A batalha diplomática entre Espanha e Israel é conhecida como o “legado” de Franco.
Israel nunca perdoou o facto de Hitler ter sido um aliado do regime de Franco, e Franco nunca perdoou o boicote de Israel a Espanha na ONU por esta razom.
Quando Israel nasceu, em 1948, o seu governo abordou a comunidade internacional em busca do seu reconhecimento, com exceçom da Alemanha e de Espanha.
Em 1949, na sua primeira votaçom na ONU, Israel opôs-se ao levantamento do bloqueio a Espanha com um discurso contundente:
"Com certeza, a delegaçom de Israel [na ONU] nom afirmou que o regime espanhol tenha desempenhado um papel direto nessa política de extermínio; mas afirma que o governo franquista de Espanha foi um colaborador ativ e umamigo do regime responsável por essa política e que, portanto, contribuiu para a potência aquele regime. Ao definir a sua atitude face o projeto de resoluçom, a delegaçom de Israel nom quer discutir a questom particular da representaçom diplomática e nom tem o propósito de formular implicitamente qualquer crítica ao povo espanhol (...). A cerna, para Israel, é a aliança do regime franquista com o bloco nazi-fascista, que minou os fundamentos morais da civilizaçom e submeteu a raça humana e destrutiva de todas as provas polas que tem passado. O regime franquista, que acolheu favoravelmente e sustentou os planos nazistas da sua supremacia europeia e mundial, é o único sobrevivente da coaligaçom" (Lisbona, 2002).
A animosidade de Israel em relaçom ao regime de Franco era mais do que justificada. Franco nom foi apenas aliado de Hitler, mas fez todo o possível para impedir a emancipaçom do novo Estado judeu:
O processo teve quatro etapas bem diferenciadas. A primeira foi a mais prolongada, abarcando vinte e sete anos a partir de 1948, ano da independência do Estado de Israel, embora de facto poder-se-ia dizer que começou mesmo antes do estabelecimento do Estado. José Antonio Lisbona liga a política de Franco em vésperas do nascimento do Estado de Israel a umha sequência de factos que evidenciam a preferência da Espanha franquista pola 'causa' árabe: pesam os seus votos na ONU, o sentimento antissionista do governo, o sentimento clerical antissemita existente na altura em Espanha, a identificaçom dos emigrantes hebreus como elementos 'comunistas', a participaçom de falangistas e membros dos serviços secretos em apoio do grã mufti de Jerusalém, líder árabe palestiniano, aliado dos nazis, bem como a venda de armamento espanhol a países árabes
De facto, a “relaçom especial” de Espanha com os países árabes significou o apoio militar de Franco aos inimigos de Israel:
Documentos desclassificados da CIA mostram o apoio militar da Espanha de Franco aos países árabes na guerra de independência de Israel (1947-48) |
Franco publicou [a 9/8/1949] no jornal 'Arriba', sob o pseudónimo de Jakin Boor, a sua opiniom sobre Israel num artigo intitulado 'Alta Maçonaria': 'O reconhecimento de Israel, a sua entrada na ONU, o comportamento hipócrita e injusto com Espanha, obedecem exclusivamente a ditames da maçonaria'.
Neste contexto, Israel tornou-se um porto seguro para os catalães que fugiam do franquismo e do franquismo tardio (um facto inexplicavelmente esquecido pola esquerda catalã).
Toda esta pegada anti-israelita de Franco, este “legado”, estará em vigor para além da morte de Franco, durante os 10 anos de transiçom espanhola.
Em 1984, Felipe González declarou que 'a soluçom do problema palestiniano nom era umha condiçom para o estabelecimento de relações com Israel, que o fundamental da política exterior dum governo é defender os interesses nacionais e isso é incompatível com qualquer tipo de condicionamentos'. Alfonso Guerra foi o chefe visível da forte oposiçom a Israel dentro do governo espanhol.
Só em 1986 e como condiçom para a sua entrada na Europa é que a Espanha nom estabeleceu relações diplomáticas com Israel, num ato simbólico do fim do “legado” de Franco.
Porém, Espanha demonstrou a sua comichão com umha declaraçom unilateral além da conjunta:
Espanha estabeleceu relações diplomáticas com Israel dez anos após a morte de Franco, e apenas porque a Europa forçou o governo espanhol a fazê-lo como condiçom para o acesso à Comunidade Económica Europeia (CEE).
Ao longo dos anos, Israel e Espanha têm mantido relações diplomáticas adequadas, embora o 'legado' se tenha manifestado ocasionalmente, com a posiçom de Espanha na ONU em relaçom aos interesses de Israel, e à posiçom de Israel em relaçom ao procès independentista catalão.
Espanha pressionou [entre setembro e outubro de 2017] todos os países para condenarem a DUI [Declaraçom Unilateral de Independência catalã] e expressarem o seu apoio à unidade de Espanha.
Israel foi um dos poucos – senom o único – que nom fez o que o governo espanhol exigia.
Em Espanha viram isso claramente:
'Israel, um dos poucos países que ainda nom se posicionou de maneira oficial face a questom catalã, nom mostrou abertamente o seu apoio à unidade territorial de Espanha, já que acha que é "um assunto interno"'
Esse 'legado' saltou recentemente à tona da atualidade logo das declarações do presidente do governo de Espanha durante a sua estada em Israel e Palestina na sequência da guerra de Israel contra o HAMAS.
A longa relaçom do catalanismo com Israel e o povo judeu tem sido, em contraste com Espanha, umha característica histórica bem conhecida e documentada. Umha relaçom que sempre foi vista com preocupaçom por Madrid, que tentou boicotá-la e combatê-la sempre que pôde.
Infelizmente, umha parte da esquerda catalã esqueceu este longo caminho e assumiu o discurso -e os interesses- da esquerda espanhola (e, portanto, de Espanha) presa numha dinâmica alheia à Catalunha -e à Europa- e à sua tradiçom de amizade com Israel e o povo judeu.
A diplomacia espanhola tem trabalhado intensamente para limitar o perímetro diplomático catalão e, em particular, o estabelecimento de ligações institucionais entre a Catalunha e Israel.
O anúncio da Conselheira Serret [Governo catalão em outubro de 2022] de “congelar” a delegaçom do governo em Israel é um erro histórico. O governo catalão deve estar consciente da repercussom a longo prazo das suas decisões “diplomáticas” e nom parecer preocupado apenas por razões puramente eleitorais.
O governo catalão nom deveria trocar o legado catalão polo “legado” franquista. É necessária umha retificaçom urgente.
Toni Florido é presidente da Associació Catalana d'Amics d'Israel (ACAI), cofundador do Institut Ostrom e sócio do think-tank Societat d'Estudis Militars.
Original em catalão traduzido para o galego-português por CAEIRO para a QJ.
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