Henry Galsky
É difícil encontrar nesta regiom a linha que divide política interna e externa. A tensom e os ataques em curso neste momento som resultado dumha sucessom de acontecimentos internos em Israel, mas que ecoam passos e mudanças significativas da geopolítica do Próximo Oriente. A marca inicial da atual rodada de enfrentamentos está em Jerusalém e no enorme capital simbólico que a cidade carrega intrinsecamente – neste caso em especial a judeus e muçulmanos, umha vez que os cristãos nom estám envolvidos nesta disputa específica.
Jerusalém é a cidade mais sagrada do judaísmo. Nela ocorreram alguns dos factos mais relevantes da história judaica e a cidade foi construída para abrigar o Templo – cuja única ruína restante é justamente o Muro Ocidental (ou Muro das Lamentações), o lugar mais sagrado do judaísmo. Mas em Jerusalém também se encontram o Domo da Rocha e a Mesquita de Al-Aqsa, complexo que representa o terceiro lugar mais sagrado do islamismo, ficando atrás de Meca e Medina. Os muçulmanos acreditam que foi a partir deste ponto que o profeta Maomé ascendeu ao Paraíso.
Esse complexo é chamado de Monte do Templo, polos judeus, e de Nobre Santuário, polos muçulmanos.
Trazendo esse arcabouço religioso aos nossos dias, Jerusalém ocupa lugar especial, portanto, na formaçom dos mitos nacionais de israelitas e palestinianos. Entre 1948 e 1967, a cidade esteve sob domínio da Jordánia. Após a vitória israelita na chamada Guerra dos Seis Dias, em 1967, passou a ser governada por Israel. Desde entom, corre no imaginário do mundo muçulmano umha teoria de conspiraçom de que os judeus pretendem, entre outros, destruir a Mesquita de Al-Aqsa de forma a reconstruir, no seu lugar, o Grande Templo judaico – destruído e reconstruído duas vezes. A última destruiçom ocorreu no ano de 70 da Era Comum promovida polo Império Romano.
Tudo isso para dizer que Jerusalém é um ponto de permanente tensom (o que em inglês recebe o nome de “flashpoint”) e o mundo muçulmano vê com muita desconfiança qualquer movimento distinto de Israel na cidade, em especial na parte oriental. Desta forma – agora chegando aos dias de hoje e aos acontecimentos em curso – a ameaça de despejo de 70 palestinianos do bairro de Sheikh Jarrah, em Jerusalém oriental, foi acompanhada por todo esse escopo de narrativa. Israel enxerga a questom de forma mais técnica, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros classificou-a como disputa imobiliária. Isso porque neste caso de Sheikh Jarrah diferentes instâncias jurídicas em Israel determinaram que esses palestinianos vivem em casas construídas em terrenos que pertenciam a associações religiosas judaicas antes do estabelecimento de Israel, em 1948. Há umha lei no país que permite a judeus reivindicarem terrenos que se enquadram nesta situaçom.
De acordo com o site de notícias Walla, o procurador-geral de Israel, Avichai Mandelblit, escreveu umha declaraçom juramentada contendo a opiniom e a análises de membros séniores de oficiais da segurança do país alertando que o despejo das famílias palestinianas poderia levar a umha escalada de tensom. A decisom de despejo foi congelada e nom foi levada adiante. Isso nom evitou o aumento da violência por outras razões – inclusive em funçom do que escrevi mais acima sobre a ideia de que os judeus pretendem alterar o status-quo da cidade e de que esta tese encontra enorme difusom no mundo muçulmano.
Por que a situaçom é umha oportunidade ao Hamas?
Tudo isso se traduziu também numha grande oportunidade ao Hamas, o grupo terrorista que de facto controla a Faixa de Gaza. Lembrando que os palestinianos vivem em dous territórios distintos: Gaza – sob controlo do Hamas – e Cisjordânia – sob o governo da Autoridade Palestiniana (AP), grupo político com reconhecimento internacional e que mantém, inclusive, relações (frágeis) com Israel. O presidente da AP, Mahmoud Abbas, prometeu que, depois de 15 anos, estaria disposto a realizar eleições entre os palestinianos. Mas no final do último mês de abril disse que iria cancelá-las, sob o argumento de que os palestinianos que vivem em Jerusalém oriental nom teriam garantias de voto. Mas a verdade é que em 2006 Israel permitiu que palestinianos de Jerusalém participassem das eleições. Abbas estaria a usar o argumento como forma de adiar o pleito e evitar a derrota nas urnas.
O Hamas é um grupo terrorista cujo objetivo declarado é destruir Israel. O objetivo nom é a criaçom dum estado palestiniano ao lado de Israel, mas a destruiçom de Israel e a criaçom dum estado por cima de Israel. Isso é importante ser dito porque está relacionado ao conflito atual.
Em primeiro lugar, o Hamas sabe que nos últimos anos a causa palestiniana deixou de ter o monopólio dos acontecimentos regionais; a guerra civil na Síria e seus quase 400.000 mortos, a ascensom do Irã e suas pretensões hegemônicas, a aproximaçom de Israel às monarquias do Golfo som alguns dos elementos transformadores da regiom.
Por outro lado, a irrelevância cada vez maior da Autoridade Palestiniana também representa umha oportunidade ao Hamas.
O adiamento das eleições e os confrontos em Jerusalém foram interpretados polo grupo como umha espécie de tempestade perfeita para seu retorno ao palco central da geopolítica regional. Quando o Hamas iniciou a atual rodada de enfrentamento com Israel lançando sete foguetes sobre Jerusalém ele enviou duas mensagens importantes: a primeira, aos palestinianos, de que mesmo restrito a Gaza o grupo tem poder de influência no outro lado da vida palestiniana; a segunda, de que, ao contrário da Autoridade Palestiniana, o Hamas é capaz de afetar e alterar decisões israelitas em Jerusalém; e, finalmente, a terceira mensagem, a que reforça a razom de existência do próprio grupo terrorista.
Essa última mensagem é como um manifesto e é direcionada aos novos aliados de Israel no mundo árabe: a normalizaçom de relações diplomáticas entre Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Israel é a antítese do Hamas – e, portanto, entendida como ameaça direta ao grupo. A ideia de que esses países podem manter relações pacíficas contradiz o projeto do Hamas. Desta maneira, o seu isolamento – e da tese que defende, a de negaçom ao próprio direito de existência de Israel – poderia ser entendido como um primeiro passo para a sua irrelevância.
Assim, os confrontos em Jerusalém surgiram como a grande oportunidade de retorno do Hamas ao palco da geopolítica regional: o grupo reafirma-se como o único capaz de influenciar a vida palestiniana, “defender” Jerusalém (vide os mitos em relaçom à cidade sobre os quais escrevi acima), mostrar a insignificância da Autoridade Palestiniana e, finalmente, expor os países árabes que se aproximaram de Israel recentemente. Para o grupo – mesmo sabendo o preço que terá de pagar após lançar mil foguetes sobre Israel em apenas dous dias – esta era a grande oportunidade pola qual vinha esperando.
Fonte: CONEXÃO ISRAEL
Henry Galsky, fundador, administrador e editor do site Carta e Crônica, é jornalista especializado em assuntos de política internacional e com ampla vivência e pesquisa do Próximo Oriente. No ano de 2006, em Israel, cobriu para a rádio CBN o conflito que ficou conhecido como a Segunda Guerra do Líbano. No ano seguinte, já no Brasil, deu início às análises publicadas no CeC. Colaborou com o Stratfor, empresa norte-americana líder mundial no setor privado de projeções e análises geopolíticas. Durante dez anos, manteve o blog de Política Internacional do jornal O Tempo, de Minas Gerais. Desde 2007, já escreveu mais de 3 mil textos sobre Política Externa com ênfase em assuntos do Próximo Oriente.
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