sábado, 7 de dezembro de 2013

COIMBRA

Cidade portuguesa banhada polo Rio Mondego, situada na regiom da Beira, com cerca de 116.200 habitantes.

No século VIII é ocupada polos Mouros, tornando-se num importante entreposto comercial entre o norte cristão e o sul árabe/muçulmano. Em 971 torna-se Condado de Coimbra, mas apenas em 1064 a cidade é de vez reconquistada por Fernando Magno da Galécia-Leom. 

Existe um documento do ano 950 em que o Conde Ximeno e sua mulher, Adosinda Guterres, doaram ao Mosteiro de Cela Nova, na Galiza, prédios pertencentes a Judeus em Quires (Taveiro), nas redondezas de Coimbra. Em 1099, a aldeia de Enxofães, hoje freguesia de Murtede, no concelho de Cantanhede, é dita "villa que est de illos Hebreus" (aldeia que é dos Judeus).

Berço de D. Afonso Henriques, em 1129 torna-se na capital do Condado Portucalense, substituindo Guimarães.

No século XII multiplicam-se as referências de Judeus proprietários de prédios urbanos ou rurais em zonas muito próximas do núcleo muralhado (Montarroio, Arnado ou Ribela). É exatamente no topo poente do vale da Ribela e à cota mais baixa que, a partir da década de 1130, o Mosteiro de Santa Cruz inicia umha política de emparcelamento de bens para a construçom do núcleo central da instituiçom. Assim sendo, entre os documentos que testemunham a aquisiçom dos diversos terrenos encontram-se inúmeras referências a Judeus, quer enquanto proprietários, quer a propósito de confrontações. Num dos primeiros, de dezembro de 1129, surge a mais antiga prova da existência do bairro judaico, nessa altura situado na encosta noroeste da cidade, acompanhando polo exterior a linha de muralha, na riba mais tarde conhecida por Corpo de Deus. Se em 1130 torna a mencionar-se o "arravalde de illis Iudeis", em 1137, a propósito da demarcaçom da paroquia de S. João de Santa Cruz, produz-se a primeira atestaom documental da presença judaica em Coimbra com as menções à "ripam Iudeorum" a "almocoravaram" (cemitério próprio ou almocávar) ou ao "viccus Iudeorum" indiciam um espaço judaico perfeitamente consolidado.

Nessa altura Coimbra apresentava umha estrutura urbana. A Universidade, fundada em 1290, é a primeira Universidade portuguesa e umha das mais antigas da Europa. O posicionamento da Judiaria de Coimbra manter-se-á até à década de 1370, sobrevivendo a toda a reorganizaçom urbana e urbanística desencadeada por D. Afonso Enriques quando a cidade se torna a "capital" do novo reino.

Em Coimbra existiram duas judiarias: a velha e a nova. A Judiaria Velha estava situada fora das muralhas, entre a Porta de Almeida e Porta Nova, na encosta que hoje tem, como arruamento principal, a Rua Corpo de Deus. A Judiaria Nova, situar-se-ia na zona entre Sansão, a norte da atual Rua Direita, e o Arnado.
Judiarias de Coimbra. GoogleEarth
Na Judiaria Velha de Coimbra existiram umha sinagoga, que para alguns teria funcionado no local ou perto do local em que em 1360 se ergueu a Capela da Nossa Senhora da Vitória, umha carniçaria e umha albergaria para doentes e necessitados. Um pouco mais afastado estaria o cemitério judaico. Nesta zona, junto ao jardim da Manda, ainda persiste um local chamado de Fonte dos Judeus. Talvez houvesse Judeus fora desse bairro, mas os Judeus concentravam-se maioritariamente naquele bairro.


Capela de Nossa Sra. da Vitória, vista da R. do Corpo de Deus. GoogleMaps
Para além da que hoje se chama Rua do Corpo de Deus, teria existido um "caminho que vai para a ermida do Corpo de Deus", hoje um curto beco à esquerda consoante se ascende pola rua atual, umha Rua de Moreira, da Marçaria (de pequeno comércio) referidos num documento de 1395 (Livro do Almoxarifado). 
Local de acesso à R. do Corpo de Deus, na Judiaria Velha de Coimbra
Interior da R. do Corpo de Deus. GoogleMaps
Segundo J. Pinto Loureiro, na sua obra Toponímia Coimbrã, a hoje Rua Corpo de Deus "...tem sido ao longo dos séculos sucessivamente Judiaria, Judaria ou Judaísmo, Rua do Príncipe, Rua do Corpo de Deus, Rua Pedro Cardoso, novamente Rua do Corpo de Deus, outra vez Rua Pedro Cardoso, e, finalmente Rua Corpo de Deus, que um memoralista crúzio denominou também Rua de Corpus Christi".

R. do Corpo de Deus, na Judiaria Velha de Coimbra. GoogleMaps
Possivelmente as atividades económicas desenvolvidas pola comunidade judaica eram muito diversificadas. Enquanto algumhas famílias dedicar-se-iam a ofícios mecânicos (calçado ou marroquinaria), alguns Judeus mais abastados e influentes ocupar-se-iam das finanças (por ex. em arrolamento de moeda). Outras famílias dedicar-se-iam à agricultura nos férteis terrenos da Ribela.
Arruamento da Judiaria Velha de Coimbra. GoogleMaps
Localizaçom da Judiaria Velha na planta de Coimbra, com reconstruçom do traçado da muralha antiga.

A Judiaria Velha, apesar de o limite sul, onde se situava a porta principal, abrir sobre a R. da Calçada (o eixo comercial que atravessava toda a cidade baixa), a sua implantaçom arriba acima e paralela ao circuito muralhado, deixava-a à margem dos principais eixos sem que o seu atravessamento fosse crucial para o quotidiano da maioria cristã. Tamponada a norte e nordeste polos terrenos afectos ao Mosteiro de Santa Cruz, a via principal da judiaria dava acesso a umha encosta desabitada onde o único equipamento existente erao almocavar judeu.

Na atualidade a zona da Judiaria Velha está bastante descaracterizada devido à reforma de D. Fernando I, em 1370, que decidiu destruir o casario, após ter visto judiaria e muralhas arrasadas nas guerras com Castela e demarcar um novo local para a judiaria.

Isto forçou os judeus a deslocar-se para a chamada Judiaria Nova, mais afastada do centro, daí que fosse conhecida como a "judiaria do arravalde" estava situada perto do Rio Mondego. Apesar desta demarcaçom, a Judiaria Velha nom foi totalmente abandonada. O Livro do Almoxarifado mostra que em 1395 aí havia casas "derrubadas", ou que estavam em "rossio", ou que jaziam "em chão", mas havia ainda casas habitadas por Judeus.
Arruamentos da Judiaria Nova de Coimbra. GoogleMaps
Esta Judiaria Nova de Coimbra, é conhecida nos documentos da época como "judiaria do Sansam" ou "judiaria acerca de Sansam", por estar situada no local da atual Praça 8 de Maio (antigo Sansão). Embora nom sejam conhecidos os limites exatos da Judiaria Nova de Coimbra, talvez tenha sido demarcada polas ruas que hoje se chamam Nova (desde o ano 1504), Direita e do Arco do Ivo, bem como polo Terreiro e Travessa do Marmeleiro.

Calcula-se que na Judiaria Nova também tenha funcionado umha sinagoga (foram encontradas partículas de sal, usadas na purificaçom dos espaços), junto dum arco de pedra denominado Porta Mourisca, referida nos documentos do séc. XV como "Porta Mourisca para a Judiaria", talvez na na confluência das atuais ruas Direita e de João Cabreira
Local de confluência da R. Direita com a R. João Cabreira. GoogleMaps
A construçom da Judiaria Nova produziu-se para o lado da atual Rua da Sofia, com umha casas voltadas para a Rua Nova e outras para o Adro de Ivo, formando um largo ou pátio na zona interior, sendo possível que este pátio tivesse acesso por umha travessa que partiria da Rua Nova ou do Ardo do Ivo (ou por duas travessas partindo das duas ruas).
Ao fundo, R. Direita, vista da Pr. de Sansão (Pr. 8 de Maio). GoogleMaps
Outro dos elementos que faz com que os limites da Judiaria Nova sejam difíceis de definir, é que a zona foi, em parte, destruída para abrir a Rua da Sofia, na altura considerada a mais larga da Europa. 

Embora a comunidade judaica de Coimbra fora foreira quase na totalidade da coroa, quando foi desativada a Judiaria Velha, o novo bairro judeu, implantado a escassos metros do Mosteiro de Santa Cruz, é essencialmente constituído por terrenos desse cenóbio, a par doutros do cabido e da colegiada de Santa Justa.


Nos séculos XIV-XV o convívio entre Judeus e cristãos deteriora-se e os Hebreus passam a ser perseguidos. A ocorrência mais grave teve lugar em 1395, sob a liderança dum hierarca da igreja e vários sacerdotes.

Com o édito de expulsom dos Judeus de 1496, as autoridades político-religiosas permitiram a destruiçom do cemitério judeu de Coimbra e a venda das suas campas e lápides funerárias, apagando, deste jeito, a que poderia ser a melhor fonte para resgatar a memória da Coimbra Judaica. Arrematado por Pedro Alvares de Figueiredo, escudeiro, o concelho pôs em causa a sua posse na altura de 1520. A resoluçom da contenda passaria por deixar ao antigo proprietário parte do terreno, revertendo a restante (numha proporçom de 1 para 19) para a cidade.


A partir do séc. XVI e ao longo de dous séculos, os Judeus serám os alvos privilegiados da Inquisiçom. De facto, em Coimbra sediou um tribunal inquisitorial, um dos quatro que operavam em território português, além de Lisboa, Évora e Goa.

O Tribunal de Coimbra, que julgou muitos conversos distinguidos, processou mais de 11.000 casos entre 1541 e 1820. No total, por volta de duas centenas de pessoas terám sido queimadas em praça pública, acusadas de crimes contra a igreja, por bruxaria e ausência de bons costumes e principalmente por judaísmo. Para além do “fogo” as sentenças incluíam ainda: a exposiçom em pelourinho, a forca, o esquartejamento, o garrote, o empalamento, os tratos de polé, as atormentações na roda. Por vezes praticava-se o corte de membros e da cabeça, com exposiçom no local do suplício até consumaçom, e também o sacrifício em estátua, por indesejada ausência do condenado. Outros ainda foram condenados ao cárcere perpétuo. 

Assim sendo, no tecto da denominada sala das tormentas no Pátio da Inquisiçom de Coimbra subsiste ainda umha argola que servia para içar os prisioneiros, em sessões de tortura. Este edifício de funesta relembrança, acha-se na Alta e antes de passar para a Inquisiçom tinha servido como Colégio das Artes. À entrada do pátio, à direita, situavam-se os aposentos dos secretários, no topo ficavam os aposentos dos inquisidores, com um terraço avarandado com vistas, tendo por baixo a casa do tormento ficavam os cárceres.

Outro local da intolerância religiosa era a Praça do Comércio, onde decorriam os autos da fé. Na Rua de Sofia acima referida ainda é visível o local por onde passavam os prisioneiros da Inquisiçom, que eram executados à beira do rio.

Os processos da Inquisiçom duravam meses ou mesmo anos, durante o qual o acusado foi detido na prisão. Considerando alegadamente que as acusações eram motivadas principalmente polo desejo de confiscar e de apossar da propriedade do acusado, é de salientar que as profissões e ofícios mais frequentes dos processados foram, em ordem decrescente, sapateiros , comerciantes, padres, fazendeiros, curtidores e tecelões. Relativamente à sua origem, os acusados procediam em grande  número de Bragança, Braga, Porto, Viseu, Aveiro, Guarda e Coimbra. 

A partir dos sermões pregados nos auto de fé, sabe-se que mães e avós foram responsabilizadas  ​​por manter práticas e crenças judaicas entre os conversos. Assim, durante o primeiro século da sua existência, a Inquisiçom de Coimbra julgou mais mulheres do que homens.  Ainda em 17 de junho de 1718, existe um caso de auto de fé contra mais de 60 criptojudeus, alguns para umha quinta ou sexta vez. Dous foram queimados na fogueira e o resto forcados, entre eles Dr. Francisco de Mesquita de Bragança e Jacob de Castro Sarmento.

Apesar desta repressom, Coimbra foi um centro considerável da comunidade judaizante (marrana) nas décadas de 1530 e 1540. No século XVII Antonio Homem, professor de Direito Canónico na Universidade de Coimbra, levou um conciliábulo de ilustres judaizantes marranos. Muitos marranos, para além de Homem frequentaram a Universidade de Coimbra, entre os quais, o distinguido dramaturgo e mártir, Antonio José da Silva  (morto em 1739). Outros, como Antonio Fernando Mendes (morto em 1734), mais tarde convertido ao judaísmo Inglaterra, fizeram parte do seu corpo docente.

Muitos dos cristãos-novos presos como judaizantes em Ferrara em 1581 eram refugiados da regiom de Coimbra. Três deles, incluindo Joseph Saralvo, que se gabava de devolver 800 marranos ao judaísmo, foram condenados à morte em Roma dous anos depois. 


Entre novembro de 2008 e abril de 2009 a divisom de museologia da autarquia promoveu um percurso cultural e umha exposiçom, sob o nome de "Coimbra Judaica", a fim de resgatar o património da presença judaica nesta cidade.

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