domingo, 16 de maio de 2021

NO FUNDO DO MAR? NA LUA?

 Nurit Gil

Som dias intensos. Num dos meus livros preferidos, onde identidade pessoal e dumha naçom se misturam num romance autobiográfico de tirar o fôlego, eu tenho este trecho grifado. E como disse um amigo esses dias, entender nuances é sempre abrir caminho para o respeito.

Amos Oz, De amor e trevas

“Era umha noite de inverno e eu estava de sentinela junto com Efraim Avneri. Com botas, casacom surrado e gorro de lã a pinicar a cabeça, tomamos posiçom na trilha enlameada junto à cerca que fica atrás dos estábulos e depósitos. Um cheiro forte de casca de laranja, que era usada no preparo da raçom, misturava-se a outros odores agrícolas: esterco de vaca, palha molhada, o vapor quente do curral de ovelhas, a poeira do galinheiro. Perguntei a Efraim se durante a Guerra de Independência ou durante os tumultos que a antecederam, nos anos 30, ele atirara num desses assassinos, matando-o. No escuro nom pude ver a expressom de Efraim, mas umha certa ironia subversiva, umha estranha melancolia, sarcástica, transparecia na sua voz ao me responder, depois de refletir um pouco: 

“Assassinos? Mas o que você espera deles? Do ponto de vista deles, somos estrangeiros vindos de outro planeta, que aterrissaram e invadiram as suas terras. Devagarinho fomos tomando pedaço por pedaço, e enquanto assegurávamos a eles ter vindo para o seu bem – para curá-los dos vermes e do tracoma, libertá-los do marasmo, da ignorância e da opressom feudal -, fomos garfando mais e mais da sua terra. Entom, o que você acha? Que nos vam agradecer pola benevolência? Que viriam nos receber com fanfarras festivas? Que viriam nos oferecer numha cerimônia as chaves de todos os lugares que ainda nom tomamos só porque os nossos antepassados viveram por aqui um dia? Você ainda se surpreende quando eles empunham as armas contra nós? E agora, depois de impor-lhes umha derrota fragorosa e ter deixado centenas de milhares deles em campos de refugiados, ainda acha que vam fazer festinha para nós e nos desejar tudo de bom?” 

Fiquei atônito. Apesar de já estar bem distante da retórica do Herut e da família Klausner, eu ainda nom compreendera totalmente a realidade da argumentaçom sionista. As ideias noturnas de Efraim assustaram-me e até me revoltaram bastante. Naquele tempo ideias desse tipo seriam facilmente catalogadas como traiçom. O assombro e a surpresa levaram-me a fazer a Efraim Avneri umha pergunta inusitada: 

“Se é assim, entom por que você anda armado por aí? Por que nom vai embora de Israel? Ou pega a sua arma e passa para o lado deles?” Pude sentir o seu sorriso triste na escuridom: 

“Para o lado deles? Mas eles nom me querem ao lado deles. Em nengum lugar do mundo me querem. Ninguém neste mundo me quer, esse é o problema. Em todos os países, parece que tem gente demais do meu tipo. É só por isso que estou aqui. É só por isso que ando armado. Para que nom me mandem embora daqui também. Mas a palavra ‘assassinos’, eu nom vou usar, nunca, para os árabes que perderam as suas aldeias. De qualquer modo, em relaçom a eles nom vou usar facilmente essa palavra. Para os nazistas, sim. Para Stalin, sim. E para todo tipo de usurpador de territórios, sim, mas nom para eles.” 

“Mas pelo que você diz, nós aqui também somos usurpadores de territórios, nom? Mas os judeus nom viviam aqui há dous mil anos? Não fomos expulsos à força?”

“Bem … é muito simples”, disse Efraim, “muito simples, se nom for aqui, entom onde será o país do povo judeu? No fundo do mar? Na Lua? Ou será que só o povo judeu, de tantos e tantos povos no mundo, só nós nom merecemos ter um pedacinho de pátria?”. 

“E o que nós tomamos deles?”

“Escuta, será que você por acaso esqueceu que em 1948 eles tentaram matar-nos a todos? Em 1948 houve umha guerra terrível, eles colocaram a cousa nos seguintes termos: ou nós, ou vocês, e nós vencemos e tomamos deles (…) se eles nos tivessem derrotado, nem um único judeu teria sido deixado vivo. Nenhum!”

Fonte: CONEXÃO ISRAEL

Sem comentários:

Enviar um comentário