O
potencial económico dos Judeus (dalguns Judeus) tornava-os em alvo da pilhagem
nobiliária; induvitavelmente, um virtual ambiente antissemita -nem sempre
explicitado nas fontes- favorecia a impunidade dos agressores.
Existem
dous precedentes na província [distrito] de Ourense.
No
século XI, entre as terras de Alhariz e Cela Nova e a cidade de Ourense, tinha
os seus domínios um nobre, Mendo González, que protegia uns comerciantes em
tecidos -“hebreus”, segundo os documentos-, que são atacados e roubados por um outro
nobre, Árias Oduáriz, que em represália é preso por Mendo, quem consegue a
restituiçom do roubado, depois dumha série de peripécias que duram anos e supõem
o trespasso do senhorio de certas vilas do agressor Árias para o nobre Mendo,
para quem traballavam os Judeus na altura do ataque. (1)
No
século XIV, quando as tropas do duque de Lencastre tomam Ribadávia (1386), o
cronista Froissart, testemunha presencial, relata o seguinte: “Ainsi fut la
ville de Ribadave gaignée à force, et eurent ceulx qui y entrèrent, grant butin
d’or de d’argent ès maisons des Juifs par espécial” (2). De novo a referência à
condiçom étnico-religiosa das vítimas aparece ligada à riqueza, alvo do saque
nobiliário. Quer-se dizer que, como no caso anterior, o antissemitismo é, muito
provavelmente, causa coadjuvante da agressom.
Chegamos,
destarte, ao asalto de 1442 à sinagoga de Ourense por parte dos homens
do cabaleiro Pedro Díaz de Cadórniga. Para além do roubo de dinheiro (50 mrs.
velhos), destaca o agravo como meta principal dos atacantes: destruiçom da
sinagoga e roubo das árvores (candelabros de sete braços), vexames de clara
significaçom religiosa. Naturalmente o concelho reage em defesa dos Judeus, honrando a tradiçom local de tolerância, e denuncia o cabaleiro Cadórniga, a 15 de
abril de 1442, quem se compromete a “castigar seus omees” polos agravos feitos
“aos judíos da dita çidade et da sinagoga que avya destroyda” (3).
Estes
danos causados aos Judeus da vila encabeçam um desses memoriais antisenhoriais de
agravos que costumavam redigir no final da Idade Media os vizinhos de Ourense.
Destacar os Judeus como vítimas é prova dumha secular política de integraçom e
do igualitarismo da contestaçom antisenhorial (4), a qual também provoca, em
ocasiões, umha divisom de opiniões entre os vizinhos mais influentes que nom marginaliza
os Judeus, duvidosos também quando se tratava do confronto com os poderosos,
mesmo nalgo que lhes tocaba tão de cerca como a agressom à sinagoga.
A 26 de junho
de 1442, em presença dalguns cônegos e da gente de Pedro Díaz de Cadórniga, quatro Judeus de Ourense declaram junto do notário do cabido para exculpar dito
cabaleiro do roubo na “sua casa de oraçon” a fim de que fosse absolvido da excomunhom,
situaçom na que ele se achava por causa da destruiçom da sinagoga, junto com vários
dos seus homens, “sen querela alguna de los ditos judios”. Isto é, para além da
queixa referida do concelho (15 de abril), houve umha outra de tipo
eclesiástico que concluiu com a excomunhom dos culpados e do mesmo Pedro Díaz,
contra a opiniom do bando dos Cadórnigas, ao que indubitavelmente pertenciam os
cônegos, familiares e, dalgum jeito, os Judeus que protagonizam esta ata
notarial de 26 de junho. No entanto, os Judeus exculpadores declaram que
“asalvo quedase que qual quer que tevese as arbores que lles foron tomadas da
dita casa de oraçon que os no absolvesen ffasta que lle fosen tornadas” (5). Procuravam,
em consequência, exonerar o chefe do bando nobiliar, mas sem ultrapassar o
limiar mental que assinalava a gravidade do delito religioso do roubo, e nom
devoluçom, das árvores dos Judeus. A dimensom religiosa do agravo estava acima
das parcialidades, resultava algo imperdoável no Ourense do século XV, mesmo
para os amigos do senhor.
A igreja-catedral de Ourense adotou umha postura filojudaica mesmo em questões religiosas |
Na hora
de conviver com os Judeus, a igreja-catedral de Ourense chega, logo, em 1442, muito
mais longe do que a igreja de Alhariz quando cede terra, en 1487, para o cemitério
judaico: adota umha atitude filojudaica mesmo em questões religiosas. Castiga um
atentado religioso contra a sinagoga como se fosse perpetrado contra a igreja
cristã, indo mesmo além do que o próprio concelho que, a 15 de abril, exime
pessoalmente Pedro Díaz, enquanto a igreja o excomunga, através do provisor
do bispo com o provável apoio da maioria do cabido. A desvalorizaçom da excomunhom
como umha censura eclesiástica que se vinha aplicando a todo tipo de delitos
que afetassem os interesses eclesiásticos, nom mingua a importância desta
defesa dos Judeus mediante umha pena canônica.
O duro
conflito civil entre os Cadórnigas e a igreja de Ourense (6), alimenta com
certeza o suporte eclesiástico às vítimas judias mas nom esclarece completamente
o uso concreto da excomunhom, que comporta a exclusom da igreja cristã, para
punir um delito cometido contra os membros doutra religiom. Na realidade é como
se se praticasse isso de que “se salvaba cada uno en su ley”.
Em
resumo, o mais parecido que houve na Galiza medieval com um motim antissemita, o
ataque à sinagoga de Ourense em 1442, tem mais de episódio de bandidismo senhorial
do que outra cousa. Nom se vê cá essa procura dumha válvula de escape para o
descontentamento popular que torna os Judeus em “bodes expiatórios” da
conflitividade social do final da Idade Média. O povo que representa ao concelho
está claramente do lado dos Judeus, solidariedade que se irá reforçar ainda
mais enquanto as tensões sociais se agudizarem nas vésperas da revoluçom de
1467.
Carlos Barros, historiador galego especialista em história medieval da Galiza, exerce como professor de História Medieval na Universidade de Santiago de Compostela
Traduçom livre para o galego-português da
versom galega atualizada de “El otro admitido. La tolerancia hacia los
judíos en la Edad Media gallega”, Xudeus e conversos na historia. I.
Mentalidades e cultura (Congresso de Ribadávia, outubro 1991), Carlos Barros
(ed.), Santiago, 1994, pp. 85-115; “O outro admitido”, ¡Viva El-Rei! Ensaios
medievais, Vigo, 1996, pp. 75-115.
1 Os documentos, datados nos anos 1044 e 1047, foram publicados por Fidel FITA, Boletín de la Real Academia de la Historia, tomo XXII, 1893, pp. 171-180.
2 Kervyn de LETTENHOVE (ed.), Oeuvres de Froissart. Chroniques, tomo XII (1386-1389), Bruxelles, 1981, p. 86.
3 Xesús FERRO COUSELO, op. cit., pp. 273-274.
4 Mais do mesmo, noutro memorial de 1442 sobre os Agravios que son feytos ao qoncello por Pedro Dias é seus omes, o concello inclúe entre as vítimas dous xudeus: Iten seu escudeiro Alvaro Gandio matou á noso vesiño Alonso judio (…) Item Gomes de Paazos quiso matar á noso vesyño Nuño Patiño judio, Benito F. ALONSO, Los judíos en Orense, Ourense, 1904, p. 17.
5 Documentos del Archivo de la Catedral de Orense, I, Ourense, 1923, pp. 424-425.
6 Houve conflitos do provisor e do cabido com García Díaz de Cadórniga em 1440 e 1441, publica Boletín de la Comisión de Monumentos de Orense, VI, pp. 230-270; Rui Díaz de Cadórniga é ajustiçado em 1450 por agravos ao bispo de Ourense, e o mesmo Pedro Díaz de Cadórniga morre en 1459 estando preso -e de novo excomungado- no cárcere da igreja catedral, ídem, pp. 162, 231-232, 272.
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