revira-volta, no início da transiçom espanhola, Manuel Fraga foi um dos fundadores da Associaçom de Amizade Espanha-Israel, utilizando a pertença a esta organizaçom para branquejar a sua cumplicidade com o franquismo e os seus crimes.

Em 1994 o Governo galego colaborou na ediçom e divulgaçom dum ensaio revisionista intitulado "La mentira histórica desvelada" em cujo epílogo Manuel Fraga, em qualidade de membro da "Real Academia de Ciencias Morales y Políticas", elogia a tese sobre as “lendas negras” dos genocídios do nazismo e dos colonizadores espanhóis de América Latina:

"Entramos aqui a encarar um tema espinhoso em que a propaganda teve um papel absoluto. É fácil enganar as massas, mas o que nom é correto é que ao longo dos anos se siga a teimar no engano. Assim sendo, aos alemães tocou-lhes padecer umha lenda tão negra, quase, como a que ainda padecemos os espanhóis: O assassinato de seis millões de Judeus nos campos de concentraçom (de extermínio, como se costuma dizer) na Europa central" (...) "Percebemos a enorme fraqueza política dos sucessivos governos da antiga República Federal da Alemanha, que entregou ao Estado de Israel enormes quantidades de dinheiro como compensaçom pola morte de… millões de judeus en campos de concentración alemães durante a 2ª Guerra Mundial. No percebemos o porque dessas imensas doações quando é muito provável que os germanos conhoçam com certeza que nom houve tais milhões de assassinatos".

Em junho de 2000 um funcionário do Governo galego apresentou queixa ao autor do livro e a Fraga por um alegado delito de negaçom do Holocausto que finalmente foi dada por encerrada, altura em que o presidente galego se limitou a dizer que nom compartilhava as afirmações sobre a Shoah.


> Xosé Manuel Beiras Torrado (1936)

Xosé Manuel Beiras é um político e economista galego de ideologia nacionalista galega e de esquerdas. Integrante da "Xeración La Noche" (ou Geraçom dos 50) por ter colaborado com outros galeguistas no jornal "La Noche", em 1963 foi membro fundador e posteriormente (1971-77) líder do Partido Socialista Galego (PSG), do Bloco Nacionalista Galego (BNG) em 1982 e de Anova-Irmandade Nacionalista em 2012. Promoveu coaligações eleitorais com representaçom parlamentar como Galeusca, Alternativa Galega de Esquerda (AGE) ou En Marea. Nesse tempo, foi também porta-voz no Parlamento galego do BNG (1985-2005) e de AGE (2012-16).

Xosé Manuel Beiras Torrado (n. 1936)


No tocante a Israel e os Judeus, Beiras identifica sionismo e nazismo. Assim sendo, sob o titulo "Os nazis de agora", num artigo de opiniom publicado em "Sin Permiso" a 13/6/2010, referiu o seguinte sobre Israel e o sionismo:

"Sim, sem qualquer dúvida, o Estado sionista de Israel é a cidadela kafkiana dos nazis de agora no extremo mediterrâneo de Ocidente. E Ocidente segue a dançar o rigaudon com ele, como fez outrora com Mussolini e Hitler. Até a consumaçom deste outro Apocalipse".

Na primavera de 2013, como presidente do grupo parlamentar de AGE, Beiras alcançou fama mundial nas redes antissemitas por ter vetado que o Parlamento galego aprovasse a resoluçom anual em lembrança do Holocausto judeu. Dita declaraçom de condenaçom da Shoah precisava da unanimidade das forças políticas, mas AGE bloqueou a iniciativa alegando que "apenas apoiava o imperialismo sionista contra o povo palestiniano", justificaçom dos extremismos de direita e esquerda para expressar o seu antissemitismo sob o disfarce do antissionismo.

Para mais informações sobre o impacto global do veto de Beiras à condenaçom da Shoah polo Parlamento galego em 2013 as seguintes ligações encaminham ao dossier elaborado por João Guisan e reproduzido na QJ:

O ódio é um espelho

O veto de Beiras e BNG nas comunidades (anti)judias

A viagem do boicote de Beiras e BNG

O périplo americano da postura anti-holocausto de Beiras e BNG

A trama dos que aplaudem o veto de Beiras e BNG passa polo Irão

O veto de Beiras e BNG e a tripla aliança extrema-esquerda, islamismo e neofascismo

O pecado original do nacionalismo galego e o veto de Beiras e BNG à condena do holocausto

O ódio é um espelho



(*) Conserva-se cópia dactilografada no fundo da censura do Archivo General de la Administración (Alcalá de Henares), da Editorial Pace, umha editora de orientaçom germanista e tradicionalista sobre livros de História e Política.


PARA SABER MAIS SOBRE O ANTISSEMITISMO DE CASTELAO

> Entrevista: Castelao expresa os mesmos prexuízos sobre os xudeus que atopamos en tantos outros escritores, Praza Pública, 17/9/2014

"Espero que no futuro aqueles, sejam analistas, investigadores ou políticos, que criticam a Risco por isso [o antissemitismo] também fagam referência a Castelão" | Craig Patterson


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

> "O problema xudeu e o galeguismo I, II e III", Afonso Vázquez-Monxardín, La Región, 2023
El antisemitismo en España. La imagen del judío (1812-2002), Gonzalo Álvarez Chillida, 2002
> "A historia dende a provincia circa 1944. Palestina de Vicente Risco e Ucrania de Ramón Otero Pedrayo", Álex Alonso Nogueira e Antonio Bernárdez Sobreira, nº204 da revista Grial, 2014
> “Delito e pecado. Castelao, Galicia e o antisemitismo”, Craig Patterson, nº 202 da revista Grial, 2012

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