Foi no momento e no lugar em que menos esperava. Esther Mucznik, umha das figuras mais conhecidas da comunidade israelita em Portugal, garante que nunca tinha sido alvo de atos de ódio antissemitas no país onde nasceu, há 77 anos… até este domingo, 10 de março.
Esther MUCZIK na Assembleia da República |
Quando se dirigiu à assembleia de voto, em Lisboa, para exercer o seu direito cívico, o membro da mesa a quem entregou o cartom de cidadão, atirou-lhe um seco “Nom gosto!” após ter lido o seu nome. Espantada, Esther questionou: “Nom gosta de quê?”. “Nom gosto do nome e dos massacres que andam para lá a fazer” foi a resposta. Que nom deixava margem para dúvidas: “Ele percebeu imediatamente que eu era judia, e relacionou-me com o que se passa em Gaza…”, conta ao 7MARGENS a fundadora e presidenta da Associação Memória e Ensino do Holocausto – Memoshoá, para concluir: “Nós, judeus, somos reféns desta guerra, porque acabam por nos culpar por ela”, e situações como esta precisam de ser denunciadas.
Perante o silêncio e a inaçom das restantes pessoas na mesa de voto e na fila para votar, Esther Mucznik manteve a calma e afirmou: “Eu sou portuguesa, voto como portuguesa e como o senhor está a infringir a Lei num espaço e num dia em que a neutralidade política é umha regra, vou apresentar umha queixa a quem de direito”, dirigindo-se depois ao local indicado para preencher o seu boletim. Quando regressou para colocá-lo na urna, o membro da mesa voltou a dirigir-lhe a palavra: “Mas nom tenho direito de nome gostar de um nome ou pessoa?”. A antiga vice-presidente da Comunidade Israelita de Lisboa respondeu: “Claro que tem o direito de nom gostar, mas também a obrigaçom, em especial neste dia e aqui, de guardar para si”. E voltou a sublinhar que iria fazer umha queixa.
“Nunca me tinha acontecido umha cousa destas e nunca pensei que iria acontecer, muito menos nestas circunstâncias”, confessa Esther Mucznik ao 7MARGENS. “Vim embora magoada e a pensar com que direito é que ele podia dizer o que disse… Se me pedirem para caracterizar o que ele disse e a forma como falou, nom posso afirmar outra coisa senom que se tratou de uma manifestaçom de antissemitismo, e que isto pode ser considerado um crime de ódio”, sublinha.
Esther Muczik partilhou o sucedido nas suas redes sociais, acrescentando que, face ao aumento do antissemitismo na sequência da guerra em Gaza, “a solidariedade de todos é fundamental”. Para a investigadora de temas judaicos, que acaba de publicar um livro onde conta a história da sua família, é essencial que as pessoas compreendam que “há muitos judeus contra a guerra e que, muito antes do dia 7 de outubro [de 2023, quando aconteceu o ataque do Hamas], milhares de israelitas saíam à rua todas as semanas para lutar pola democracia, e que muitos continuam a pedir a demissom do [primeiro-ministro de Israel] Netanyahu”.
Para isso, os meios de comunicaçom social, sobretudo as estações televisivas, “precisam de mostrar tudo, e nom apenas o que se passa na Faixa de Gaza”, defende Esther Mucznik. “Vejo muitas vezes imagens repetidas do sofrimento em Gaza, o que nom diminui em nada a tragédia que os palestinianos estão a viver ali – e eu estou solidária com eles –, mas ninguém fala nas mulheres israelitas que foram violadas, mutiladas e assassinadas polo Hamas ou que ainda estão todos os dias à mercê dos terroristas, ou do sofrimento das famílias dos reféns”, assinala, considerando que “o facto de se ignorar deliberadamente o que aconteceu no 7 de outubro é, em si, um ato antissemita”.
Este “desequilíbrio” na informaçom veiculada por muitos média pode, na perspetiva de Esther Mucznik, ser um dos fatores que explicam o aumento do antissemitismo em vários países. “Em Portugal, ainda nom temos números, mas eu acho que sim, que os atos antissemitas também aumentaram no nosso país”, afirma a investigadora, que regularmente assina textos de opiniom no jornal Público e verifica que, “independentemente do que escreva, há cada vez mais comentários negativos”. “E eu até escrevo muitas vezes contra o Governo de Netanyahu… mas mesmo assim muitos acusam-me de ser uma sionista e há comentários verdadeiramente horríveis”, lamenta, acrescentando: “Quando leio aqueles comentários, a conclusom é que eu sou culpada da guerra que está a destruir Gaza.”
Precisamente a mesma acusaçom que pode ser inferida dos comentários que escutou quando foi votar no passado domingo. “Por isso, tal como disse ao senhor que os proferiu, estou a preparar a queixa à Comissão Nacional de Eleições e vou também à Junta de Freguesia, para identificar claramente as pessoas em causa”, adianta Esther Mucznik ao 7MARGENS. “Tenho algumhas dúvidas sobre a eficácia destas queixas, mas espero sinceramente que haja consequências”, conclui.
Fonte: 7MARGENS
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