sábado, 11 de novembro de 2023

PORQUE A ESQUERDA É ANTI-ISRAEL?

 Rodrigo da Silva

A esquerda política definitivamente nom gosta de Israel.

Mundo afora o fenômeno é o mesmo.


Nas últimas semanas, protestos em diferentes cidades foram organizados no Brasil com o apoio de partidos políticos de esquerda (como o PSOL e o PCdoB) e movimentos de esquerda (como o MST).

Mesmo os Estados Unidos, historicamente ligados a Israel, testemunham essa tendência.

Três dias após os atentados terroristas do Hamas, a organizaçom Socialistas Democráticos da América (DSA) promoveu umha manifestaçom pró-Palestina em Nova Iorque, onde os participantes gritavam “a resistência é justificada quando as pessoas estão ocupadas”, com direito à exibiçom do símbolo da suástica.


Na Espanha, umha manifestaçom anti-Israel organizada polos partidos de esquerda Podemos e Sumar levou 10 mil pessoas às ruas de Madrid.

Na Galiza as manifestações anti-Israel estão a ser monopolizadas por um "partido comunista patriótico", a UPG, através do seu braço eleitoral, o BNG. 

Na Inglaterra, nos últimos dous finais de semana, protestos anti-Israel levaram 100 mil pessoas às ruas de Londres. As manifestações estão umbilicalmente ligadas ao Partido Trabalhista britânico (em 2019, 42% dos Judeus britânicos disseram que “considerariam seriamente” deixar o país caso o líder trabalhista da época, Jeremy Corbyn, virasse primeiro-ministro).

Na Austrália, manifestações em Sydney nom ecoaram apenas gritos de “Palestina Livre”, mas de “fodam-se os Judeus”. Mesmo chegaram a berrar "gás para os Judeus".

Protestos parecidos aconteceram em diferentes pedaços do mundo nas últimas semanas, de Joanesburgo a Toronto. Sempre com o protagonismo de movimentos e partidos políticos de esquerda.

Porque?



O que conecta a esquerda a umha identidade anti-Israel é umha mistura de diferentes elementos.

Essa nom é umha relaçom nova, fabricada nas redes sociais. Nem é tão óbvia quanto parece.


O papel da URSS na criaçom do Estado de Israel

Em primeiro lugar, é preciso contexto histórico: a Uniom Soviética desempenhou um papel fundamental no apoio à criaçom do Estado de Israel. Durante o debate sobre o Plano da ONU para a partilha da Palestina, em 1947, a Uniom Soviética apoiou o sionismo nas Nações Unidas. Na verdade, Moscovo pronunciou-se a favor dum Estado Judeu muito antes dos Estados Unidos – antes de qualquer potência.

Um ano antes da criaçom do Estado de Israel, o entom embaixador soviético na ONU, Andrei Gromyko, expressou forte apoio a Israel, destacando a conexom histórica do povo judeu com o território, reconhecendo as aspirações do povo judeu após o Holocausto e defendendo que o mundo tinha umha dívida com eles.

O protagonismo russo foi tamanho nessa direçom que a Uniom Soviética foi o primeiro país a reconhecer oficialmente Israel, dous dias após a sua declaraçom de independência, em maio de 1948.

Na Guerra Árabe-Israelita de 1948, Israel recebeu rifles, morteiros e até aviões de combate da Checoslováquia, com permissom e consentimento soviético. Essas armas desempenharam um papel indispensável para a vitória israelita.

O armamento fornecido pola URSS foi indispensável para a vitória sionista na Guerra da Independência de Israel (1948-49)

Como escreveu o historiador Paul Johnson, Joseph Estaline está “entre os pais fundadores de Israel”.

Os próprios israelitas nom negam isso. Como disse Abba Eban, o primeiro embaixador de Israel na ONU, sem o voto e as armas fornecidas polo bloco soviético, “nom poderíamos ter conseguido, nem diplomaticamente, nem militarmente”.

Por que os soviéticos escolheram o lado judeu? Por pragmatismo. Estaline via a criaçom de Israel como umha maneira de reduzir a influência britânica no Próximo Oriente. Na propaganda soviética – veja a ironia – apoiar Israel era enfrentar o imperialismo ocidental no Próximo Oriente.


A virada do bloco soviético

Mas polo mesmo pragmatismo, poucos anos depois, os soviéticos mudaram de lado – levando todo campo político junto, mais umha vez.

A relaçom entre a Uniom Soviética e Israel deteriorou-se no instante em que Israel expressou o desejo de migrar Judeus soviéticos para Israel, atitude amplamente rejeitada pola Uniom Soviética, lar dumha das maiores comunidades judaicas do mundo.

A partir desse episódio, a Uniom Soviética passou a expressar apoio e oferecer treinamento militar, armamento e assistência financeira à causa palestiniana.

Após a criaçom do Estado de Israel, os Judeus soviéticos enfrentaram forte oposiçom de Moscovo para a emigraçom. Judeus que solicitavam permissom para emigrar para Israel muitas vezes encaravam discriminaçom, perda de emprego e perseguiçom (com direito, nalguns casos, à prisom). A maioria teve os seus vistos de saída negados e passou a ser rotulada como refusenik. Eles também enfrentavam vigilância constante da KGB.

Para o Kremlin, permitir que um número tão grande de cidadãos deixasse o país era visto como um sinal de fraqueza e instabilidade. Além disso, muitos Judeus soviéticos ocupavam posições em áreas sensíveis, como pesquisa científica, defesa e indústria. O Kremlin estava preocupado que esses indivíduos levassem conhecimentos e habilidades valiosas para o exterior.

Como num passe de mágica, a causa palestiniana passou a ser vista polos líderes do bloco comunista como umha luta de libertaçom nacional contra o imperialismo (um imperialismo que fora sido sustentado diplomaticamente e militarmente pola própria Uniom Soviética).

Os interesses russos, estritamente pragmáticos, locais, moldaram a concepçom ideológica, moral, de todo um campo político no Ocidente – como em tantas outras questões.

Ainda hoje, dos 193 países membros da ONU, 28 nom reconhecem Israel (15%). Desses, apenas 3 nom têm maioria muçulmana – todas elas ditaduras de esquerda: Cuba, Venezuela e Coreia do Norte.

Embora nem todos os críticos de Israel sejam radicais de esquerda, as posições anti-Israel viraram umha espécie de marcador de identidade política para a chamada esquerda “anti-imperialista”.

A narrativa anti-Israel, ainda hoje, considera o país umha força “imperialista-colonialista” que ocupa a Palestina.


Antissionismo militante

A rejeiçom a Israel é um fenômeno muito além do repúdio aos assentamentos israelitas na Cisjordânia ou à política bélica de Benjamin Netanyahu, tantas vezes condenada por diferentes campos políticos no Ocidente: a esquerda radical rejeita a legitimidade do Estado Judeu e o direito dos Judeus à autodeterminaçom nacional. Para ela, um Estado Judeu nunca deveria ter sido estabelecido.

O grupo chama essa identidade de antissionismo: nom apenas a oposiçom a diferentes características negativas da política (e do governo) israelita, mas a negaçom do direito de Israel existir sob qualquer pretexto naquele território.

É difícil medir a linha que divide o antissionismo do antissemitismo. Embora alguns estudos apontem que há uma correlaçom entre entrevistados que nom reconhecem a legitimidade de Israel e aqueles que concordam com declarações e teorias conspiratórias antissemitas, diferentes organizações de direitos humanos entendem que umha cousa é diferente da outra.

Aqueles que acreditam que antissionismo é um traço de antissemitismo costumam reclamar que o Estado Judeu é julgado de forma mais severa que os demais. Mais do que isso: dizem que negar a relaçom milenar dos Judeus com o território de Israel é negar a própria existência dos Judeus na história.


Antissioniso e identitarismo

E esse conflito ganhou novas camadas com as redes sociais.

Hoje, o movimento anti-Israel também é influenciado polo identitarismo, que enxerga a história – independente do país de origem – através de um conceito de raça simplório e maniqueísta que deriva da experiência racial americana.

Para a esquerda ocidental, os israelitas são “brancos” e os palestinianos são “pessoas de cor”. Nesse sentido, os Judeus – vítimas do maior crime racial do século XX – nom podem ser vítimas de racismo, visto que são “brancos” e “privilegiados”; mas enquanto “brancos” e “privilegiados” são perfeitamente capazes de explorar “pessoas de cor”, “desprivilegiadas”.

Numa reviravolta, os Judeus são agora acusados ​​dos mesmos crimes que eles próprios sofreram.

Em 34 anos, entre 1987 e 2021, 12 mil palestinianos morreram no conflito Israel-Palestina, o equivalente a 0,2% do total de Judeus mortos no Holocausto. No conflito Israel-Palestina, por diferentes motivos, a violência é indiscutivelmente umha desgraça maior para o povo palestiniano – mas umha desgraça consideravelmente distante da experiência nazista.


A oposiçom explícita a Israel, nos últimos dias, também virou, para muitas figuras, um apoio velado e cínico ao Hamas.

Manife pró -Hamas em Londres (11/11/2023)


Desde 2007, o Hamas governa a Faixa de Gaza, onde criou um Estado de partido único que esmaga a oposiçom, proíbe as relações entre pessoas do mesmo sexo, reprime as mulheres e defende abertamente o assassinato dos Judeus, rejeitando categoricamente a primazia dos direitos humanos. Mas as vítimas dessa teocracia nom recebem qualquer solidariedade de manifestações políticas ocidentais organizadas por grupos que juram protegê-las.

Parece incoerente, mas é perfeitamente justificável. Nom se engane com os discursos: se os Russos (e os Chineses) decidirem mudar de lado nessa disputa – por qualquer motivaçom mesquinha, cotidiana e pragmática – a esquerda radical irá junto, adaptando as suas motivações à propaganda da ocasiom.


Nom será a primeira vez.



Rodrigo da Silva escreveu este artigo no X (antigo Twitter), um perfil contraindicado para reacionários, populistas e apologitas de ditaduras. A persistirem os sintomas, -recomenda ele- umha biblioteca deverá ser consultada

Artigo publicado polo autor no Spotniks que no último mês está a publicar um artigo por semana sobre o conflito Israel-Palestina.


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