quarta-feira, 25 de dezembro de 2024

O ESTRANHO E IRRACIONAL ANTISSEMITISMO DA IRLANDA

Simon Sebag Montefiore

O historiador Simon Sebag Montefiore (n 1965), de origem judaico-irlandesa explica porque é que a Irlanda é tão estranha e irracionalmente antissemita e anti-Israel?

A família de Simon Sebag Montefiore sobreu o Progromo de Limerick (Irlanda)

Em 1997, fiz umha série de TV no Channel4 sobre a Irlanda, o nacionalismo irlandês e o antissemitismo. Aconteceu que a minha própria família era composta por imigrantes judeus na Irlanda em 1904, fugindo dos pogroms no império russo, que se estabeleceram em Limerick e foram depois expulsos no Pogrom de Limerick. Fui a Limerick e encontrei a casa onde vivia o meu avô Henry Jaffe. Por pouco tempo, antes que umha multidom atacasse a sua comunidade. Durante a pesquisa, entrevistei a personagem assustadora e sinistra Francis Stuart (1902-2000), que durante a Segunda Guerra Mundial transmitiu propaganda nazista na Irlanda, mas que mais tarde foi elogiado como um grande romancista irlandês. Na entrevista fez algumas reflexões extraordinárias sobre a natureza dos Judeus....

"A Áustria, em 1921, tinha sido arruinada pola guerra e era muito, muito mais pobre do que a Irlanda é hoje, pois para além de nom ter dinheiro, estava sobrecarregada com inúmeras dívidas. Nessa época Viena estava cheia de Judeus, que controlavam os bancos e as fábricas e até umha grande parte do Governo; os próprios austríacos pareciam prestes a ser expulsos da sua própria cidade" (escritos de Stuart para um panfleto do Sinn Féin de 1924)

Aqui fica o artigo que Simon Sebag escreveu para o Spectator.

Simon Sebag Montefiore examina o antissemitismo na Irlanda e expõe o papel do fundador do Sinn Fein na perseguiçom irlandesa aos Judeus

Há um mito de que o último pogrom antissemita nas Ilhas Britânicas ocorreu na Iorque medieval. Foi muito mais recente do que isso: o pogrom de Limerick, há muito esquecido, aconteceu em 1904. Começou com um sermom proferido por um padre e ganhou força porque foi apoiado por Arthur Griffith, o fundador do Sinn Fein, amigo de Michael Collins e primeiro presidente do Estado Livre Irlandês. É a sua participaçom no pogrom que lhe confere significado hoje, enquanto negociamos com o Sinn Féin.

A história do pogrom de Limerick (ou “boicote”, como também é conhecido) tem umha ressonância especial para mim porque o meu avô e a sua família, os Jaffe, viviam entom em Limerick embora nunca tenham mencionado o assunto. De facto, os Judeus irlandeses, incluindo o seu filho mais famoso, Chaim Herzog, falecido presidente de Israel, protestaram que a Irlanda era a terra mais tolerante da Europa. Agora parece que protestaram demais. O mais estranho de tudo é que os Judeus da Irlanda de hoje ainda têm medo de contar esta história. Quando fiz recentemente um filme para a televisom sobre o pogrom, a maioria dos Judeus irlandeses tinha demasiado medo de “criar problemas, atrair a atençom” para participar nele.

Sempre tive orgulho nas minhas raízes irlandesas. O meu falecido avô, Henry Jaffe, que perdeu o sotaque irlandês, mas manteve o seu elegante charme irlandês, costumava dizer que tinha visto sereias em Ballybunnion, e a tia Rose costumava recordar, com sotaque irlandês, as corridas de Limerick. Ao conversar com um ilustre escritor político irlandês, referi que era descendente de Judeus de Limerick. Contou-me a história que se tornou a base do meu filme para o Channel 4 sobre as origens do Sinn Fein.

Praticamente toda a comunidade judaica de Limerick, cerca de 170, era originária da aldeia de Akmene, nos territórios bálticos do Czar, que são hoje a Lituânia -parte do Pale of Settlement, a única zona onde os Judeus foram autorizados a viver. Quando, na década de 1880, Nicolau II intensificou a sua legislaçom anti-judaica, o meu trisavô Benjamin Jaffe e a maior parte de Akmene decidiram partir antes do regresso dos cossacos. Benjamin comprou um bilhete para Nova Iorque, mas quando chegou ao pitoresco porto imperial britânico de Queenstown, no sul da Irlanda (hoje chamado Cobh, donde partiu o Titanic na sua viagem final), foi informado de que tinha chegado a Nova Iorque, o Novo Mundo. “Mas isto nom se parece com Nova Iorque”, protestaram os Judeus ao desembarcar. “Nova Iorque é a próxima paróquia”, disseram-lhes. Quando descobriram que nom era esse o caso, estabeleceram-se em Limerick.

Viviam juntos em considerável pobreza na Calooney Street, que logo ficou conhecida como a Pequena Jerusalém. No recenseamento de 1901, quatro anos antes do pogrom, a minha família materna foi registada como caixeiros-viajantes (pedlars). O patriarca Benjamin, um homem magnífico com umha longa barba branca, era um peddler, embora fosse na realidade o chazan (cantor) e o mohel (circuncisador) da pequena comunidade. Vivia no número 64 da Calooney Street, e o seu filho Max, de 26 anos, vivia no número 31 com a sua própria família, que incluía o meu avô Henry, de três anos, e a minha tia-avó Rose, de um ano.

A família sempre se orgulhou que o Max fosse dentista, mas cedo descobri que nom tinha qualificações técnicas; o recenseamento chamou-lhe, de forma alarmante, “mecânico dentário”. Comenta secamente que a família sabia ler e escrever. Devem ter sido os caixeiros-viajantes mais eruditos que algumha vez existiram, pois eram tão eruditos como pobres. O discurso do bar mitzvah do meu avô foi escrito em inglês e em hebraico antigo fluente e repleto de referências bíblicas.

Por mais difícil que fosse fazer negócios em Limerick, parecia um santuário mais seguro do que a Rússia. Mas três anos depois do recenseamento, quando o meu avô tinha seis anos, o ódio por esta pequena comunidade judaica atingiu o seu auge entre os irlandeses muito pobres a quem vendiam os seus produtos. Muitas vezes vendiam a crédito, o que causava um ressentimento selvagem. Por vezes, quando um judeu ia à zona rural vizinha cobrar umha dívida, as camponesas arrancavam os seios e gritavam 'Vilaçom!' e depois os homens espancariam o judeu. Um ostentoso casamento judaico aparentemente causou ciúmes. O pogrom foi o resultado da agitaçom cada vez mais cruel do diretor espiritual da Ordem Redentorista de Limerick, o Padre John Creagh, cuja igreja ofuscava a Pequena Jerusalém. O clímax chegou quando Creagh, “um orador de fervorosa eloquência”, proferiu o seu sermom intitulado “Como os Israelitas comercializam”, na segunda-feira, 11 de janeiro de 1904. Parece umha grotesca paródia do antissemitismo:

O padre John Creagh (1870-1947) foi o incitador ao boicote

"Os Judeus rejeitaram Jesus, crucificaram-no e invocaram a maldiçom do seu precioso sangue sobre as suas próprias cabeças... nom hesitaram em derramar sangue cristão. Hoje em dia nom ousam raptar e matar crianças cristãs, mas nom hesitarão em expô-las a um martírio mais longo e mais cruel, tirando-lhes a roupa e o freio da boca.

Entom Creagh foi ter com os judeus de Limerick:

"Há vinte anos ou menos, os Judeus eram conhecidos apenas polo nome e pela má reputaçom em Limerick. Estavam a sugar o sangue doutras nações, mas essas nações expulsaram-nos. E vêm à nossa terra para se prenderem como sanguessugas. Os seus trapos foram trocados por seda. Infiltraram-se em todos os negócios... no comércio de móveis, no comércio de leite, no comércio de cortinas -e mesmo negociaram sob nomes irlandeses... As vítimas dos Judeus são principalmente mulheres... o judeu tem uma língua doce quando ele deseja... Se quiser um exemplo, olhe para a França. O que está a acontecer atualmente naquela terra?

A referência ao escândalo Dreyfus é significativa.

A injustiça disto serviu de pouco consolo para os Judeus da rua Calooney quando os cerca de mil fiéis da igreja de Creagh se juntaram, como deveriam fazer diariamente durante um mês. Umha enorme malta embriagada reuniu-se, empunhando tochas acesas. Desceram a Calooney Street partindo janelas e portas da frente e forçando a entrada nas casas que saquearam. Durante mais dum mês os Judeus de Limerick esperaram, aterrorizados nas suas próprias casas, quase morrendo de fome, pois o Padre Creagh tinha instado o povo a nom pagar as suas dívidas. Ninguém faria negócio com eles. Se andassem nas ruas, eram espancados. O único milagre foi que ninguém perdeu a vida, mas para os Judeus que acabavam de escapar aos cossacos foi assustador.

A polícia fez muito pouco no início. Apenas John Raleigh, de 14 anos, foi detido por apedrejar o Rabino Levin. Mas Raleigh foi recebido após a sua sentença dum mês por umha malta que o carregou aos ombros. E o presidente da Câmara e a corporaçom de Limerick reuniram-se vergonhosamente para apoiar Raleigh e o Padre Creagh.

A reaçom em Dublin e Londres foi confusa. Michael Davitt, que representava a tradiçom irlandesa liberal e tolerante que nos é mais familiar, escreveu imediatamente umha carta de poderosa indignaçom, atacando Creagh. Mas Creagh respondeu com sermões de antissemitismo histérico. John Redmond, o líder irlandês na Câmara dos Comuns, criticou fracamente o pogrom. O sitiado Rabino Levin desafiou corajosamente a malta. Em breve surgiram distúrbios no Parlamento, onde o secretário-chefe da Irlanda, George Wyndham, prometeu languidamente proteger os Judeus de Limerick. O Conselho de Deputados dos Judeus Britânicos conseguiu que o líder leigo dos Católicos Britânicos, o Duque de Norfolk, interviesse.

O Bispo Dwyer de Limerick apoiou claramente Creagh, mas um jornalista importante em Dublin encorajou a choldra de Creagh desde o início, dando-lhe legitimidade intelectual e política. Arthur Griffith afirmou que o boicote foi dirigido apenas contra os métodos comerciais dos Judeus, que a referência ao assassinato ritual foi retirada do contexto e que o objectivo de Creagh era nobre. Descreveu os Judeus como “horríveis”... formas selvagens, bravas e imundas... pessoas estranhas, estranhas a nós em pensamento.' Griffith uniu Limerick, Dreyfus e os Judeus sul-africanos para mostrar que internacionalmente eram maus. 

Arthur Griffith (1871-1922), fundador do Sinn Féin em 1905, apoiou o boicote, defendendo a rejeiçom das empresas pertencentes a Judeus na cidade de Limerick

"Se os Judeus – tal como os Judeus – fossem boicotados, seria escandalosamente injusto. Mas o judeu em Limerick nom foi boicotado porque é judeu, mas porque é um usurário. E negamos que ofendamos a ética ao defendermos veementemente o boicote aos usurários, sejam eles Judeus, pagãos ou cristãos" (Arthur Griffith)

Foi Griffith quem propagou a visom dumha raça católica gaélica irlandesa que nom podia incluir estrangeiros judeus –nem, por implicaçom, protestantes. Esta foi a ideologia que ele trouxe para o Sinn Féin. Era isto que a Ourselves Alone significava para o seu fundador. Tem umha forte influência na verdadeira filosofia do Sinn Féin de hoje. Gerry Adams recusou-se a discutir comigo o fundador do Sinn Fein.


O Padre Creagh partiu com honra em 1906, com a sua choldraboldra ainda a aclamar «os seus esforços indomáveis ​​para resgatar as classes trabalhadoras de Limerick das garras dos estrangeiros». Na sua missom seguinte, nos Mares do Sul, maltratou notoriamente as populações nativas. Mas 60 anos mais tarde, depois de toda a história ter sido subitamente contada numha violenta controvérsia em Limerick, a cidade de Limerick e a Ordem Redentorista fizeram as pazes com a sua história, tendo a cidade de Limerick concordado em manter o pequeno cemitério judaico como expiaçom. A história tem um final melancólico: a comunidade judaica de Limerick foi destruída. As famílias enviaram os filhos para Inglaterra ou mudaram-se para Dublim. O meu avô foi viver para Manchester. Agora só há um judeu em Limerick –e quando Stuart Klein se mudou para lá em 1957, os seus amigos de Dublim temeram pola sua vida.

Quando o meu trisavô, o velho Chazan Benjamin Jaffe, morreu em 1915, o seu obituário do Jewish Chronicle dizia, de forma amarga e doce, que, durante o pogrom do padre Creagh, “ouvia-se por todos os lados que se todos os Judeus da Irlanda fossem de origem o tipo de Benjamin Jaffe, nada além de respeito seria sentido por eles.»

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