sexta-feira, 27 de junho de 2025

A DIÁSPORA DA JUDIARIA PORTUGUESA

 Maria José Ferro Tavares

O êxodo dos cristãos novos portugueses iniciou-se, apesar da proibiçom, imediatamente após o batismo forçado. Partiam clandestinamente para a Itália ou para o norte de África islâmico, lugares onde podiam viver livremente a sua fé ancestral.


Se D. Manuel, durante os primeiros anos, limitou a saída para o exterior do reino às famílias cristãs novas —nom aos indivíduos, desde que aqui permanecessem os pais, a mulher e os filhos—, com a intençom de os coagir a um regresso e à integraçom na sociedade cristã velha, a verdade é que, perante o levantamento de 1506 contra os cristãos novos de Lisboa, o soberano decidia dar a oportunidade de abandonar o reino livremente aos que quisessem partir para outras terras, permitindo-lhes a venda dos bens.

Fogueira de judeus e cristãos-novos relapsos em Lisboa, 1506 (panfleto alemão anónimo)


Assim, entre 1507 e 14 de junho de 1532, os descendentes dos Judeus puderam ir para outras partes da cristandade ou do Islão, com as suas famílias e riquezas, e regressar ao judaísmo.


Com intervalos, esta permissom ser-lhes-ia permitida. Assim sucedeu por altura dos perdões gerais de 1535 e 1547, intercalada pola proibiçom, durante três anos, para minorar as consequências económicas e sociais da sangria deste corpo ativo. Em 1573, voltava-se a proibir a partida que seria restabelecida em 1577 e novamente revogada em 1580. Em 1601, os cristãos novos compravam ao rei de Espanha e de Portugal a liberdade de circulaçom, interdita de novo em 1610.


Alguns políticos defendiam, como única soluçom para o reino, a expulsom da minoria cristã nova herética e das suas famílias. Tal proposta nunca passou de projeto pois, a contrariá-la, tinha a voz dos opositores que viam o êxodo um prejuízo para o país e, sobretudo, a dos próprios inquisitores.


Clandestina ou legalmente, os cristãos novos foram abandonando Portugal, ao longo destes três séculos. Oportunidade de diáspora foram as conquistas portuguesas do norte de África e, sobretudo, o Índico, o Brasil e a América espanhola, antes da penetraçom nestes territórios do Tribunal do Santo Ofício. Depois do estabelecimento deste, estas regiões mostravam-se tão perigosas quanto o reino, para o cristão novo.

Em 1591, o Brasil recebeu a primeira “visitação” dum agente oficial do Tribunal do Santo Ofício, Heitor Furtado de Mendonça.


Nestas visitas, os agentes licenciados analisavam os pecados, promoviam celebrações, aceleravam casos e compilavam as denúncias. Eram representantes diretos do tribunal, que gozavam de todo o poder e prestígio da Inquisiçom. 

O Brasil teve quatro visitações oficiais: 1591-1595, 1618-1620, 1627-28, 1763-1769. No entanto, nos períodos sem visitas, a Inquisiçom continuava ativa.


Três das quatro visitações tiveram lugar durante o domínio espanhol de Portugal (1580-1640).


Exemplos de documentos que relatam denúncias no Brasil de suspeitos de "judaizar" 📷 Reprodução/Livro "Cristãos-novos, seus descendentes e Inquisição no Ceará"

O comércio com a vizinha Espanha ou com as regiões mais longínquas da Europa, como Antuérpia, na Flandres, ou Amsterdão e Hamburgo na Europa do norte a que se juntaria Londres, possibilitou-lhes, à semelhança do que acontecia com o trato no Mediterrâneo, cristão e turco, a saída sem regresso ou com um retorno, após umha ausência mais ou menos longa, com passagem ou nom polo judaísmo.


A opçom pola religiom judaica, a permanência na judiaria, o uso do sinal, a ida à sinagoga, a circunscisom e a tomada do nome judeu significavam a impossibilidade de voltar ao reino, quer como cristãos, quer como Judeus. O regresso implicava a «expiaçom» voluntária com a auto apresentaçom num dos tribunais inquisitoriais, ou o medo da denúncia, feita aos inquisidores por cristãos, geralmente cristãos novos, que os conheceram e com eles comunicaram o judaísmo, em terras de infiéis ou noutras partes da cristandade, apesar das diversas identidades assumidas quando do regresso ou passagem temporária por um dos reinos da Península Ibérica.




A diáspora cristã nova refletiu, assim, vários aspetos dumha mesma realidade:

> que partiram para, em liberdade, poderem regressar à religiom ancestral e à sua identidade histórica como «povo de D'us» a caminho da Terra da Promissom;

> os que, preferindo o exílio, continuaram a viver como cristãos em terras da cristandade, longe da Inquisiçom peninsular;

> os que, perseguidos polo Santo Ofício, eram enviados polas suas famílias para o estrangeiro, mantendo longe do reino os laços familiares, muitas vezes como representantes de sociedades comerciais e financeiras, sediadas em Portugal ou/e na Espanha.


Apesar da dispersom geográfica e religiosa, a Diáspora Judaica Portuguesa conservou umha relativa coesom cujos fatores de unidade se exprimem através da língua, da literatura, da liturgia, da arquitetura, dos patronímicos ou ainda da arte funerária. Embora de natureza compósita, a diáspora judaico-portuguesa partilha umha comunidade de destino e leva ao surgir dumha forma de pertença coletiva única, designada polo termo “A Nação”, que perpetua a memória dos seus vínculos judaicos e portugueses.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

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