Esta postagem (a segunda) faz parte do dossier intitulado "O ódio é um espelho" sobre as simpatias do nazismo internacional com Beiras e BNG por terem-se negado a condenar o Holocausto*
João Guisan Seixas, escritor
Aos poucos dias recebi na minha
conta um mail em que se informava do escândalo que a atitude de Beiras e BNG
tinha provocado em meios de diferentes comunidades judias do mundo. Como as
ligações das páginas que me mandavam, não sei por quê, não funcionavam, resolvi
procurá-las a colocar aquelas referências na barra de procura do Google e
dar-lhe a "enter".
Ao abrir-se a página dos
resultados apareciam, com efeito, aquelas webs de comunidades judias, e também
algumas de "informação neutra" que se faziam eco das suas reacções,
mas entremeadas, apareciam outras páginas que não eram nem judias nem neutras,
mas todo o contrário, e que também se faziam eco (um eco agressivamente
zombeteiro) das outras. Páginas que celebravam o que as outras lamentavam.
Surpreendeu-me vislumbrar pelo rabo do olhos, enquanto ia varrendo as
diferentes ocorrências, palavras como "White Pride" ("Orgulho
Branco") ou "News for white europeans" e símbolos reconhecíveis
do racismo, do ódio, do nazismo.
Aprimorei então a minha busca
com os termos que apareciam mais frequentemente nelas "Galicia party
dismisses Holocaust remembrance" ("partido da Galiza repudia
recordação do Holocausto") e aí é que então começaram a aparecer elas!
Páginas fascistas, neonazis, nazis clássicas, racistas. Coisas que eu pensei
que não poderiam, que não deveriam, existir na Internet, e que alguma
autoridade responsável deveria banir para sempre.
Se essa autoridade existisse,
curiosamente essas cinco palavras seriam, no dia de hoje, o melhor recurso para
localizar esse género de páginas. E resulta uma vergonha pública para os
partidos a que se referem essas cinco
palavras, que a expressão que os denomina, "Galicia Party dismisses
Holocaust remembrance", possa ser o melhor instrumento para localizar
páginas neonazis e racistas em dia nenhum.
A primeira que me tinha chamado
à atenção, já na busca inicial, intitulava-se Unity of Nobility, e
é um site de informação "alternativa" "deskosherizada"
(="desjudeizada") para "europeus brancos", subtitulada
"Unidos pelo sangue", com uma foto de dois soldados nazis a susterem
gatinhos no colo e uma outra, ao lado, de duas crianças loiras vestidas de
anjos com a legenda: "Diz não ao genocídio branco". É um grupo
supremacista branco baseado, ao que parece, no Reino Unido, mas de vocação
"europeia".
O mais triste da presença de
Beiras e BNG nesta página é que sei que o único que os vai desgostar é uma
parte do título que abre a notícia: "Partido espanhol, diante da
Comemoração do Holohoax: Fora com a propaganda israelita!" ("Holohoax" é um ridículo jogo de palavras, muito
estendido em meios negacionistas de língua inglesa, entre "Holocaust"
e "hoax" = boato, mentira, invenção)
Abre assim a sua resenha da façanha de Beiras e BNG: "Os
judeus espanhóis acusam os políticos da Galiza por terem impedido uma resolução
de comemoração do Holohoax como tantas que fazem todos os idiotas do
mundo", e a seguir reproduz, com desqualificações para a AGAI (Associação
Galega de Amizade com Israel) e FCJE (Federação de Comunidade Judias de
Espanha) basicamente as informações tiradas das fontes judias antes aludidas.
O que mais nos interessa são os comentários.
"Silvia" confirma em espanhol: "La actual izquierda es en verdad
fascista". O que, no contexto dessa página, só pode interpretar-se como
elogio. Ainda que "Tyr" (administrador do site, que escreve o nome no
avatar com caracteres rúnicos) retorque, em inglês: "O fascismo não é um
movimento de esquerdas, é um movimento do povo. Nunca quem está ao lado dele a
combater a propaganda do Holocausto pode ser considerado um movimento de
esquerdas, igual que não pode ser um movimento judeu". Então já ficamos
esclarecidos: BNG e AGE são tão de esquerdas como judeus.
Porque eu tive, contudo, uma curiosidade malsã e fui em
seguida à página de início para ver o lugar que ocupava a informação, e, com
efeito, estava no "quadro de honra", dois lugares abaixo das declarações de um representante
municipal de um partido neonazi sueco, que afirmava que os judeus controlam a
Casa Branca e um lugar abaixo de um sisudo artigo de William Pierce fundador do
partido racista e neonazi americano "National Alliance" que, numa
"lógica esquizofrénica" muito frequente também na "esquerda
anti-semita", acusava os judeus de serem os culpáveis inclusive do ódio
aos judeus:
Abaixo de um neonazi sueco e
abaixo de um racista americano. Ah, se Dante tivesse querido inventar um
inferno para a nossa esquerda anti-semita, não podia ter imaginado um mais
apropriado! Porque, com efeito, não podiam ter caído mais baixo.
Eles dirão e repetirão que são
anti-sionistas, não anti-semitas, mas a realidade teimosa vai responder-lhes
que, de facto, os anti-semitas, além de lhes dar os parabéns, tratam,
informativamente essa notícia como mais uma expressão de anti-semitismo.
A
notícia da negativa de Beiras e BNG a expressarem o seu apoio às vítimas do
Holocausto situa-se ao lado de notícias que falam de judeus (ou antes
"contra judeus"), de manifestações anti-semitas, não de nada que tenha a ver com Israel.
Outra página, bastante relacionada com a anterior, que não podia deixar de congratular-se portanto com a atitude de Beiras e o BNG é Storm Front ("Frente de Tormenta"), um forum racista criado por um conhecido dirigente do Ku Klux Klan, justamente castigado pela vida a ter que levar o nome de Don Black. Tem vários thread abertos com o tema. No banner da ligação de um deles não se oculta o entusiasmo que desperta a actuação dos nossos curiosos "progressistas": "Partido espanhol repudia recordação do Holocausto como Propaganda Israelita. Cada pequeno golpe aos 'Chosenites' é um raio de luz no horizonte" ("Chosenite" é um termo insultante utilizado nos meios anti-semitas para se referirem aos judeus, tirado de "Chosen"= escolhido. É como dizer: "esse lixo que se considera o povo escolhido". O de "povo escolhido", como qualquer pessoa com um mínimo de informação deveria saber, tem um sentido religioso e não de nenhuma classe de supremacia racial: eles consideram-se o povo escolhido por deus para lhe revelar a doutrina do monoteísmo).
No logo aparece, à volta de um conhecido símbolo do fascismo internacional, um slogan comum a muitos movimentos racistas: "White Pride World Wide", "Orgulho Branco em Todo o Mundo". Não sei se isto encherá de orgulho (branco) os nossos cruzados anti-israelitas, mas de certeza tornaram-se já célebres em todo o mundo... racista.
Já no seu interior deparamo-nos com uma surpresa: um "branco da casa", um "sudista do noroeste". Um racista galego diz em inglês, provavelmente com sotaque do Alabama: "Eu sou desta região autónoma de Espanha, a Galiza. O partido mencionado neste thread é um partido de extrema-esquerda que quer para esta região a independência de Espanha. Nós temos, com efeito, algumas coisas em comum com eles".
Noutro dos thread abertos "Geboren Weiss" ("Nascido Branco" em alemão), diante da notícia, grita tipograficamente: "Guau, que grande é isto!". Mas o mais curioso são as imagens postadas para ilustrarem as reacções destes internautas orgulhosamente pálidos. Há muitas do famoso encontro de Franco com Hitler em Hendaia, que devem querer significar que a notícia demonstra uma relação igual de estreita entre os espanhóis e os ideais da Alemanha nazi.
Eu acho, porém, uma outra cujo "nick" escolhido pelo autor do post baseia-se no nome de Revilo Pendleton Oliver, um outro supremacista branco americano colaborador do antes mencionado Willian Pierce na fundação de "National Alliance".
O documento que aparece reproduzido no ângulo inferior esquerdo é o tão conhecido "parte da vitória": "Cautivo y desarmado el ejército rojo...". O quadro representa Franco vitorioso, e a mensagem é clara: o facto de estes grupos terem impedido lembrar as vítimas do Holocausto é mais uma vitória (uma vitória póstuma, como as do Cid) de Franco.
Noutras páginas do mesmo foro (clique aqui para visualizar e aqui) fica ainda mais clara esta relação: "Gladiatrix" celebra a notícia: "Os espanhóis estão a acordar do 'hollow hoax' (variação de "holohoax" que acrescenta "hollow"= "oco")
Ao que "American NS" (= "National Socialist", supõe-se) acrescenta: "Certamente não é só que Franco tivesse deixado um valioso ponto de referência, parece também que os espanhóis continuam conscientes dos seus direitos diante das mentiras e honram o legado dele"
"Ukaway" ("Fora o Reino unido"), então, emociona-se: "Está a crescer uma enorme vaga que vai limpar da peste judia os nossos países"
"Deathknight303" ("Cavaleiro da Morte"303) soma-se ao entusiasmo: "Isso! E quando os tempos forem chegados, vai correr pelas ruas o sangue dos porcos judeus, como deve ser"
E realmente, na sua burrice, estes racistas estão a fazer, sem o saberem, uma análise certíssima. Estão a estabelecer uma linha de continuidade (mais que ideológica cultural ou quase étnica) entre o anti-semitismo orgulhoso do nacional-catolicismo espanhol e o anti-semitismo vergonhoso da nossa esquerda esquizofrénica, que demonstra arrastar, no seu radicalismo infantil, os mesmos preconceitos rançosos dos avós e da mais escura tradição "espanhola". Uma esquerda nacionalista galega sumamente "cañí"(quer dizer "racialmente espanhola").
A adesão ao veto de Beiras e o BNG à memória do Holocausto chega também, sem ir mais longe (e já é bastante) até à Grécia.
Na página Paspartou aparece a seguinte epígrafe: "Uma coisa que nos anima. Espanha mostra-nos o caminho certo. Basta das mentiras deles" (dos judeus, entende-se).
Claro que só com estes dados, e com os meus conhecimentos de grego clássico e moderno (a tradução acima foi feita com a ajuda de um tradutor automático, incapaz de traduzir a imagem do logo), dificilmente nos podemos aventurar a dizer se se trata de uma página de ultra-esquerda ou de ultra-direita.
Isto já é sintomático, e deveria mover à reflexão. Sobretudo quando, depois de uma pequena pesquisa, acabamos por descobrir que quem se sente animado e estimulado pelo exemplo de Beiras e BNG é nem mais nem menos que o partido Aurora Dourada (ΧΡΥΣΗ ΑΥΓΗ, pronunciado Chryssí Avguí), o partido neonazi grego, infelizmente muito popular nos últimos tempos a raiz da sua preocupante ascensão nas últimas eleições do páis heleno (e por falar em "heleno", não faz falta saber grego, só conseguir ler o alfabeto, para deduzir do logótipo que o lema deles é "A Grécia para os gregos")
A ideologia de Aurora Doura talvez acaba por ficar completamente clara quando voltamos a encontrar o mesmo nome associado, não à bandeira grega, mas ao emblema do próprio partido, baseado, como se pode comprovar, num motivo decorativo tipicamente heleno, utilizado aqui pelas evocações com um outro símbolo, infelizmente muito conhecido.
*Texto publicado originalmente na web da associaçom AGAI.
*Texto publicado originalmente na web da associaçom AGAI.
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