quinta-feira, 25 de abril de 2013

O PÉRIPLO AMERICANO DA POSTURA ANTI-HOLOCAUSTO DE BEIRAS E BNG


Esta postagem (a quarta) faz parte do dossier intitulado "O ódio é um espelho" sobre as simpatias do nazismo internacional com Beiras e BNG por terem-se negado a condenar o Holocausto*


João Guisan Seixas, escritor

E para acabarmos de dar a volta ao mundo (... do racismo, o nazismo e a ultra-direita), vamos voltar a América. Porque uma das páginas que, por causa dessa esquizofrenia ideológica das extremas direita e esquerda, mais me esquentou a cabeça na hora de determinar o seu extremismo, foi esta.

Experimentem, se tiverem estômago. Pode-se percorrer de cima para baixo e de baixo para cima e registar todas as ideias, crenças e pretensas informações que contém, sem se saber se se trata de uma página de ultra-direita ou de ulta-esquerda. É uma página que se apresenta simplesmente como "anti-sionista" (daí o título: "This Is Zionism"), e todos os seus argumentos e mistificações podiam fazer parte de qualquer página alter-mundista feita por pessoas que se consideram o cúmulo do progressismo.

Sem ir mais longe, ilustram a informação em que celebram a negativa de Beiras e BNG a lamentar a morte de milhões de pessoas nos campos de extermínio nazi, com um desenho que reproduz ponto por ponto o mesmo "raciocínio" (ou antes o "irraciocínio") com que os responsáveis de ambos os grupos parlamentares galegos pretenderam justificar a sua decisão.

O desenho representa um "pioneiro" israelita, já entrado em anos, e caracterizado com todos os traços que o anti-semitismo atribui aos judeus. Repare-se especialmente no nariz desenhado com forma de 6 (neste caso de 6 virado por causa da direcção da marcha). Compare-se os desenhos "pedagógicos" tirados de um livro escolar alemão da época nazi, em que um aluno mostra aos colegas a maneira de identificar um judeu.



O texto que acompanha a ilustração diz: "O nariz judeu é curvado na ponta. Parece um seis"

Ora, o texto do cartaz que exibe no desenho anterior o perverso israelita que respira por um 6, diz: "Mais ajuda para Israel. O meu avô morreu em Dachau. O mundo deve-me dinheiro. E já por último, comemora o Holocausto".

É exactamente o argumento utilizado por Beiras e o BNG para se negarem a lamentar nem por um segundo de legislatura o assassínio de 6 milhões de "seises" por isso constituir um claro acto de propaganda em favor de Israel! Há uma caricatura com todos os traços do anti-semitismo que reproduz todos os argumentos de Beiras e BNG. Isto deveria provocar-lhes um nojo profundo, se o juízo moral dos seus cérebros controlasse as suas vísceras, e não acontecesse exactamente o contrário. 

Não poderíamos, contudo, apenas pelo detalhe do nariz, acabar por inclinar pelo lado da direita a balança em que pesamos esse site, e com ele esse texto, e com ele esse argumento.

Todo o site está cheio de desenhos de igual laia, mas, contudo, sempre são dirigidos contra os "sionistas", nunca directamente contra os judeus. Simplesmente todos os preconceitos que há sessenta anos os anti-semitas reconhecidos aplicavam aos judeus, estes anti-sionistas actuais aplicam-nos aos "sionistas". Quando se nega o holocausto nega-se exclusivamente, igual que Beiras e BNG, em função apenas de não ser senão propaganda sionista. Falar no lobby judeu e na conspiração dos judeus para controlar o mundo das finanças, da política e dos meios de comunicação, também não é já património Goebbels nem dos Protocolos dos Sábios de Sião. É uma coisa que todo o "progre" pró-palestiniano dá por demonstrada. A única diferença é que agora, quem faz isso são os "judeus maus": os sionistas. Coloca-se, porém, (nesta página, como nas da esquerda radical) o contra-exemplo dos "judeus bons": os judeus anti-sionistas, os judeus mesmo negacionistas (o texto do cartaz podia ter sido assinado também por Norman Finkelstein, cuja obra deve estar na base da argumentação de Beiras e o BNG), os judeus que mesmo negam a existência do povo judeu, os judeus anti-semitas. 

A aplicação sistemática da "lógica esquizofrénica" de que falávamos antes, faz com que resulte impossível resolver a dúvida. Este site insiste fervorosamente em rejeitar qualquer acusação previsível de anti-semitismo e insiste na legitimidade do seu anti-sionismo, que sempre adopta um tom "humanitário". Um ódio com tom humanitário. A lógica esquizofrénica permite estas e muitas mais coisas. Permite, por exemplo, negar por momentos o Holocausto, para, a seguir, culpar os judeus pelo Holocausto. Insinua-se, de uma parte, que os nazis não eram assim tão maus ao tempo que, da outra, se afirma que os "sionistas" são nazis de hoje em dia porque são muito maus. Chega a culpar os próprios judeus pelo nazismo histórico até, insistindo-se em demonstrar que todos os grandes chefes nazis, Hitler à cabeça, eram judeus!

Ora, meus senhores, todos estes são argumentos que utilizam, e dados que consideram provados, muitos pretensos progressistas em todos os foros de debate pró-palestinianos. O único truque para passar de um lado a outro "do espelho" é, onde a propaganda nazi colocava a palavra "judeu", colocar agora "israelita" ou "sionista".

Embora nos possa causar escândalo que isto não cause escândalo à mentes bem-pensantes, os mesmos procedimentos utilizados nesta página são aqueles que se utilizam nos meios auto-considerados progressitas dos nossos dias. Por não sairmos do mundo da caricatura, é o procedimento que aplica regularmente o humorista espanhol Forges a todos as suas charges que têm Israel como alvo.  Não que ele desenhe israelitas com nariz em forma de 6 (curiosamente evita pôr-lhes rosto), mas ele retrata, na mesma, os israelitas com traços muito mais graves do anti-semitismo: a crueldade caprichosa, a dominação do mundo, utilizando sempre um recurso gráfico e simbólico, desta vez sim, tomado directamente do "humor gráfico" anti-semita: o de relacionar sempre iconograficamente os judeus com o sangue. Os desenhos dele no El País sempre aparecem a preto e branco, mas nesta charge publicada por ocasião dos incidentes da primeira "flotilha a Gaza" organizada pelos islamistas turcos, utilizou excepcionalmente a cor (vermelha, claro).

Ele ficou de certeza muito satisfeito julgando-se o mais sensível e humanitário desenhador do mundo, mas estava a ecoar, de forma consciente ou inconsciente, um preconceito multissecular. A frase ignominiosa parece uma reflexão, mas é na verdade uma reflexo. Um reflexo automático do fundo cultural espanhol mais escuro e mais anti-semita. A obsessão por relacionar os judeus com o sangue pode-se ver também nos sites que temos visitado, e representada com imagens que me nego a reproduzir. Trata-se afinal de uma recriação do famoso "libelo do sangue" da Idade Média, ainda de curso corrente no mundo árabe (sem ir mais longe eis o título de um "sisudo" artigo aparecido estes dias no jornal jordano Al-Arab A-Yawn: "É Obama, que costuma celebrar a Páscoa Judia, ciente do uso de sangue de cristão nesta celebração?"

Compare-se o desenho de Forges com este tirado do blog "Relámpago Informativo", (o seu nome parece uma tradução castelhana de "Storm Front") ligado ao grupo neonazi argentino Bastión Nacional Revolucionario), grupo que, já agora, utiliza um emblema que nos lembra um outro que já encontrámos, embora apareça agora transplantado das estepes para as pampas.

A ligação directa desta classe de representações com o "libelo de sangue" aparece, porém, de forma mais directa neste outro desenho com a legenda "Israel bebe sangue", utilizado na propaganda da Marcha Global a Jerusalém organizada por grupos "progressistas" pró-palestinianos do mundo ocidental e grupos integristas do mundo islâmico:

E finalmente esta é uma das tantas representações medievais da, na altura, "absolutamente provada" (tanto como o genocídio do povo palestiniano hoje em dia) prática judia de verter o sangue de uma criança cristã para utilizar nos ritos da Páscoa.

Como se vê, há uma continuidade discursiva em todos esses desenhos. Uma mesma mensagem e um mesmo motivo central: os judeus vistos como seres "sedentos de sangue". Claro que nos desenhos actuais, nunca se diz "os judeus", diz-se Israel (ou supõe-se "Israel" no desenho de Forges) ou "os sionistas". Ora, atribuir a Israel ou aos sionistas uma inata sede maléfica de sangue, parece-me que só pode fazer-se em função do velho preconceito da maléfica sede de sangue inata dos judeus.

O recurso à imagem de crianças daria para um outro dossier tão amplo como este, que teria que abranger também o anti-semitismo medieval, o nazismo e a propaganda pró-palestiniana, ou melhor dito anti-israelita. O que interesse é salientar agora a continuidade nos argumentos ideológicos e nos recursos retóricos (quer verbais, quer gráficos ou simbólicos) entre essas três expressões do ódio anti-judeu.

Desta digressão pelo grafismo anti-semita, tiramos apenas uma conclusão: Resulta impossível saber, quando se trata de sionismo ou de Israel, se uma caricatura foi feita por uma pessoas daquelas que querem parecer as mais progressistas do mundo ou daquelas que querem ser as mais reaccionárias do mundo. O desenho que acompanha a celebração do repúdio de Beiras e BNG a render tributo à vítimas do Holocausto, por muitos traços anti-semitas que apresente, não serve para descartar completamente a hipótese de que o site "This is Zionism" seja obra de pessoas que se auto-proclamam progressistas.

Afinal, para podermos acabar de inclinar a balança no sentido de atribuir o site ao racismo mais nojento e não a algum ingénuo movimento eco-pacifista, temos que acudir necessariamente a uma informação externa. Vejamos o post que segue àquele que celebra o boicote de Beiras e BNG. É um vídeo de um activista de barba branca e olhar iluminado que acusa o Estado de Israel de ser um Estado racista, supremacista e mesmo "anti-semita". Um vídeo que acusa o Estado de Israel de nazi. Mas não, não é Xosé Manuel Beiras (embora eu tenha visto um vídeo de ele a dizer coisas muito parecidas há alguns anos na TVG). 

Trata-se de um tal David Dukee pela maneira de falar dele também não podemos resolver a questão. Antes parece incliná-la "do lado esquerdo". O "dado externo" vem agora. Averiguemos, então, quem é David Duke. Será um activista americano dos direitos humanos? Não senhor, David Duke resulta ser um conhecido dirigente do Ku Klux Klan (só colocar "conhecido" ao lado de "dirigente do Ku Klux Klan" já causa arrepios) que chegou a candidatar-se para a presidência dos Estados Unidos (isto causa ainda mais), ainda que fosse com a bandeira da Confederação, e não a da União, de fundo.

Na verdade este personagem já tinha aparecido no nosso drama (que deve ser o drama de termos a esquerda mais anti-semita da Europa). Porque voltando a uma das primeiras citações, no foro de Storm Front, abaixo dos parabéns a Beiras e a BNG por dizerem num parlamento o que eles têm que conformar-se com propalar pelos esgotos mais ocultos da Internet, aparecia já este anúncio:



"Ouve o Dr. David Duke. Um homem que ousa dizer a verdade!". É o anúncio da rádio de David Duke. Resulta realmente triste pensar que uma informação relativa a uma votação no Parlamento Galego possa ser sponsorizada pela rádio de um racista do Ku Klux Klan! Mas resulta muito mais triste pensar que o nexo de união entre duas páginas racistas americanas resulta ser tanto o de contar com a presença de David Duke como o de celebrar uma notícia protagonizada por Beiras e o BNG....


E não é a única aderência de Duke que leva a notícia da oposição de Beiras e BNG a honrar a memória das vítimas do Holocausto.  O racista americano tem relação com outras pessoas que, como víamos atrás, também celebraram a ignomínia dos nossos deputados. Assim, o jornal vienense "Die Presse", a denunciar a presença de Duke na Áustria, em 2009, entre outros detalhes da sua biografia, nos ilustra:
"Duke mantém bons contactos com o negacionista espanhol Enrique Ravello e o anti-semita russo Alexander Dugin. Ambos encontraram-se perto de Moscovo. Ravello e Dugin foram convidados, no final de Janeiro, no Bruschenschaftenball no Palácio de Hofburg".

O "Bruschenschaftenball" é o baile anual de um tipo especial de associações ou "irmandades" de estudantes ("Bruschenschaften") de carácter patriótico, típicas da Alemanha e a Áustria, frequentemente infiltradas por elementos de extrema-direita. Nos últimos anos o Bruschenschaftenball tem sido palco de inúmeras manifestações de anti-semitismo. Especialmente nesse ano (2009) em que, além da presença de grandes vultos da extrema-direita internacional (como os acima citados), convidados por Heinze-Christian Strache, líder do FPO (o denominado Partido Liberal da Áustria, mas na verdade o partido neonazi austríaco) e a polémica pelo uso de uniformes parecidos aos da época do "Anschluss" (da anexação alemã durante o III Reich), causou indignação o facto de fazerem questão de que a celebração do baile coincidisse com o Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, 17 de Janeiro. Precisamente a mesma data em que o Parlamento Galego devia ter aprovado, neste ano, a Declaração Institucional que a oposição de Beiras e BNG impediu.

Fecha-se assim um círculo perfeito de afrentas à memória das vítimas do Holocausto. Dentro desse círculo tece-se a maranha da ultra-direita, o nazismo, o racismo internacional.
A seguir a pista das adesões internacionais à postura anti-anti-Holocausto de Beiras e BNG, acabámos de fazer, curiosamente, uma radiografia das principais linhas do nazismo e racismo internacional. Ou antes uma ecografia ou uma tomografia com contraste, porque é o eco dos aplausos à postura deles que nos devolve a imagem do nazismo internacional, e é o rasto que vai deixando essa notícia (a valoração positiva dessa notícia) que vai actuando como um contraste que desenha as linhas que relacionam a teia de aranha dessa maranha de ódio. 

*Texto publicado originalmente na web da associaçom AGAI.

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