sexta-feira, 26 de abril de 2024

JUDIAS "POLACAS" DO BRASIL

 Trazidas da zona de assentamento judeu no Império russo (incluindo os territórios das atuais Polónia, Bielorrússia, Lituânia, Ucrânia e Moldávia) por cafetões, a partir do séc. XIX jovens judias aportaram no Rio de Janeiro para o meretrício, sendo chamadas ofensivamente de 'POLACAS' e nom polonesas (PT-BR).

  


A palavra "polaca" era usada como sinónimo de rapariga/prostituta, sendo adotadas por essa razom as palavras polonesa e polonês no portugês brasileiro.

Filme "Jovens polacas" (2020)

Quem trazia para o Brasil essas jovens judias dos Shtetl do leste europeu, com promessa de casamento e saída da pobreza, e depois as explorava como prostitutas em regime de escravidão, era a máfia Zwi Migdal, sediada em Buenos Aires, composta por mafiosos também de origem judaica. A organizaçom tinha braços noutras partes da América Latina, como o Rio de Janeiro.

O seu biotipo branco atraía os cariocas mais despudorados -enquanto o jornal do Centro Sionista do Rio defendia "a luta contra aquelas que, embora de descendência judaica, só merecem repulsa pois envergonham nosso povo". 



Já o sambista Moreira da Silva (1902-2000) compôs Judia Rara"A rosa não se compara /A essa judia rara / Criada no meu país / Rosa de amor sem espinhos / Diz que são meus seus carinhos / E serei um homem feliz". 

Ao menos dous termos novos deve a língua portuguesa falada no Brasil às "polacas" judias: quando achavam que um cliente tinha DST diziam "ein krenke" ('um doente'), que acabou virando "encrenca" - e quando a polícia aparecia nos bordéis elas gritavam "sacana!" ('polícia!'), de onde veio "sacanagem".


A mãe do Jacob do Bandolim (1918-69), um dos grandes músicos do choro e gênio da música brasileira, era umha polaca. O nome dela era Raquel Pick. Foi prostituta e depois cafetina. Ela era uma liderança entre as polacas, tendo atuado para que essas mulheres tivessem apoio mútuo em vida e para que fossem enterradas de maneira digna e conforme os rituais judaicos, no Cemitério de Inhaúma. No grupo, Rachel usava o nome de guerra de Regina, o que é confirmado polo depoimento de Sérgio Bittencourt, filho de Jacob.



A seguir reproduzimos, na íntegra, o testemunho da Ana, arqueóloga brasileira que investigou o "Cemitério das Polacas"

Vou contar um pouco da minha pesquisa de quando cursei Arqueologia. Eu pesquisei o Cemitério Israelita de Cubatão, popularmente conhecido como Cemitério Das Polacas, que estava abandonado, esquecido e se deteriorando, apesar de ser um patrimônio tombado.


As "polacas" eram mulheres judias ashkenazem que foram traficadas para o Brasil para serem prostitutas. Nem todas eram polonesas, mas ganharam o apelido por virem da massa hegemônica leste europeia que, nesse ofício, importava pouco a origem exata.


Em muitos casos, essas moças vinham com a promessa de uma vida melhor no Brasil para enviar dinheiro para a família que ficou na Europa. Elas se casavam e descobriam no porto de destino, ou mesmo durante a viagem, que o seu marido era o cafetão ou agenciador dessa nova vida


Sem escolha, sem falar o idioma, sem letramento, sem possibilidade de independência, elas viviam como podiam. Algumas aceitaram. Outras, conseguiram, depois de tempo, trabalhos diferentes e constituíram novas famílias. Mas, de todas as formas, as polacas formaram uma comunidade.


A sociedade judaica não as aceitava e restava a elas se ajudarem entre si. Assim, Associações Beneficentes Israelitas foram criadas como rede de amparo e manutenção da religiosidade e sistema de crenças que elas faziam questão de manter.


Uma das iniciativas dessas Associações foi a criação de cemitérios próprios, já que cemitérios israelitas tradicionais não permitiam que elas fossem enterradas lá. Em Santos, a Prefeitura acolheu o pedido no ano de 1929, dentro do cemitério do distrito de Cubatão.


O terreno aprovado teria 1042m2. Em 1952, Cubatão já estava elevada à categoria de cidade, a construção da Refinaria Presidente Bernardes traslada os dois cemitérios para novo local (onde está até hoje), com redução significativa de tamanho do cemitério das polacas para 853m2.


Aqui temos o primeiro grande problema: no documento de tombamento do Cemitério Israelita, de 2011, consta que existem 75 sepulturas: 55 femininas e 20 masculinas. In loco, existem apenas 69: 45 femininas e 20 masculinas. Onde estão as outras 10 mulheres?


O estado de abandono do cemitério era gritante. Nesta imagem tirada por mim em 2017, o último restauro tinha sido feito em 1997 e o tombamento em 2011 foi a última visita pública ao local. O formato da planta também chama a atenção: o local foi "recortado" ao longo dos anos.


Minha pesquisa no Arquivo Municipal de Cubatão descobriu plantas e fotografias aéreas que permitem ver como o cemitério era até a década de 1960, quando a Associação Beneficente ainda existia. Depois de sua dissolução, em 1969, o Cemitério Municipal invadiu o espaço do Israelita.




Existem também memorandos enviados pela Associação à Prefeitura de Cubatão, em diversas datas, solicitando atenção e melhorias na infraestrutura, que apresentava diversos problemas. Todos foram ignorados pelos órgãos competentes.




Inclusive, o acesso atualmente é somente por dentro do Cemitério Municipal. Originalmente, o Cemitério Israelita tinha um portão externo de acesso direto. Ele foi removido na década de 1970 e seu contorno ainda é possível de ser observado no muro hoje em dia.



A pouca documentação levantada aponta um duplo problema: primeiramente, a forma ativa que ocorreu a marginalização dessas mulheres, mesmo elas cumprindo os requisitos burocráticos exigidos. E em segundo lugar, as ações ilegais cometidas por órgãos públicos na dilapidação…


Do campo santo, sem que isso fosse devidamente autorizado e documentado. Já que "não tinha mais ninguém pra reclamar", o cemitério municipal tomou conta do espaço retirando túmulos e corpos. Ninguém sabe exatamente como isso aconteceu.


Depois da minha pesquisa concluída, não segui na Arqueologia. Minha colega de curso e melhor amiga, Heloísa Matiolli, deu seguimento. Isso gerou um rebuliço na Prefeitura de Cubatão e também na Sociedade Cemitério Israelita de São Paulo, que passou a dar atenção ao caso.


Já em 2019 - isso eu já não mais acompanhava, por problemas pessoais - a Sociedade Israelita de SP tomou à frente e fez um novo restauro do Cemitério das Polacas. A Prefeitura sediou e apoiou a cerimônia de "perdão" dessas mulheres (!) na ocasião da reinauguração.

Um suposto (bis?)neto de uma das mulheres sepultadas lá também compareceu. Foi muito interessante esse movimento, porque meramente revirar arquivos documentais gerou um novo interesse de proteção a um campo santo que estava abandonado há 40 anos.



A história das mulheres "desaparecidas" do local ainda é um mistério. Talvez nunca saberemos quais corpos se perderam, onde foram parar ou qualquer outra informação. Mas, pelo menos, a história dessa comunidade não foi completamente esquecida no tempo.


E só mais uma informação interessante: nesse cemitério, está também enterrado um rabino. Talvez alguém de origem judaica tenha outro insight, mas o que nos pareceu é que ele também foi marginalizado por ter se negado a abandonar essas mulheres "manchadas" dentro da sua fé.


Para saber mais:

> Os prazeres da noite : prostituição e codigos da sexualidade feminina em São Paulo (1890-1930), tese de doutoramento de Magareth Rago, Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciencias Humanas (1990)

> Jovens polacas, filme de 2020

> “Encrenca” e “sacana”: palavras originadas no tráfico de mulheres, Blogue Ensinar História - Joelza Ester Domingues

> Podcast Praça Onze das Polacas, Enredo Cultural com Luis Carlos Magalhães

> Cemitério dedicado às judias "polacas", Câmara Municipal de Cubatão

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