domingo, 29 de outubro de 2023

ISRAEL E NÓS

 Josep-Lluís Carod-Rovira

Com Israel passa-se, no mundo, algo semelhantemente com aquilo que, em Espanha, se passa com a Catalunha. É tudo ouvirmos ou vermos as palavras-isca (Israel, Judeus, Catalunha, Catalães) e no momento prende-se o lume da prevençom, da suspeita ou da criminalizaçom imediata. A sua simples mençom tem a virtude de provocar reações irracionais de rejeiçom, alerta ou culpabilizaçom, de pôr em guarda todo o mundo, quer sim, quer nom... Em ausência de Judeus na paisagem espanhola, os Catalães fizeram a funçom ("os Judeus de Espanha", disse Pio Baroja), convertendo-se em Judeus advindos, aos quais som aplicados todos os reproches, tópicos e preconcebidos do antissemitismo, salvo, por enquanto, ter matado a Cristo: gente cobiçosa, apenas interessada polo dinheiro...

Josep Lluis Carod-Rovira, independentista catalão amigo de Israel

Muitos medos e inseguranças da uniformidade identitária mais rança em relaçom ao outro, cara aquilo que é diferente, canalizaram-se, em Espanha, contra Judeus e Catalães, tornando-se amiúde umha só cousa. O mesmo Quevedo era quem de escrever, quase à vez, um libelo antijudeu e outro de anticatalão, talvez um com cada mão. Toda a rejeiçom do conservadorismo contrário ao progresso, à modernidade, às mudanças, teve também os mesmos destinatários: indústria, cultura, cidade, ciência, palabras-chave também do catalanismo, receberam por todo o lado.


Depois da barbárie da Shoah, do Holocausto, a esquerda europeia e os setores mais iluministas e liberais eram claramente pró-israelitas, seguramente pola carga de consciência e a vergonha de todo o que a Europa permitiu ao nazismo e também pola hegemonia socialista no movimento sionista da altura. Também, no fim da ditadura, a esquerda, e umha parte da sociedade espanhola na altura, tinham respeito e umha certa admiraçom pola Catalunha. Mas umha atitude e a outra há já tempo que mudaram de signo. Ontem e hoje, em Espanha, judeofobia e catalanofobia vão lado a lado. Além da herança judaica na nossa historia nacional, o catalanismo sempre se sentiu atraído pola história do povo judeu: a consciência e cumplicidade de grupo, a tenacidade para transmitir a identidade aos descendentes, em quaisquer local do mundo e em contextos muito difíceis e dramáticos, o fascínio pola construçom do próprio Estado nacional com gente chegada de toda a parte...


Nom admira, pois, que, em 1929, Rovira i Virgili se referisse ao "pútrido e fétido antissemitismo (que) ainda está vivo"; que, ao nascer "Edicións 62", em pleno franquismo, se o seu primeiro livro editado foi "Nós os valencianos", de Joan Fuster, o segundo título impresso foi "O Estado de Israel". Nem também nom que, em 1992, na comemoraçom do 500º aniversário da expulsom dos Judeus de Sefarad, o Parlament da Catalunya foi o único, dos dezanove existentes em todo o Estado, onde se apresentou, e foi aprovada por total unanimidade, umha resoluçom de condenaçom daquele feito, resoluçom que eu próprio tive a honra de redigir.


O antissemitismo de ontem, a judeofobia de hoje, têm, de facto, raízes religiosas, ontem instaladas no integrismo católico, hoje também no integrismo islâmico. Por isto surpreende, e apenas pode ser percebido como resultado da desinformaçom e a simplicidade com que certas atitudes são adotadas, que, para além da extrema direita, sejam, com efeito, certas esquerdas, as abandeiradas do anti-Israel. Nom ficamos em que a laicidade era um valor de civilizaçom? Como nom parece que certas posições se colocassem sob a advocaçom do Vaticano nem também nom da Meca, as razões devem ser procuradas noutro lugar: o factor palestiniano, como escusa por expressar, também, un anti-americanismo primário e visceral, num momento de desorientaçom ideológica.


Lamentavelmente, Espanha é o Estado mais antissemita da Europa, mas Barcelona já apareceu em duas ocasiões, em pouco tempo, no mesmo mapa. Sempre defendi e defendo o direito do povo palestiniano à construçom do seu próprio Estado nacional independente e que Israel deve retirar-se da Cisjordánia. Mas também defendi e defendo o direito à existência do Estado de Israel e o seu direito a se defender dos ataques terroristas. O Hamás, com quem agora se entrevistam alguns grupos políticos espanhóis, sem que ninguém o questione, como a cousa mais normal do mundo, apesar de estar considerado como organizaçom terrorista pola Uniom Europeia e os EUA, é, precisamente, um dos atrancos mais grandes para a criaçom do Estado palestiniano. Mas isto nom torna todos os palestinianos em terroristas. Como também nom que a máxima autoridade islâmica de Jerusalém aproveitasse a rádio berlinesa, na Alemanha de Hitler, para fazer chamados reiterados a matar os Judeus.


Nem todos os Judeus são maus, nem todos os Palestinianos são bons, e ao invés. Nem todos os cidadãos de Israel acham o mesmo do seu governo, nem todos os musçulmanos podem ser suspeitos de nada polo facto de terem essa religiom. Os problemas apenas serão resolvidos pola via política, nom polas armas e o terrorismo. A coexistência pacífica dos dous povos apenas chegará polo acordo e a negociaçom, nom polos atentados de suicidas ou polo derribo das casas destes. Por isto, certas atitudes e companhias nom benefician nada à soluçom do conflito e, menos aínda, ao dereito legítimo dos Palestinianos a ser Estado.


Nom deixa de ser suspeitoso, aliás, que os únicos muçulmanos objeto de simpatía política sejam, precisamente, aqueles que têm um conflito aberto em Israel. Onde estão as voces da esquerda europeia na Chechénia, perante Darfur, perante o Saara e, na altura, em Bósnia, muçulmanos todos eles? Ainda lembro aquele esotérico "bombardeiam Sérvia porque são de esquerdas", em boca dum político de "esquerdas". Nom faz sentido, pois, castigar e criminalizar todo um povo e um país, polo simples facto de ser o povo que é e o país que é. E, muito menos aínda, fazê-lo da Catalunya.

Josep-Lluís Carod-Rovira (1952) é um político catalão que foi Vicepresidente do Governo da Generalitat da Catalunha (1006-2010) e conselheiro-chefe entre 2003 e 2004. Foi deputado no Parlamento catalão por ERC entre 1988 e 2010, partido que presidiu entre 2004 e 2008.

Fonte: AVUI, 7 de setembro de 2009

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