Esta postagem (a terceira) faz parte do dossier intitulado "O ódio é um espelho" sobre as simpatias do nazismo internacional com Beiras e BNG por terem-se negado a condenar o Holocausto*
João Guisan Seixas, escritor
Mas o aplauso da ultra-direita internacional à negativa de Beiras e BNG a condenar o Holocausto, viaja ainda mais longe. Tão longe que vamos ter que fazer a viagem em três etapas. Às vezes o dado mais importante de uma informação reside antes no caminho que segue do que no próprio conteúdo.
Primeira etapa
O ponto de partida da primeira
etapa não sabemos muito bem se colocá-lo no Irão, na Palestina, na Argélia e na
França. Na sua página pessoal, alguém que assina "Mounadil al
Djazaïri" ("O Combatente Argelino"), que aparece também como
colaborador da rádio iraniana em francês ("Iran French Radio", onde o
responsável da seguinte etapa, Alain Soral, aparece também frequentemente entrevistado
e citado) e que podemos colocar, com uma simples pesquisa na net, em relação
com diferentes grupos de apoio a Gaza e aos prisioneiros de Guantánamo, publica uma nota intitulada "AComunidade autónoma da Galiza (Espanha) diz não ao lobby sionista!"
O título só é já todo um exemplo de "objectividade
informativa", pois iguala 15% do eleitorado (percentagem de votantes de
Beiras e BNG) com 100% dos cidadãos. É um exemplo óptimo para que possamos
comprovar, em primeira mão, diante de uma situação objectiva que conhecemos,
qual a fiabilidade das fontes pró-palestinianas. Como se vê, é sempre necessário
dividir por 10, no mínimo, a informação recebida para obtermos alguma
aproximação da realidade.
A nota em si limita-se a traduzir para francês uma informação
de El Mundo dando conta do bloqueio de Beiras e BNG à declaração contra o
Holocausto judeu, precedido de alguns esclarecimentos acerca do que é a Galiza
(que, num estudo "em profundidade", se identifica como a terra de
origem de Julio Iglesias, Raul Alfonsín, Franco "le caudillo"
e Fidel Castro) e de quem são AGE e BNG (que são definidos como partidos
"da esquerda terceiro-mundista e pró-palestiniana, da esquerda à Hugo
Chávez, vamos!")
Já sei que o assunto deste dossier são as páginas de
ultra-direita, e que alguém julgará que, por ser árabe, esta aqui vai estar
livre automaticamente dessa suspeita. Talvez não baste dizer que nela se
reciclam todos os tópicos nazis sobre os judeus (embora aplicados aos
"sionistas), que se dão sistematicamente informações de actos de agressão
anti-semita tentando relativizá-los ou desacreditar as vítimas, que se propalam
impunemente todos os boatos anti-semitas, que se chega a dizer que Eichmann era
muito amigo dos judeus e que o próprio Hitler era judeu. Talvez não chegue
dizer que todos os recursos que ele utiliza vão aparecer repetidos mais para a
frente em páginas que vamos descobrir que pertencem, em última instância, ao Ku
Klux Klan. Sendo uma página árabe e pró-palestiniana, para muitos tem vénia
para o fazer.
A prova definitiva se calhar terá de ser como assumem
literalmente as suas palavras e o seu ponto de vista algumas outras publicações
de carácter inequivocamente fascista.
Segunda etapa
O texto, por exemplo, é reproduzido literalmente (segunda
etapa da viagem) no site "Égalité & Réconciliation"
("Igualdade e Reconciliação")
Com esse nome pode parecer uma associação benéfica quase.
Trata-se, porém, da denominação de um movimento que pretende reunir o melhor da
esquerda e da direita ("A esquerda do trabalho e a Direita dos
valores", segundo reza o seu slogan). Bom, na verdade o site é mais a
página pessoal do seu fundador, Alain Soral, uma personagem
"singular" da política francesa que já militou no Partido Comunista
Francês e no Front National de Le Pen (onde chegaria a ser cabeça de lista nas
eleições europeias) antes de tentar esta síntese.
Coisa que não deve estranhar,
porque a profunda "filosofia política" de Soral parte da convicção de
que há uma conspiração capitalista-maçónico-buguesa-protestante-sionista-americana
para feminizar a sociedade, e ela precisa de ser masculinizada. Precisa de uma
direita e uma esquerda viris e bem musculadas. Na faixa superior da página
aparece de facto um friso de grandes "machos" anti-americanos,
anti-sionistas e anti-etc.: Fidel Castro, Gadafi, Chávez e Ahmadinejad, entre
outros.
Também não deve estranhar que
este site ultra (segundo ele, ao mesmo tempo ultra-esquerdista e
ultra-direitista) assuma directamente o ponto de vista de um meio árabe.
Durante a sua estada no Front National, Alain Soral teve o empenho de tentar
atrair os jovens radicais árabes da Banlieue (fonte inesgotável de
testosterona), numa tentativa de compatibilizar o islamismo radical e o
ultra-nacionalismo fascista do partido. Empenho meritório, porquanto o partido
de Le Pen se caracteriza precisamente pela sua xenofobia anti-árabe, mas enfim,
a esquizofrenia ideológica é uma das características, como dissemos, de todos
estes grupos.
Assim, um texto que, sendo
escrito por um árabe pro-palestiniano teria sido considerado sem mais
"progressista" por muitos, acontece que calha às mil maravilhas nos
moldes de um site de ultra-direita como o de Alain Soral, que reproduz sem mais
o texto de "Mounadil al Djazaïri", limitando-se a acrescentar
simplesmente, no título, um pequeno texto em que saúda a notícia do boicote:
"Uma nota de esperança. A comunidade autónoma da Galiza diz não ao lobby
sionista".
Terceira etapa
E daí saltamos (na terceira
etapa da viagem) directamente para as estepes de Ásia Central. Porque a
"nota de esperança" de Soral aparece, por sua vez, reproduzida
literalmente nesta outra página escrita também em francês, mas que ecoa
aplausos mais longínquos:
Trata-se de blog com um título de referências bastante claras
"Eurempire" (Euro-império).
Este site está presidido por uma águia bicéfala, símbolo do
Império Czarista, adoptada também pelo Império Prussiano criado por Bismarck,
tomada por sua vez do escudo de armas do Sacro Império Romano-Germânico,
inspiração também do escudo dos Áustrias nos não menos imperiais tempos de
Carlos V e Filipe I de Espanha, e que vem, em última instância, do símbolo do
Império Romano (na altura do "Império Dual", daí as duas cabeças) que
continuou durante muitos séculos a ser o do Império Bizantino. Não estranha
portanto que o lema da página seja "Refundar Europa como Império".
Na verdade é que, se não fosse
por tão imperiais referências, voltaríamos a ter dúvidas de se se trata de uma
página de extrema esquerda ou de extrema direita, tanto se parecem as retóricas
anti-israelitas e o mundo de referências míticas de uma e de outra. Por
exemplo, um dos artigos que aparecem na coluna à direita, "Como foi
Inventado o Povo Judeu", reproduz argumentos pseudo-históricos e
anti-semitas, que se podem encontrar repetidos literalmente na boca de
"alter-mundistas com pedigree" como Michel Collon, cujo veneno
anti-semita é considerado dogma de fé histórico por todos os progressistas bem
intencionados e pior informados.
Além das constantes referências
a Russia Today e outros meios oficiais russos como únicas fontes confiáveis de
informação, uma pista pode fornecer-no-la o nome do autor, Friedrich von
Dietersdorf, que procurando noutras páginas,
descobrimos que se trata na verdade de um alter-ego de Alexander Dugin, nem
mais nem menos que o ideólogo privado de Putin. Não por acaso o velho escudo
imperial com que Dugin-Dietersdorf, águia de duas cabeças, pretende
identificar-se, foi adoptado como o da Federação Russa depois da crise
institucional de 93 que inaugurou um regime presidencialista de corte
neo-imperialista. Afinal esta pesquisa na política doméstica revela algumas
coisas importantes da internacional.
Dugin é um delirante líder carismático, preconizador da ideia
da Eurásia, império que abrangeria o conjunto de Europa e Ásia e cujo epicentro
seria "logicamente" a Rússia. Um ultra-nacionalista russo, que
mistura ideias místicas e esotéricas com um ideal de supremacia russa. Podíamos
dizer que é "O Rasputin de Putin", e ele mesmo cultiva um certo parecido
com aquele monge lunático, ainda que só consiga parecer-se mais com Carlos
Taibo. Do parecido físico Carlos Taibo não tem culpa, também podia ter-se
parecido comigo. Mas os parecidos ideológicos deveriam começar a preocupar.
Dugin é filo-islamista, amigo dos aiatolás do Irão e
habitual conferencista naquele país. Fala contra a globalização com toda
a indignação de um indignado. Admira Hugo Chávez e odeia tudo quanto cheira a
EUA e a Israel. Um perfeito esquerdista.... se não fosse que é um
ultra-direitista.
As frechas amarelas
atravessadas que aparecem atrás dele, numa foto tirada de The Green Star é um site de propaganda de "New Resistence" a quinta coluna americana
de Dugin, são o símbolo da Eurásia, o império destinado a salvar a humanidade
do imperialismo americano e sionista.
Se somarmos o símbolo da águia com o das frechas amarelas
atravessadas, obtemos nem mais nem menos que o brasão da Prússia como
província do III Reich, directamente inspirado no do Império, só que a águia
tem perdido uma cabeça (para Hitler mesmo uma só resultava excessiva, quanto
duas!) e em lugar da cruz, assegura na garra esquerda uma feixe de setas, que a
todos nos lembrará, e com razão, o símbolo da Falange Espanhola, e que também
foi utilizado pelo Partido da Cruz-Flechada, que
sustinha, na Hungria da II Guerra Mundial, o governo fantoche da Alemanha nazi
que controlava então o país.
Não é uma caprichosa associação
de imagens cuja semelhança pudera ter-se devido ao mero acaso. Estando
proibidos os símbolos nazis na maior parte dos países civilizados, os grupos
ultras, para conseguirem ser facilmente identificados, têm que acudir à
simbologia menor, derivada, indirecta, associada ou próxima do nazismo. Às
vezes à mera concomitância gráfica: desenhos lineares, ângulos marcados,
padrões repetitivos, fortes contrastes cromáticos, fundos escuros com o intuito
de uma certa sobriedade tétrica, etc. Se possível aproveitando algum motivo
local associado, para disfarçar, como víamos no caso de Aurora Dourada. Há uma
"estética" nazi, que se utiliza como código "difuso" para
se dizer quem se é, sem ser um quem o diga.
Todos esses procedimentos
aparecem utilizados no símbolo de Dugin. Existe de facto um rascunho de 1920,
da mão do próprio Hitler, em que aparece, entre os vários símbolos que andava a
considerar para o seu movimento, um muito parecido com o do euro-asiático.
Todos esses desenhos giram à
volta de uma pretensa simbologia solar de raiz "indo-europeia" (o
mito nazi da unidade racial "indo-europeia" está na base da ideia da
"Eurásia") que não pode resultar alheia ao mundo ideológico de Dugin,
que compartilha também com Hitler, além da psicopatia, as suas crendices
esotéricas (são duas coisas que costumam ir unidas).
A coincidência gráfica
patenteia, portanto, umas coincidências muito mais profundas. Alexander Dugin é
um reconhecido anti-semita e neofascista,
fundador do "Partido Nacional Bolchevique", tradução russa do
"Partido Nacional Socialista" alemão, embora ele ao mesmo tempo diga
odiar os nazis. Coisa que acontece precisamente porque ele gostava de o ser mas não pode por causa do seu
patriotismo russo que o impede de perdoar que os alemães tivessem invadido o
seu país. Podemos dizer que é justamente o contrário do que se deve ser. É ao
mesmo tempo pró-nazi e anti-alemão. Mas tudo isso é perfeitamente lógico dentro
da lógica esquizofrénica que caracteriza estas ideologias. E quando falo em "lógica
esquizofrénica destas ideologias", outra vez não sei se estou a pensar realmente nas de
ultra-direita ou nas de ultra-esquerda.
Com o aplauso de Dugin, os ecos do boicote de Beiras e o BNG
ao Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, chegam já portanto
até à Vladivostoque.
*Texto publicado originalmente na web da associaçom AGAI.
*Texto publicado originalmente na web da associaçom AGAI.
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