sábado, 5 de julho de 2025

O CRIPTOJUDAISMO EM PORTUGAL

 Maria José Ferro Tavares

O criptojudaísmo foi definido como umha heresia polos cristãos e foi rejeitado polos Judeus como um judaísmo. Para os primeiros, o facto de os cristãos novos viverem exteriormente umha prática cristã, enquanto, no interior dos seus lares, a referência religiosa era a tradiçom judaica, levava à justificaçom do Tribunal do Santo Ofício como forma de combater esta heresia do seio da cristandade; para os segundos, a recusa de a minoria cristã nova em abandonar o reino, apesar das perseguições inquisitoriais, para poder regressar a um judaísmo pleno e livre, fazia-os rejeitarem-na como pertencente ao mundo judaico.



Poder-se-ia dizer, muito simplesmente, que os criptojudeus nom se integravam nem na cristandade nem no mosaísmo, pois encontravam-se excluídos, polos seus comportamentos heterodoxos, de ambos os grupos.


No entanto, o criptojudaísmo nom pode ser apenas entendido, como umha questom religiosa. Ele era polas suas ligações às raízes ancestrais do povo hebreu, a razom da sua afirmaçom histórica como naçom distinta da cristã. A alteridade, o seu desejo à diferença, levá-los-ia a declararem-se pertencentes à «casta dos Judeus». Quando muito pouco restava já da transmissom fiel da religiom moisaica, a memória revivida dessa ancestralidade era transmitida polo sangue. Ser judeu era nom ser cristão.


Se a integraçom exterior foi umha realidade, desde cedo, através da onomástica, da frequência da catequese, da missa e dos sacramentos, a assunçom desse ato social e religioso só tardiamente se manifestaria. 


De facto, no interior dos lares cristãos novos, a leitura dos Salmos sem a oraçom da Glória ao Pai, no final, era corrente, tal como a bençom ao modo judaico, a rejeiçom dos alimentos proibidos pola Lei, o sabbat, os jejuns ou as Páscoas. Depressa algumhas destas tradições religiosas foram, com o terror imposto pola Inquisiçom, caindo em desuso, sobretudo as mais visíveis, como o descanso sabático, o quipur, as Páscoas, ou os interditos alimentares. No entanto, permaneceriam os thanis ou junçom do sabbat com a festa cristã de dedicaçom do sábado à Virgem Maria.


A transmissom desta tradiçom, feita polo homem ou pola mulher, na frequente ausência daquele, exigiu o hermetismo e a endogamia e foi afirmaçom de alteridade. A designaçom de gente de nação que a maioria cristã lhe conferiu, acabaria por ser o reconhecimento público de que os descendentes dos antigos Judeus, apesar de batizados, preferiram o direito à diferença, nom se integrando na sociedade cristã, a nom ser por exceçom.

Comunidades cripojudaicas

Ainda existem em Portugal pequenas comunidades criptojudaicas  quase em vias de extinçom, quer em Trás-os-Montes, quer na Beira interior. De todas, Belmonte é a mais conhecida e mais povoada. 

Casos conhecidos de criptojudaísmo em Portugal: Trás os Montes (Bragança), Beira Alta (Guarda), Beira Baixa (Fundão, Penamacor, Monsanto, Idanha-a-Nova, Castelo Branco) e no Alto Alentejo (Castelo de Vide).



Em Belmonte observa-se hoje à penetraçom do judaísmo e ao abandono de todas aquelas tradições religiosas e de costumes, miscigenadas, por vezes, de cristianismo, que fizeram de Belmonte umha comunidade singular. Histórica e etnograficamente seria lamentável que, mais umha vez por hermetismo, desaparecesse algo que é, queira-se ou nom, um documento vivo dum património histórico português e judeu, como esta oraçom do Pai Nosso recopilada por David  Agusto Canelo em "Os últimos criptojudeus em Portugal. Belmonte" (1987):

«Senhor que estais nas alturas, 

por vossos altos favores,

vos chamam os pecadores,

Pai Nosso.

A vós Senhor como posso,

o vosso nome invocarei,

pois decerto eu bem sei

que estais no céu.

Amparai, Senhor, um réu,

que muito ver vos deseja,

que o vosso nome seja

santificado.

Eternamente sejais louvado

por tais modos,

a uma voz digamos todos;

seja!

Do dizer que ninguém seja,

nem o mais de vos louvar.

Só deve triunfar

o vosso nome.

Matai-nos a nossa fome.

Com o bem da vossa mão,

e do céu, meu Deus,

o pão venha a nós.

Amparai-nos sempre vós,

dando-nos pão e mais pão,

e por fim, em conclusão,

o vosso reino.

Fazei que seja vosso

esse reino da verdade,

sempre a vossa vontade

seja feita.

Quando dermos conta estreita,

convosco meu Deus me veja,

para perdoar-me seja

a vossa vontade.

Dai-nos lá, na eternidade,

a vossa vista um lugar,

já que andamos a peregrinar

assim na terra.

É assim que se desterra

um pesar com tal prazer,

pois melhor lugar não pode haver

como no céu.

Em tempo algum seja réu,

por culpas que não cometi,

a todos dai, como a mim,

o pão nosso.

Eu prometo ser tão vosso,

que por vós morrerei,

sempre vos louvarei

cada dia.

Dai-nos prazer e alegria,

com poderes da vossa mão,

e a todos o perdão

nos dai hoje".


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

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