terça-feira, 30 de abril de 2013

TESES E ANTÍTESES SOBRE O SIONISMO


Albert Memmi

Embora negligenciado, eu sempre teimei num dos elementos fulcrais do movimento sionista: a sua dimensom nacional. Apesar da sua importância, a dimensom nacional foi obscurecida polos primeiros sionistas. Colonos ou ideólogos, eles eram ardentes socialistas e consideravam-se internacionalistas e universalistas, sem  reparar em que um rigoroso internacionalismo nom era muito compatível com a existência de diferentes nações. Muitas vezes russos de origem, eles possuíam as mesmas convições do que os revolucionários do seu país natal, os quais sempre foram ambíguos relativamente à questom nacional, mesmo após o triunfo da revoluçom e os massacres de tantos povos ansiosos por se tornarem nações. Enfim, a existência dumha asa direita no movimento sionista, à cabeça da qual se achavam homens ativos, corajosos e nom desprovidos de valor intelectual, como V. Jabotinski, mas que misturavam o problema social, irritava-os e confirmava-os na sua desconfiança dumha afirmaçom nacional acentuada de mais. 

Na verdade, desde os seus inícios o sionismo nom só foi um movimento de classes pobres, mas acima de todo a reivindicaçom de todo um povo oprimido, alienado e com estruturas gravemente perturbadas. A sua forte filosofia social era mais exigente e teoricamente mais estruturada do que a maior parte dos países do Terceiro Mundo. Mas antes de mais foi explicitamente um movimento de renascença e de normalizaçom nacional.

De resto, tenha sido dito ou nom claramente polos sionistas, tudo confirmava este carácter. Negativamente: umha opressom coletiva profunda, pondo periodicamente em perigo a existência mesmo do povo (o período nazista nom é excepcional, veja-se a simbologia da festa do Purim na que se celebra a salvaçom dum extermínio). Apresenta  constantemente todos os efeitos da opressom global: alienações institucionais, culturais e psicológicas. A este fado histórico responderam incessantes tentativas, parciais e abortadas. Seria preciso fazer algum dia umha história de todas elas e ver-se-ia que a saudade nacional nunca cessou de existir nos judeus.

Entom, um dia, surge a resposta global e decisiva: a decisom dumha transformaçom radical do corpo e do espírito coletivos, reconstituiçom dumha economia independente, emergência dum poder político autónomo, renascença dumha única língua de preferência, retomada dumha tradiçom, procura dumha cultura específica. Eis o sionismo, isto é, o movimento de libertaçom e de reconstruçom do povo judeu, que logo foi atualizado na naçom israelita.

Indiscutivelmente Israel faz parte dessas nações novas contemporâneas que surgiram como cogumelos por volta do mundo. Tanto no terreno no que assenta, a desgraça judia, como polos problemas que o afligem e as soluções que dolorosamente tenta resolver. Por exemplo, esta procura ansiosa da sua identidade, surpreende num povo que possui umha tradiçom cultural prestigiosa. Isto nom lhe poupou o incansável debate sobre "quem é Judeu?", o qual, apesar das aparências, nom é específico deles. É a mesma procura da identidade coletiva que faz com que um jovem árabe se pergunte "o que é um árabe?", já que o Islám religiom, e mesmo o Islám cultura nom o enche todo, um jovem negro sobre "o que é a negritude?" ou um jovem latino-americano de origem índia. Os períodos de mutaçom, (o que é mais importante na vida dum povo mas quando se torna em naçom?) obrigam a este regresso sobre si próprio, a um balanço do passado, a umha avaliaçom da suas forças. Porque os velhos hábitos, os velhos ritos e as velhas técnicas têm o risco de nom ser eficazes para encarar um futuro relativamente desconhecido. Em suma, qualquer adaptaçom gera ansiedade, vemo-lo mesmo na Europa.


Reparemos nas argumentações anti-israelitas: "Israel recebe dinheiro americano", "Israel é umha excrescência do imperialismo", "Israel é umha aventura colonial", "Israel nom é um povo nem umha naçom", "Nom é do Terceiro Mundo", "Ao contrário, trata-se do agressor dum povo oprimido"... Quem isto defende ignora que o sionismo é o movimento de libertaçom nacional dos judeus, do mesmo jeito que outros movimentos de libertaçom nacional no Magrebe, na África e no mundo. Porque, se concordamos em considerar o sionismo como um movimento nacional, ele deve receber o respeito e a legitimidade devidas a todos os movimentos de libertaçom nacional. Mas é precisamente isto o que nom se vê por nengures, cada um polas suas razões ou a sua tática. Ao contrário, ao estigmatizá-lo como um facto colonial ou imperialista, é marcá-lo com a culpa e a condenaçom universal e prepara-se o mundo para o justo castigo que ele merece: ao desnaturalizá-lo, ao destrui-lo simbolicamente prepara-se a sua destruiçom real.

Porque a aparência objetiva da demonstraçom nom deve ocultar a motivaçom e o fim disso: todo o mundo hoje concorda em que as situações coloniais devem desaparecer. De resto, é raro que o partidário desta caracterizaçom do Estado de Israel nom acabe por concordar em que ele é, de facto, pola sua liquidaçom. Sejam quais forem as precauções verbais com as que se envolver, ao reclamar apenas a transformaçom ou o abandono das suas estruturas estatais, a sua integraçom imediata num governo democrático sob liderança árabe... Todo isto, tendo em conta o estado atual das populações, som fantasia sociológica, tolice ou utopia. Polo contrário, no imediato isto levaria certamente à destruiçom do sionismo.


Apresso-me a acrescentar que eu nom condeno essas soluções de integraçom, de federaçom ou de confederaçom. Prematuras hoje, significariam, com efeito, a morte do movimento nacional judeu, jovem de mais e ainda frágil. No entanto, estas soluções nom se excluiriam para o futuro quando estes povos diferentes, definitivamente transformados em nações, possam procurar juntamente como associar os seus destinos para a melhor exploraçom do ambiente circundante.

Em resumo, cabe lembrar obstinadamente esta tripla evidência:

- O judeu é um dos mais antigos oprimidos da história e ele sofre, em consequência disto, umha opressom mais tenaz, mais variada e mais estendida que a de muitos povos, árabes incluídos.

- O sionismo é o único esforço específico para pôr fim a este drama global, social e histórico, sofrido polo judeu.

- Nom existe diferença de natureza, mas de matizes, entre o sionismo, movimento de revolta e de afirmaçom nacional dos judeus, e os outros movimentos contemporâneos com a mesma origem ou de igual desenho.

Desta perspectiva, o que cabe pensar entom das relações entre judeus e árabes? Aceitar as evidências que se teimam em nom aceitar! Os árabes também procuram a sua libertaçom e abordam a sua reconstruçom no meio de muitas dificuldades, muitas delas no seu próprio seio. Um sionista, ciente da natureza da sua própria causa, só pode compreender a aprovar as aspirações sociais e nacionais dos povos árabes, embora ele esteja em conflito com eles. Ao invés, está em direito de reclamar aos povos árabes que reconheçam as suas próprias reivindicações de liberdade e de reconstruçom nacional. Ser sionista nom é nem infame nem contra-revolucionário; ao contrário, é a única maneira de um judeu contribuir para libertar coletivamente o seu povo. Em suma, é hoje a única maneira para um judeu de ser progressista como judeu. É fazer um fraco favor aos progressistas do mundo inteiro, árabes incluídos, negligenciar isto, como, por tática, fazem alguns dos meus camaradas políticos, porque o termo lhes parece queimado. É fazer um fraco favor aos próprios árabes, porque é contribuir para os fazer viver na ilusiom de que, ao nom ser um movimento nacional, será fácil dar cabo do sionismo. O sionismo, como expressom coletiva do povo judeu, é agora inextirpável, mas com a morte deste povo (bem é certo que este pensamento nom faz tremer todo o mundo).


Este texto é os seguintes som tirados de três textos do autor intitulados "Por umha soluçom socialista do problema judeu-árabe" (Élements, Paris, 1968), "Por um franco reconhecimento do facto nacional" (Éléments, Paris, 1971) e "Verbalismo e socialismo" (Cahiers Bernard Lazare, 1973, nº40-41).

Sem comentários:

Enviar um comentário