A viagem mais bonita a Ribadávia é desde Ourense de trem, o rio, os vales. Melhor no outono, quando tanto vinhedo em socalcos se torna dourado, logo ensanguentado. Ribadávia tem muita história, a capela pré-românica de Francelos, o castelo e as muralhas. Já se sabe: a História. Mas a História é cata-vento que assinala sempre o vento dos vencedores, por isso há tam poucos estudos históricos sobre o esplendor judeu que houve entre nós. O que foi vencido nom faz parte da nossa memória histórica. Ribadávia é hoje umha vila que aponta a decadência em muitos aspectos, nesse rueiro franquista (general Aranda, general Queipo de Llano), também no ritmo lânguido da sua vida; isto torna-a atractiva para quem vem da cidade ansiosa. Contodo, houve umha época em que foi cidade próspera, com peso político e económico. A sua economia alicerçou-se no vinho do Ribeiro, que fornecia o reino e exportava-se para Inglaterra, Irlanda, Holanda, e na atividade dumha judaria próspera. Hoje fica o vinho, alguns moços adegueiros conseguiram recuperar o melhor paladar e umha cooperativa o industrializa, mas dos judeus apenas fica o rasto doente da luz que se apagou.
O bairro judeu é um eco do que foi, é o que está desaparecido e imaginamos, um aura de cousas tristes. É um vazio que está declarado monumento nacional e ao que um recente reviver da memoria local deu-lhe alento, ecos, como o Bar "O Xudío", Artesania Memorali, que nos oferece 20% de desconto (um candelabro de sete braços); o pub Sefirot, com luz de néon azul; Chacinaria Maria Rosa a Hebraica, que está fechada e nom podemos saber se trabalha porco ou cabritos. E a mobilizaçom da populaçom para comemorar a cada ano a Festa da Istória, celebrada até o ano 1846, em que Galiza se convulsionou numha revoluçom liberal e autonomista, fracassada, claro. O eco destas celebrações do tempo judeu chegou ainda até o 36 em comparsas de carnaval, o Entrudo, como "A Guarda Xudía" ou "Os xudeus". Desde há poucos anos, os vizinhos tornaram a vestir-se de judeus medievais e a sua Festa da Istória atrai cada ano a mais forasteiros (nesta ocasiom o 1 de setembro).
Na atual praça da Madalena está o bom edificio que foi a sinagoga dos séculos XII ao XIII, hoje casa de vizinhos, e que conserva restos da porta e colunas exteriores. No primeiro andar, um televisor fala e emite os seus reflexos. Num lateral está a taberna "O Papuxo", umha interessante viagem no tempo a umha taberna medieval; dali sai um túnel duns 25 metros utilizado para celebrar o culto judeu logo da proibiçom ou bem para fugir em caso de perseguiçom. Num local contíguo instalou-se um pub, agora fechado; lá chega umha canalizaçom de água que desemboca numha gárgula, provavelmente enchia o Banho do Ritual. Inexplicavelmente, estes restos nom foram escavados nem estudados, e só temos ruínas maltratadas.
Bairro da Madalena, Ribadávia |
Quem guarda a memória cumha fidelidade exemplar é a dona da Tafona de Hermínia, que exibe a Estrela de David no seu letreiro e coze pastas e pastéis saborosos com receitas judias. Hermínia mostra o seu livro onde assinam os visitantes, na sua maioria judeus de vários países; caracteres em hebraico misturam-se com palavras castelhanaas, galegas, inglesas. Cada mensagem, a pegada de alguém que procura a sua memória afastada. Hermínia, na sua loja próxima da Porta Nova, o muro da judiaria, é a guardiã da memória e a embaixadora dum país desaparecido.
Tafona da Hermínia, Ribadávia |
É de noite, faz um frio húmido nesta Ribadávia de pedra. Onde havia umha alameda muito bonita, estám a fazer um parque de estacionamento. Dalgum lado chegam as disciplinadas gaitas dumha dessas estranhas bandas quase escocesas, salvo com saia e bonete, que a Deputaçom alastra pola província, sem dúvida um pólen de internacionalidade ou algo assim. O amplo local do Círculo Artístico acolhe a anciãos distinguidos e senhoras ao parchis. Passa o trem sobre o rio com estrondo familiar e doméstico.
Sabor delicado.
De manhã vamos para Santa Maria de Beade, as cepas chegam ate o cemitério (que sabor delicado terá esse vinho?). Ao pé da igreja, um calvário de três cruzeiros. No mesmo lugar, umha pedra, A Pingueira, onde contam que a Inquisiçom torturava os judaizantes.
Mais adiante, a paróquia de Berám, que tem um balneário de águas sulfurosas e ferruginosas, e onde ainda cozem umha peça de pão sem fermento ao que chamam de "passeada". Perto de Ribadávia, ainda que já pertencendo ao concelho do Carvalhinho, está a aldeia de Paços de Arenteiro, onde Florentino, ilustrado e amávem sacristão, vem de podar as suas cepas e mostra a Estrela de David gravurada num muro face a igreja templária. Ao costado desta bela igreja, o Cadillac dum emigrante americano.
Hexagrama em Paços de Arenteiro, Boborás |
Perto de Paços está um descobrimento, o bairro judeu da aldeia de Quintela-Cabanelas, unha aldeia agonizante e formosa, habitada na sua maior parte por velhos. No alto da aldeia, um grupo de casas de pedra com janelas geminadas, umha fonte de boa cantaria, todo um bairro de telhados caídos, ruínas e silvas. A Casa do Arrecadador, que era habitaçom e na sua parte baixa, seguramente, sinagoga. Com umha Estrela de David em relevo no lintel e as faces dos donos, o judeu e a judia, aos lados.
Estrela de David em Quintela - Cabanelas, Carvalhinho FOTOGRAFIA de MANUEL GAGO |
Caracteres hebraicos na pedra. Todo caído e desconhecido. Unha anciã vizinha acompanha-nos com cuidado entre traves caídas e silveiras alternando o relato do seu mal de coraçom com as historias dos antigos habitantes. As ruínas de Cabanelas movem a refletir sobre a ideia empobrecedora dum Estado-naçom que nom inclui o judeu, o muçulmano, o diferente. Como seriam hoje Cabanelas, Ribadávia, tantas povoações e cidades galegas, se os Reis Católicos nom expulsassem os judeus?
Publicado em espanhol no suplemento El Viajero do jornal El País (21/6/2001).
Publicado em espanhol no suplemento El Viajero do jornal El País (21/6/2001).
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