sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

A UNICIDADE DA SHOAH

 João Koatz Miragaya

Hoje, 27/01, comemora-se o Dia Internacional do Holocausto (que eu chamarei polo seu nome hebraico - Shoa).

Por que a Shoa foi um evento único?


Circula nos últimos anos a tese de que a Shoah nom seria mais do que os males do colonialismo europeu realizados em território europeu - e por isso teriam chocado tanto. Sem relativizar a imensa crueldade do colonialismo europeu, eu nom concordo.

Pode ser que houve genocídios mais cruéis do que a Shoah durante a história, mesmo na própria história contemporânea. Nom é o meu objetivo julgar crueldade do verdugo de forma comparativa, mas sim apontar o que faz da Shoah um caso único. Vamos a eles.


*Um adendo: Shoa é o genocídio dos Judeus polos nazistas, mas podemos englobar o Samudaripen (genocídio cigano) na minha explicaçom, pois foram quase idênticos. O meu pouco estudo sobre o caso impede-me de dar mais exemplos. 

O processo de genocídio dos Judeus foi gradual. A maioria dos pesquisadores crê que nom havia um plano de extermínio dos Judeus tam bem arquitetado desde o início, ele foi construíndo-se durante os anos, e a situaçom de guerra foi decisiva para que se desse.

Primeiro foi a propaganda racista e conspiracionista, transformando os Judeus no inimigo nacional (e mundial). Depois, a legislaçom racista (leis de Nuremberga). Judeus foram desumanizados aos poucos, por todos os meios possíveis.

A lei, o sistema educacional e os boicotes promovidos com apoio da sociedade civil, paulatinamente faziam do judeu menos que um animal. Vieram os incentivos para deixarem o país, expulsões, até que chegaram os guetos.

Nos países ocupados, os Judeus eram confinados em guetos, áreas delimitadas de onde nom poderiam sair. Recebiam uma dieta que variava (depende do gueto) de 200 a 800 calorias por dia. A superpopulaçom gerou doenças, que, aliadas à fome, matou muita gente.

Nom fosse o contrabando de comida, o número de mortos seria ainda maior. Além disso, Judeus eram privados de todos os seus direitos individuais, os que os transformava em escravos. O trabalho, inclusive, era umha serventia para manter-se vivos.

Nom havia direitos sociais, políticos ou civis. E os direitos comunitários também foram reprimidos: Judeus pegos a educar crianças eram presos, e muitas vezes mortos. Atividades culturais e desportivas também eram proibidas.

Agora imagine: 200 mil pessoas confinadas num ambiente onde antes viviam 30 mil, a consumir ¼ das calorias necessárias para a sobrevivência, expostos a frio (nom havia como se aquecer), calor, insalubridade, sendo proibido até cantar.


Era tanta gente que havia mão e contramão nas calçadas. Umha pessoa morria na rua, e a primeira cousa que os outros faziam era pegar as suas roupas. Livros eram jogados na lareira para aquecer as casas. E as pessoas morriam aos milhares.

Os muros do gueto nom permitiam que o resto da sociedade visse essas cenas, mas nom era segredo para ninguém as péssimas condições dos Judeus nos guetos. Quem nom vê, sente menos. Essa era parte da estratégia.

Mas tudo podia piorar. Os guetos nom eram eficientes para a produçom nazista como poderiam ser. E aumentava a quantidade de Judeus a cada lugar conquistado após a Operaçom Barbarossa, em 1941. Neste contexto veio a Conferência de Wannsee.

Os nazistas reuniram-se, apresentaram umha tabela com a quantidade de Judeus que habitaria cada país da Europa, para que fossem atrás de cada um deles, e os exterminassem. Esse documento existe, foi encontrado e ratificado. Isso é bizarro demais.

Eu nom tenho conhecimento de outro genocídio com um objetivo tam sistematizado: eles mapearam todos os locais onde habitava polo menos um único judeu, para ir atrás dele e matá-lo. E eles foram, como em pequenas ilhas na Grécia, atrás do judeu.

A totalidade da Shoah é única. A chamada “Soluçom Final” entrava em prática. E tal extermínio total nom foi executado primeiramente através dos campos, mas sim por meio de fuzilamentos e fossas comuns, sobretudo em território soviético invadido polos nazistas.


Ao entrar em países como a Lituânia, a Ucrânia, a Romênia e outros, os nazistas, além de meterem os Judeus em guetos para trabalhar, também começaram a estratégia de extermínio. Como era isso?

Os Judeus que nom iam para guetos (ou campos de trabalho forçado) eram levados para bosques, despidos - para que ficassem totalmente indefesos - e afuzilados. Mas antes, eles cavavam fossas onde se deitavam e, posteriormente, eram queimados.


Sabemos disso porque os nazistas confessaram os seus atos, e porque alguns conseguiram escapar. O método nom era infalível, alguns poucos sobreviviam. Essa foi umha das razões para que este método nom continuasse por mais tanto tempo. Mas havia outros motivos.


Os soldados que executavam as matanças recebiam doses de álcool para tomar, a fim de esquecer o que tinham feito. Mas muitos tiveram pesadelos, um ou outro recusou-se a fazê-lo. E o sistema era caro.

Foi entom que os campos de extermínio foram introduzidos (primeiro Chelmno, depois os outros): entrava em cena a indústria da morte. Começou com o gás monóxido de carbono, e passou pro Zyklon B.


Em Treblinka, por exemplo, os Judeus chegavam e deixavam tudo o que tinham. Era-lhes prometido um lugar de trabalho respeitável, para que eles cooperassem. Uns poucos eram selecionados para o trabalho do campo. Qual era?

Organizar os bens dos presos (roupas, jóias, sapatos, etc), fundir metais preciosos, costurar, fazer a organizaçom do campo (separá-los em homens de um lado e mulheres mais crianças do outro, etc). Cabia aos sonderkommando o trabalho mais difícil.

Eram eles quem separavam todos, raspavam seus cabelos e os metiam na câmara de gás. E depois de gaseificados, eram eles quem levavam os seus corpos para o crematório. Eram os únicos que recebiam álcool dos nazistas.

Esse esquema de industria da morte, além de mais barato (e até lucrativo), isentava os alemães de qualquer contato com a vítima. Cabia ao oficial da SS apenas colocar a lata de gás no lugar e apertar o botom. Nom escutava gritos, sofrimento, nada.


Sem ver os mortos, era muito mais fácil. Os sonderkommando que sobreviveram contavam que às vezes era necessária umha mangueira à jato para separar os corpos da mãe dos filhos, de tam forte que ela os abraçava.


Marcas de unha nas paredes, pessoas desesperadas tentando respirar. Mortas simplesmente porque eram judias. Sem um pingo de humanidade. E os sonderkommando, após 3-4 meses, também eram mortos nas câmaras.


Em Auschwitz-Birkenau o modelo industrial foi ainda mais moderno: enquanto Birkenau eliminava os que nom tinham funçom, centenas de milhares de Judeus foram destinados ao trabalho escravo em Auschwitz.


Umha rede de indústrias de diversos setores foi instalada ali, somente pra aproveitar essa mão de obra. Os escravos morriam de fome, más condições, doenças, tiros ou nas câmaras. E vinham outros substituí-los.


E os nazistas até mesmo designaram os kapos, soldados judeus a quem lhes era prometida a sobrevivência caso entregassem os outros e os controlassem. Jogavam uns contra os outros, e os kapos morriam da mesma maneira.

Eu poderia descrever aqui a desumanidade até depois de amanhã, mas vocês podem encontrar essas informações numha vastíssima literatura. O meu ponto aqui é só comentar sobre as particularidades desse triste evento histórico.

Eu nom conheço outro genocídio com planos tam totais, de exterminar toda a populaçom, e tudo isso documentado. E a execuçom foi extremamente eficiente, levando em consideraçom preço, custo, velocidade e questões humanas, como os efeitos emocionais que isso faria no assassino. Enquanto os alemães eram poupados de ver o sofrimento das vítimas, os Judeus eram obrigados a executar quase todo o processo.


Repito: eu nom sei se houve algo igual na história, mas incomoda-me as falsas equivalências que fazem entre a Shoah e eventos sem absolutamente nengumha semelhança. A comparaçom pode ser importante, os eventos históricos estám aí para que nos aprendamos com eles, saibamos identificar os processos que culminaram na barbárie. Eu sou totalmente a favor da comparaçom dessa maneira. A comparaçom dialética, analítica.


Porque a história é feita polos seres humanos, e se humanos foram capazes de algo assim umha vez, podem fazer outra vez. E até pior. 


Convido vocês ao debate honesto. Eu provavelmente cometi alguns pequenos erros, mas nom na essência.



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