A
constituiçom nas mentalidades coletivas dum imaginário antijudaico é inseparável
do espalhamento dumha série de falsas acusações, suspeitosamente universais.
Que o estereótipo antijudaico fique constante apesar da diversidade histórica e
geográfica de situações (1), revela o seu carácter induzido e a cumplicidade
das instituições interessadas.
Que dados
ilustram esta invençom do outro na Galiza? No fim do século XVIII, Manuel Risco
recolhe da obra antissemita de Alonso de Espina “Fortalitium Fidei” (1460) um facto
atribuído ao bispo de Lugo, García Martínez de Bahamonde (1452-1456), que estava
a batizar um judeu quando “este contó como se halló presente à un horrendo
espectáculo que celebraron los Judios en la Ciudad de Saona de la Republica de
Genova, matando cruelisimamente à un niño christiano, cuya sangre comieron
mezclando con ella algunas frutas” (2). Este assassinato ritual dumha criança
cristã nom teve lugar na Galiza mas na Itália. Os transmissores cultos são
prelados e escritores cristãos: o bispo García Martínez, o clérigo Espina e o
agostinho Risco.
Ao
século XVIII também remonta a fabulaçom de que os Judeus de Monforte açoutavam
“en su infame Sinagoga” a imagem de Jesus Cristo “que ay en la Sacristia y
Celda de los Padres Guardianes”, a qual milagrosamente deu vozes que alertaram os
franciscanos que pegaram nela e alertaram a Inquisiçom que “prendió y castigó a
los judíos” (3). Este anacronismo de situar umha sinagoga em Monforte de Lemos na
altura da Inquisiçom, é evitado em Ribadávia polos produtores dumha tradiçom
culta semellante (que passou depois à tradiçom oral): umha imagem de Cristo estava
a ser açoitada por conversos judaizantes que se reuniam os sábados na casa da
Coenga, até que interveio a Inquisiçom procesando os profanadores; daí o dito:
“Os xudíos de Ribadavia iban azoutar o Cristo á Coenga” (4). Enfim, a própria
Inquisiçom propagava estas fantásticas acusações sacrílegas contra os falsos
conversos, quando os seus delitos principais consistían em seguir a praticar
clandestinamente a religiom dos seus velhos.
Casa da Coenga (freguesia de Ventosela) onde, segundo a tradiçom oral antissemita, os conversos de Ribadávia se juntavam para maltratar umha imagem de Cristo
Para
além dos rituais universais de matar crianças cristãs e injuriar Jesus Cristo
crucificado, nom podía faltar na Galiza do Antigo Regime novas sobre a profanaçom
de hóstias sagradas. Em 1726 Muñoz de la Cueva, bispo de Ourense escreveu que em
1671 produzira-se um roubo na igreja dos jesuítas da cidade, desaparecendo as hóstias
sagradas, encaminhando logo a seguir o dedo acusador contra os descendentes dos
Judeus, se calhar porque a sinagoga segundo diz Onega- esteve colocada no mesmo
lugar onde agora estavam instalados os jesuítas. Os espetaculares atos religiosos
en desagravo pola profanaçom evidenciam o clima mental inquisitorial da época (5).
O contrário do clima de tolerância detetado no Ourense medieval. Por algo todas
as referências referidas ao estereótipo antijudaico são modernas, de origem
culta e eclesiástica, e estão ligadas, dum jeito ou doutro, à mentalidade
inquisitorial implantada, com sucesso e ritmo desiguais, polas instituções do
novo Estado.
Carlos Barros, historiador galego especialista em história medieval da Galiza, exerce como professor de História Medieval na Universidade de Santiago de Compostela
Traduçom livre para o galego-português da
versom galega atualizada de “El otro admitido. La tolerancia hacia los
judíos en la Edad Media gallega”, Xudeus e conversos na historia. I.
Mentalidades e cultura (Congresso de Ribadávia, outubro 1991), Carlos Barros
(ed.), Santiago, 1994, pp. 85-115; “O outro admitido”, ¡Viva El-Rei! Ensaios
medievais, Vigo, 1996, pp. 75-115.
1 ídem, pp. 114-115.
2 España Sagrada, tomo XLI, Madrid, 1798, p. 138.
3 Jacobo de CASTRO, Árbol cronológico de la Santa Provincia de Santiago, I, Salamanca, 1722, p. 215.
4 Leopoldo MERUÉNDANO, Los judíos de Ribadavia (1915), Lugo, 1981, pp. 17-18.
5 José Ramón ONEGA, Los judíos en el Reino de
Galicia, Madrid, 1981, p. 581.
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