Pierre-André Taquieff
Para entender como se construiu, durante o período pós-nazista, umha nova configuraçom anti-judia numha Europa que professa o respeito incondicional polos direitos humanos, cabe fazer alguns desvios históricos e geográficos ao abrigo tanto da história europeia quanto da atualidade mais. Nesta pesquisa, a linha vermelha está formada pola crescente islamizaçom da judeofobia, através do crescente papel desempenhado pola "causa palestiniana" no novo imaginário anti-judeu, partilhado por muçulmanos e nom-muçulmanos.
A "causa palestina" tornou-se destarte em causa árabe-islâmica, como um retorno às suas origens (décadas de 1920 e 1930), mas com um ponto de fixaçom construído como um mito repelente: o “sionismo", entidade demonizada erigida em inimigo universal (o "sionismo mundial") e Israel, o Estado considerado absolutamente ilegítimo e condenado à destruiçom. A reislamizaçom da "causa palestiniana", no contexto da ascensom do islamismo no mundo desde a década de 1990, tem sido fundamental para a produçom da nova judeofobia globalizada.
Neste contexto, velhas alegações anti-judias transmitidas pola tradiçom muçulmana foram reativadas e trazidas para o primeiro plano. Este é o caso do famoso hadith da rocha e da árvore que se acha na Carta Hamas:
"Deste modo, embora os episódios estejam separados uns dos outros, a continuidade do jihad quebrou-se polos obstáculos colocados pola constelaçom do sionismo, o Movimento da Resistência Islâmica [Hamas] aspira à realizaçom da promessa de Deus, seja qual for o tempo necessário. O Apóstolo de Deus –a quem o próprio Deus deu a bençom e paz- disse: "A Hora virá quando os muçulmanos tiverem combatido os Judeus (isto é, que os muçulmanos os tiverem matado), quando os Judeus se tiverem escondido atrás de pedras e árvores, e as pedras e as árvores tiverem dito: 'Muçulmano, servo de Deus! Um judeu está escondido atrás de mim, vem cá matá-lo. ' Umha única árvore será exceçom, o gharqad [tam espinhoso] que é umha árvore dos judeus "(hadith narrado por Al-Bukhari e e por Muslim)."
Na propaganda "antissionista" também se reciclaram as acusações de morte dos profetas, a falsificaçom dos livros sagrados, a propensom judia de mentir e de espalhar a corrupçom e a guerra civil.
Na propaganda "antissionista" também se reciclaram as acusações de morte dos profetas, a falsificaçom dos livros sagrados, a propensom judia de mentir e de espalhar a corrupçom e a guerra civil onde aparecem os estereótipos negativos indefinidamente explorados: os Judeus seriam enganosos e traidores (referindo-se ao conflito entre o Profeta e os Judeus de Medina), avarentos e crueis, inimigos de Deus e da humanidade, corruptos e corruptores.
Mas nom se deve esquecer que o fenómeno cultural de transferência de temas anti-judeus europeus para o mundo árabe-muçulmano, iniciado no final do século XIX, atingiu umha escala crescente no Próximo Oriente durante a luta dos Árabes contra o sionismo na sequência da Declaraçom de Balfour de 2 de novembro de 1917. A rejeiçom árabe e muçulmana da criaçom dum "lar nacional judeu" na Palestina foi imediata e alimentou-se ideologicamente polo uso de estereótipos e de temas acusatórios emprestados do corpus do antissemitismo europeu. Este é o caso da lenda do "assassinato ritual", o mito da "conspiraçom judaica mundial" ou a mais recente acusaçom de "racismo", que alimenta desde a década de 1970 a "nazificaçom" de Israel e do sionismo. Devido a estas inversões simbólicas, a fasquia ordinária do conflito israelita-palestiniano como um conflito estritamente político e territorial é enganosa. O conflito nom pode ser reduzido ao simples choque de dous nacionalismos rivais, envolvendo os conflitos de legitimidade mais ou menos superáveis. Goste ou nom, o conflito tende a tomar a figura dum conflito judaico-muçulmano.
Como demonstrado por umha série de estudos históricos, o primeiro momento do processo de transformaçom do antigo antissemitismo europeu para judeofobia antissionista dotada dum significado político encontra-se no período de entre guerras, particularmente durante a década de 1930, quando a temática anti-judia cristã-europeia entrou em síntese com o anti-judaísmo muçulmana teológico-religioso. Foi nessa altura em que a Irmandade Muçulmana liderada por Hassan al-Banna, o "Grande Mufti" de Jerusalém Haj Amin al-Husseini e vários líderes árabes, como o iraquiano Rashid Ali al-Gaylani, entraram em contato com os nazistas antes travar algumhas alianças que se revelaram totalmente durante a Segunda Guerra Mundial.
O medo dos Árabes muçulmanos, em seguida, gira em torno da transformaçom da Mesquita de Al-Aqsa numha sinagoga, boato que, desde o início da década de 1920 e sob várias formulações, continuou a causar tumultos, pogroms e derramamento de sangue.
A importaçom do antissemitismo europeu no mundo árabe-muçulmano, marcado notadamente pola primeira difusom d’Os Protocolos dos Sábios de Siom e da sua temática conspiracionista no Próximo Oriente, tomou um significado político desde o início dos anos 1920, quando os ideólogos do pan-arabismo e do pan-islamismo ligaram a questom palestiniana indistintamente à ameaça "judia" e "sionista" pairando sobre os Locais sagrados do Islã. O medo dos Árabes muçulmanos, em seguida, gira em torno da transformaçom da Mesquita de Al-Aqsa numha sinagoga, boato que, desde o início da década de 1920 e sob várias formulações, continuou a causar tumultos, pogroms e derramamento de sangue. Esta falsa acusaçom transmitida polo slogan "Al-Aqsa está em perigo", lançada e operada polo "Grande Mufti" de Jerusalém, foi a causa da segunda Intifada, antes de voltar no outono de 2015 para justificar umha nova vaga de ataques terroristas contra os israelitas. À denúncia da "ocupaçom" de Jerusalém ("Al-Quds" ou "al-Quds"), onde se acha o terceiro lugar santo do Islã, acrescenta-se a da "judaizaçom" da cidade assumida como muçulmana. A versom atualizada do slogan islamista é agora "Polo sangue vamos retomar a Al-Aqsa", fórmula mobilizadora juntamente com o grito de "Allahu akbar". A islamizaçom da "causa palestiniana" chegou a um ponto de nom retorno. A multiplicaçom de ataques palestinianos contra os israelitas sugere que umha terceira intifada está prestes a rebentar. É neste contexto que muitos líderes palestinianos arrastam para umha radicalizaçom dessa Intifada incipiente. No início de março de 2016, Abu Ahmad Fuad, vice-secretário geral da FPLP, saudou a ajuda iraniana às famílias dos palestinos "candidatos para o martírio": "Estas capacidades e esta ajuda vam levar a umha escalada da Intifada. Sim. E isso é o que queremos. (...) O candidato para o martírio deve saber que vamos cuidar da sua família. (...) Este apoio vai ajudar essas pessoas a continuar a luta e sacrifícios ".
Propaganda palestiniana chamando a defender Al-Aqsa |
A anexaçom islâmico-árabe simbólica do Monte do Templo representa a ultima manipulaçom palestiniana bem sucedida da questom de Jerusalém. O comité executivo da Unesco, reunido em Paris, adotou em 12 de abril de 2016 umha resoluçom proposta pola Autoridade Palestiniana afirmando que nom há nengumha ligaçom religiosa entre o povo judeu e o Monte do Templo e o Muro Ocidental (Muro das Lamentações). A resoluçom refere-se ao Monte do Templo como um local exclusivamente muçulmano, conhecido como a "esplanada das Mesquitas ". O texto, apresentado conjuntamente pola Argélia, Egito, Líbano, Marrocos, o Reino de Omã, Catar e o Sudám, acusa o Estado judeu de profanar a Mesquita de Al-Aqsa e de escavar "falsos túmulos judeus " nos cemitérios muçulmanos de Jerusalém. Com a Espanha, Eslovénia, Suécia e a Rússia, a França votou em prol deste texto de propaganda. Isto levanta umha acusaçom propagandística bem conhecida: a da "judaizaçom" e a "Israelizaçom" de Jerusalém, tópico privilegiado da nova propaganda "antissionista". A acusaçom foi feita nestes termos em 31 de março de 2016 por um jornalista militante da "causa palestiniana", Mohamed Salmawy:
"O que diz a UNESCO sobre as agressões ao património arquitetônico e religioso da cidade santa de Jerusalém? A judaizaçom e israelizaçom de tudo o que é árabe e muçulmano começou a despertar a ira da opiniom pública mundial em geral. Além disso, existem muitas declarações emitidas por partes conhecidas polo seu alinhamento cego com Israel, expressando a sua rejeiçom às agressões israelitas aos locais sagrados em Jerusalém, além do santuário de Abraão (a Caverna dos Patriarcas) ".
A 21 de outubro de 2015, a Unesco classificou a Caverna dos Patriarcas e o Túmulo de Raquel, dous locais sagrados judaicos em Israel, como locais muçulmanos do Estado palestiniano.
Este boato persistente dumha conspiraçom judaica para destruir um dos Lugares sagrados do Islã explica a centralidade e a recorrência da questom de Jerusalém no conflito político-religioso entre judeus e palestinos-muçulmanos.
Este boato persistente dumha conspiraçom judaica para destruir um dos Lugares sagrados do Islã explica a centralidade e a recorrência da questom de Jerusalém no conflito político-religioso entre judeus e palestinos-muçulmanos. Este tópico tem a vantagem, -para a propaganda palestiniana e as suas variantes islamitas-, de provocar mecanicamente a simpatia e solidariedade de todos os muçulmanos, sunitas ou xiitas, e de levá-los a trilhar "o caminho da jihad "para a defesa de Al-Aqsa. Os islamitas radicais há muito tempo integraram o tópico da acusaçom nos seus discursos de propaganda para alimentar um antissionismo radical e demonológico poderosamente mobilizador. Na mobilizaçom dos islamitas e dos seus círculos simpatizantes (dos passivos aos cúmplices) acresceta-se a mobilizaçom de vários meios políticos, indo da esquerda radical para a maioria dos grupos neofascistas ou neonazistas, em favor da "causa palestiniana", com base numha demonizaçom de "sionismo" e de Israel.
A islamizaçom da "causa palestiniana" está em aceleraçom contínua desde a criaçom do Hamas em dezembro de 1987, o que lhe deu umha expressom organizada. Cabe lembrar o artigo 13 da Carta do Hamas, lançada em 18 de agosto de 1988? "A única soluçom para a causa palestiniana é o jihad." Esta islamizaçom jihadista tem o efeito de transformar um conflito político e territorial mumha guerra sem fim, alimentada por paixões étnico-religiosas que afastam a busca de compromisso que apenas pode garantir umha paz precária entre judeus e palestinos (e em geral os estados árabe-muçulmanos).
Depois de anos de fantasias terceiro-mundistas, anti-israelitas e américanófobas, os intelectuais franceses confrontaram-se brutalmente com a realidade histórica polos ataques de 11 de Setembro, os massacres cometidos em nome do Islã na Síria e no Iraque ou os atentados de Paris de janeiro e de novembro de 2015. Este acordar brutal levou alguns deles a negar, minimizar ou relativizar os factos que nom encaixam no seu horizonte de expectativas. Daí a deriva conspiracionista. Se o espetáculo do mundo nom mostrar o quadro que é feito dele ou o contradizer, entom a tentaçom é grande de recorrer às "teorias da conspiraçom" que possuem a vantagem de parecer explicar o que nom se pode explicar e de preservar, destarte, os dogmas ideológicos e a sua aparente coerência. Os negadores dos ataques de 11 de Setembro mostraram o caminho.
Segundo as teorias da conspiraçom, as guerras surgidas na sequência da Primavera Árabe tem carimbo sionista para enfraquecer os estados árabes inimigos de Israel. |
Os conspiracionistas de hoje aplicam os mesmos esquemas interpretativos a eventos que perturbam ou contradizem a sua visom do mundo. Eles imputam, por exemplo, a apariçom do Daesh a umha vasta conspiraçom "sionista" para enfraquecer os Estados árabes e pôr em dificuldades o Irã. Ou mesmo eles sugerem que os ataques mortais de janeiro ou novembro 2015 som o resultado de manipulação dos serviços secretos, onde o Mossad é sempre bem colocado. Nas novas teorias conspiracionistas, os interesses "sionistas" funcionam como os "interesses de classe" na vulgata marxista ou os "interesses de raça " nas doutrinas racistas clássicas. Os "antissionistas" que afirmam serem anti-racistas reinventam assim um modo de acusaçom racista.
Segundo os conspiracionistas, o Estado Islâmico seria umha criaçom sionista! |
Mais um exemplo de conspiracionismo antissionista em circulaçom nas redes sociais: Surge a questom: Por que Israel nunca é atacado polo ISIS? |
Pierre-André Taguieff é filósofo, cientista politólogo e historiador das ideias. Ele é diretor de investigaçom do CNRS, ligado ao Centro de Investigações Políticas da Sciences Po. Ele é o autor de Une France antijuive? Regards sur la nouvelle configuration judéophobe. Antisionisme, propalestinisme, islamisme, Paris, CNRS Éditions, 2015 et L'Antisémitisme, Paris, PUF, coll. «Que sais-je?», 2015
Texto tirado de RESILIENCE TV, traduzido para o galego-português por CAEIRO.
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