O recente ataque ao Capitólio dos EUA protagonizado por apoiantes do presidente Donald Trump desvendou umha realidade que o acompanhou durante todo o seu mandato: os excessos e complacência perante a extrema direita antissemita.
Durante a campanha eleitoral que o levou à presidência dos EUA em 2016 o bilionário judeu-americano George Soros foi um alvo recorrente de Trump e dos seus apoiadores, chegando a pronunciar o nome dele nos seus comícios. Num clipe de fim de campanha, com conotações conspiratórias, apresentou os trabalhadores americanos como vítimas dos poderes do dinheiro, personificados por George Soros, Janet Yellen (entom presidenta da Reserva Federal), e Lloyd Blankfein (ex-chefe da Goldman Sachs), sugerindo que esses poderosos buscam "interesses globais especiais". A Liga Anti Difamaçom (ADL) denunciou que “a sua retórica e metáforas historicamente foram usadas contra os Judeus e ainda alimentam o antissemitismo”.
No final de maio de 2018, Donald Trump (Júnior) foi ao ponto de retuitar umha mensagem da atriz Roseanne Barr acusando Soros de ter sido "um nazista que traiu os seus companheiros Judeus assassinados em campos de concentraçom alemães e roubou a sua riqueza". Trata-se dum embuste, já que Soros tinha 15 anos no final da Segunda Guerra Mundial e só sobreviveu à Shoah usando umha identidade falsa.
Ao longo do seu mandato Trump mostrou ser mais hostil aos Judeus do que outras minorias religiosas ou nacionais, especialmente nos momentos em que encarava dificuldades. Assim sendo, perante o primeiro impeachment, promovido polo seu maior adversário, Adam Schiff, um judeu, intensificou a sua retórica antissemita e da choldra supremacista branca que o acompanha. Em agosto de 2019, vendo a sua presidência em causa, o presidente americano chegou a declarar que "qualquer Judeu que votar num democrata mostra um desconhecimento total ou umha grande deslealdade".
Como alertamos em Questom Judaica, Donald Trump é um político que pensa em termos de estereótipos antissemitas e a retórica da conspiraçom vinculada polo trumpismo som o reverso da judeofília mais ambígua.
Porém, como linha de defesa, no seu período de governo mostrou um apoio inabalável a Israel e ao seu primeiro-ministro, Binyamin Netanyahu. Durante o seu mandato os EUA reforçaram a aliança com Israel ao reconhecer, a 6 de dezembro de 2017, a Cidade de Jerusalém (incluído Jerusalém-Leste) como a capital de Israel e a transferência das embaixadas dos EUA e de dous países comandados por Washington como o Brasil e Guatemala.
Mais recentemente, promoveu umha série de tratados de paz e de normalizaçom de relações entre Israel e quatro países árabes ou arabizados, conhecido também como Tratado de Paz Abraám, com os Emirados Árabes Unidos e Bahrein (assinados em 15/9/2020), a República do Sudám (23 de outubro) e, mesmo a 22 de dezembro, após a sua derrota eleitoral, com Marrocos.
Segundo ConspiracyWatch o antissemitismo de Donald Trump apresenta polo menos três dimensões:
A primeira é tática ou instrumental: os comentários antissemitas, mais ou menos codificados, que pontuaram o seu movimento, permitiram-lhe mobilizar a alt-right e garantir parte de sua base eleitoral.
Num tweet em julho de 2016, Trump nomeou Hillary Clinton, retratada emoldurada por uma pilha de notas e umha estrela de seis pontas, como a "candidata mais corrupta da história".
Como a sua vitória foi seguida por um surto de atos antissemitas, Trump demorou a condená-los por várias semanas.
No seu discurso em memória do Holocausto em 27 de janeiro de 2017, Trump riscou do seu rascunho de discurso preparado pelo Departamento de Estado a passagem que mencionava os seis milhões de Judeus exterminados polo nazismo.
No rescaldo do ataque à sinagoga de Pittsburgh em outubro de 2018, cometido por um defensor do nacionalismo branco que denunciou a caravana de migrantes e acusou os Judeus de ajudá-los, a primeira reaçom de Donald Trump foi... culpar a sinagoga por nom ter guarda armado! Poucos dias depois, ele declarou: "muita gente diz que Soros financiou a caravana de migrantes"
A segunda dimensão é o racialismo sumário, que essencializa todos os grupos humanos ao mobilizar estereótipos ligados à raça, religiom ou sexo.
Para Trump, se os mexicanos som estupradores e os negros pobres e sujos, o que caracteriza os Judeus é o poder e o dinheiro. O ex-advogado atribui-lhe: “Eu tenho negros que contam o meu dinheiro! Eu odeio isso. As únicas pessoas com quem quero contar o meu dinheiro som os pequenos que usam kippas todos os dias. Esse é o tipo de pessoas que quero para contar o meu dinheiro. Ninguém mais".
Em 2015, ele disse à Coaliçom Judaica Republicana: “Eu sou um negociador, como todos os senhores. Ok, vocês querem controlar o seu próprio político. Eu percebo isso. Os senhores nom me vam apoiar, embora eu seja a melhor cousa que possa acontecer a Israel. É porque nom quero o seu dinheiro. "
A terceira dimensom vem da “Judeofilia oportunista”. Para Pierre-André Taguieff, os judeófilos oportunistas “som aqueles que estrategicamente se unem aos mais fortes ou aos mais poderosos, acreditando que os Judeus som os donos de tudo”.
Neste ponto é preciso relembrar a biografia de Trump. Dentro do mercado imobiliário de Nova Iorque, relata Michael Wolff em "Fogo e Fúria: Dentro da Casa Branca de Trump (2018)", “existia umha divisom entre Judeus e nom Judeus e os Trumps estavam no campo mais fraco. Os Judeus estavam no topo da lista e Donald Trump, ainda mais do que o seu pai, era visto como um arrivista. Ele colocou o seu nome em edifícios, o que parecia vulgar. Trump cresceu e montou o seu negócio na maior metrópole judia do mundo”. Trump construiu a sua carreira cortejando bilionários como Carl Icahn, Ike Perlmutter (Marvel), Ronald Perelman (Revlon), Steven Roth (imobiliário) e o recentemente finado Sheldon Adelson (cassinos). O seu mentor foi por muito tempo Roy Cohn, um advogado de Nova Iorque conhecido polos seus métodos implacáveis. Essa obsessom com o dinheiro judeu levou Eric Trump, o segundo filho de Donald Trump, a descrever o livro de Bob Woodward sobre a Casa Branca (Fear: Trump in the White House, 2018) como um livro "sem sentido" que o autor escreveu "para ganhar três shekels" (sic). Como Taguieff aponta: “O medo, a inveja, o ciúme e o ressentimento levam a declarar guerra aos Judeus ou a ficar estrategicamente ao seu lado. Em todo caso, o objetivo, mais ou menos admitido, é ocupar o seu lugar invejado”. Entre os Trumps, pai, filho e neto, a admiraçom pelos Judeus como poderosos transforma-se em ódio: eles som cortejados enquanto temidos.
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