sábado, 29 de março de 2025

O OPORTUNISMO POLITICO DE BENJAMIN NETANYAHU E A INSTRUMENTAÇOM DO COMBATE AO ANTISSEMITISMO

 Matheus Alexandre


Nas últimas semanas, um intenso debate tomou conta da opiniom pública após Elon Musk realizar umha saudaçom nazista durante a posse de Donald Trump como presidente dos EUA. A atitude foi amplamente condenada por especialistas em fascismo e nazismo, que apontaram a crescente proximidade do bilionário com o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD), grupo cuja trajetória é marcada polo antissemitismo.

A saudaçom nazista do Elon Musk


O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, veio a público quase que imediatamente em defesa de Musk. Para muitos, essa atitude pode parecer surpreendente.


Para nós, nom.


Netanyahu tem um histórico de distorçom dos factos sobre o Holocausto. Em 2015, ele declarou que Hitler nom pretendia inicialmente exterminar os judeus, mas teria mudado de ideia após um encontro com Haj Amin al-Husseini, mufti de Jerusalém, que supostamente teria sugerido a queima dos judeus em vez da sua deportaçom. Essa afirmaçom foi prontamente refutada por historiadores, que demonstraram que a Soluçom Final já estava a ser articulada antes da reuniom entre Hitler e al-Husseini, ocorrida em novembro de 1941.


Além de historicamente falsa, essa narrativa tinha umha consequência clara: transferir a responsabilidade polo Holocausto para os palestinianos, minimizando o papel central do regime nazista no extermínio judeu.


Netanyahu também tem sido um aliado estratégico da extrema-direita europeia, trocando apoio político por vantagens diplomáticas. Para fortalecer a posiçom de Israel na Uniom Europeia e em fóruns internacionais, ele nom hesitou em se associar a partidos e líderes herdeiros do antissemitismo histórico europeu, contribuindo para a reabilitaçom da imagem dessas lideranças políticas. Ao analisarmos as ideologias e vínculos desses partidos, rapidamente encontramos as raízes no nazismo e nos seus colaboradores.


Um exemplo emblemático dessa aliança é a proximidade de Netanyahu com Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria. Orbán tem repetidamente feito relativizações do Holocausto e já foi duramente criticado por exaltar figuras do seu país ligadas ao colaboracionismo nazista, como Miklós Horthy, regente do país entre 1920 e 1944. Horthy, que colaborou diretamente com Hitler, foi responsável por leis antissemitas e pola deportaçom de mais de 400 mil judeus húngaros para Auschwitz. Mesmo assim, Orbán o classifica como um “estadista excepcional”. Para Netanyahu, a aliança com Orbán justifica-se, nas suas palavras, por “muitas cousas que compartilhamos no passado e no presente”. O que de facto está a ser compartilhado, no entanto, é a exploraçom política do antissemitismo para fins estratégicos, enquanto a verdadeira memória do Holocausto é manipulada e distorcida em nome da conveniência geopolítica.


Outro exemplo desse oportunismo político ocorreu em agosto de 2019, quando o jornal Israel Hayom, alinhado ao partido Likud de Netanyahu, defendeu a abertura dum diálogo oficial com a AfD alemã, agora defendida por Musk.

O partido AfD nom dissimula as suas saudades do nazismo

Poucos meses depois, em maio de 2020, Yair Netanyahu, filho do primeiro-ministro, tornou-se um símbolo da AfD ao publicar um tweet inflamado pedindo a destruiçom da Uniom Europeia. Em resposta à Delegaçom da UE em Israel, ele escreveu:

“A zona de Schengen está morta e, em breve, a sua organizaçom globalista maligna também estará. A Europa voltará a ser livre, democrática e cristã!”


O envolvimento dos Netanyahu com figuras e movimentos de extrema-direita também ficou evidente em 2019, quando o seu governo recebeu calorosamente o primeiro-ministro da Lituânia, Saulius Skvernelis. No seu país, Skvernelis tem sido um dos principais responsáveis pola distorçom da história do Holocausto, exaltando como heróis nacionalistas envolvidos no massacre de judeus. Além disso, ele pressionou por umha legislaçom que proíbe a venda de livros que “distorcem a história lituana”, numha clara tentativa de censurar as evidências documentadas da colaboraçom em massa da populaçom local com os nazistas. Diante desse histórico, Netanyahu nom apenas ignorou esses fatos, como também elogiou Skvernelis, apresentando-o como um exemplo de combate ao antissemitismo.


A estratégia de Netanyahu de relativizar o antissemitismo para manter alianças políticas já era evidente anteriormente. Em 2017, o seu governo foi duramente criticado por nom se opor à campanha antissemita promovida por Viktor Orbán contra George Soros. O primeiro-ministro húngaro lançou umha ofensiva publicitária difamatória contra Soros, sobrevivente do Holocausto e bilionário judeu, utilizando cartazes e anúncios recheados de estereótipos antissemitas. A campanha retratava-o como um conspirador global manipulador, evocando as mesmas narrativas usadas por regimes antissemitas ao longo da história. Inicialmente, a embaixada de Israel na Hungria condenou a iniciativa, alertando sobre o tom antissemita da propaganda. No entanto, dias depois, o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, sob Netanyahu, nom apenas retirou a condenaçom, como também se juntou aos ataques contra Soros.

Campanha antissemita contra Soros: "Don’t Let Soros Have the Last Laugh"


Mais recentemente, em maio de 2023, o atual Ministro de Assuntos da Diáspora e Combate ao Antissemitismo de Israel, Amichai Chikli, novamente deu sinais dessa postura oportunista ao sair em defesa de Elon Musk. O bilionário comparara George Soros ao personagem Magneto, dos X-Men —um judeu sobrevivente do Holocausto— e declarado que Soros “odeia a humanidade” e “quer corroer o próprio tecido da civilizaçom”. As declarações foram amplamente condenadas como antissemitas por diversas organizações judaicas e especialistas em discurso de ódio.


Esses episódios revelam um padrom: longe de ser um defensor genuíno da memória do Holocausto e do combate ao antissemitismo, Netanyahu instrumentaliza esses temas conforme os seus interesses políticos, priorizando alianças estratégicas mesmo quando envolvem figuras e grupos historicamente ligados à perseguiçom dos judeus.


O governo de Benjamin Netanyahu é a prova viva de como o combate ao antissemitismo pode ser transformado em arma política. Netanyahu nom tem um compromisso genuíno com a luta contra o antissemitismo, mas sim com a manutençom do seu próprio poder.


É inegável que o movimento antissionista tem instrumentalizado na sua retórica e açom política elementos antissemitas —e isso deve ser firmemente condenado.


No entanto, o que Netanyahu e a extrema-direita israelita fazem é algo diferente: utilizam a acusaçom de antissemitismo como um escudo para silenciar qualquer oposiçom ao seu governo, equiparando críticas legítimas à sua política com ódio contra judeus. Ao mesmo tempo em que distorce o significado do antissemitismo em prol da manutençom da sua agenda, Netanyahu colabora ativamente com extremistas que promovem discursos e ações que colocam em risco a vida dos judeus na diáspora — com quem ele nom se importa. Assim, longe de ser um defensor dos interesses judaicos, o seu governo reforça alianças oportunistas que enfraquecem a luta real contra o antissemitismo e instrumentalizam a memória do Holocausto para fins políticos.


Esses episódios, no entanto, revelam um problema mais profundo. Se, por um lado, é inegável que os antissionistas instrumentalizam a causa palestiniana para legitimar o seu discurso de ódio, deslocando para “sionismo” todos os clichês do antissemitismo junto ao seu programa de destruiçom Israel, por enxergá-lo como a encarnaçom política do povo judeu, por outro lado, é possível e cada dia mais relevante apontar como o governo israelita de Netanyahu se apresenta como a expressom absoluta da vontade geral da naçom judaica —tanto em Israel quanto na diáspora. Esse enquadramento transforma qualquer crítica ao governo num ataque ao próprio povo, mesmo quando essa crítica parte de judeus sionistas ou da oposiçom israelita. Trata-se dumha dissoluçom da política em favor dumha unidade imaginária.


Ora, essa é umha lógica autoritária que esteve presente em muitos regimes na história do século XX. Líderes autoritários nom apenas se colocam como os únicos intérpretes legítimos da história e do destino coletivo, como também reivindicam para si o monopólio da representaçom da naçom. Dessa forma, seus críticos deixam de ser adversários políticos legítimos e passam a ser tratados como inimigos do próprio povo.


Ainda que numha realidade profundamente distinta —afinal, Israel é umha democracia parlamentar— , essa estratégia retórica se repete no governo de Benjamin Netanyahu. Ao se apresentar como o único defensor legítimo da identidade e da segurança do povo judeu, Netanyahu reforça umha narrativa que deslegitima qualquer oposiçom, ao passo que, por interesses geopolíticos, promove a naturalizaçom de líderes e partidos antissemitas ao redor do mundo.


Texto escrito para o coletivo de combate ao antissemitismo Golem Brasil

quinta-feira, 27 de março de 2025

VÍTIMAS DA INQUISIÇOM

 No próximo dia 31 de março comemora-se o Dia Nacional da Memória das Vítimas da Inquisição. Para não esquecer, o Centro de Estudos Judaicos do Alto Tâmega, em colaboração com o Rotary Clube de Chaves, a Universidade Sénior de Rotary de Chaves e a Via XVII, vão organizar um evento evocativo, denomidado "Reflexões Históricas no Dia das Vítimas da Inquisição".



Apareçam no Rotary de Chaves, com sede na antiga Escola Primária da Estação de Chaves, pelas 16H45. 

Entrada livre, todos são bem-vindos.

quarta-feira, 26 de março de 2025

DIA DO LIVRO PORTUGUÊS

 Neste dia em 1487, foi impresso o primeiro livro em Portugal: o Pentateuco, escrito em hebraico. 


Esta obra, impressa em Faro por Samuel Gacon, é um marco histórico na cultura e no património português — e é precisamente por isso que se comemora neste dia o Dia do Livro Português.


O Pentateuco reúne os cinco primeiros livros da Bíblia hebraica: Bereshit (Génesis), Shemot (Êxodo), Vayikrá (Levítico), Bamidbar (Números) e Devarim (Deuteronómio). Estes textos são fundamentais para o judaísmo, sendo designados como a Torá, a base da lei e da identidade judaica. Para os cristãos, estes mesmos textos integram o Antigo Testamento e são vistos como parte essencial da narrativa bíblica que antecipa o Novo Testamento.


A impressom do Pentateuco em hebraico, em território português, é um testemunho valioso da presença e do legado judaico no país.




📸 Ediçom facsímile do Pentateuco de Faro. Núcleo Histórico da Imprensa de Gutenberg e do Pentateuco de Faro (Faro)


Fonte: Associação dos Amigos do Museu Judaico de Lisboa

quarta-feira, 19 de março de 2025

OS BATIZADOS EM PÉ

Neste dia em 1497, o rei D. Manuel I decretou o batismo forçado de todas as crianças judias com idades entre os 4 e os 14 anos, num dos episódios mais trágicos da história da comunidade judaica em Portugal.

📷 Capa da obra homónima, Editora Vega (1998)

Confrontado com a condiçom imposta polos reis católicos da Coroa de Castela e Aragom para casar com D. Isabel, filha dos monarcas espanhóis, D. Manuel I comprometeu-se a expulsar os Judeus de Portugal. 


Assim sendo, a 5 de dezembro de 1496, era assinado o Édito de Expulsão dos Judeus de Portugal, estipulando um prazo de dez meses para os Judeus deixarem o Reino. Aqueles que desobedecessem estariam sujeitos à pena de morte e ao confisco dos seus bens. 


A concessom de tal prazo já sinalizava as tentativas que seriam feitas para impedir a saída dos Judeus. Pois D. Manuel nom queria a partida daquela minoria tão necessária à expansom ultramarina, em pleno auge, e que faria de Portugal um dos países mais ricos e poderosos da Europa.


No período entre o decreto de expulsom e o prazo máximo estipulado para a partida, o rei tentou oferecer umha série de vantagens aos judeus na vã tentativa de convencê-los a adotar o cristianismo. A medida principal era a concessom dum prazo de 20 anos, durante o qual os conversos estariam livres de qualquer inquiriçom sobre o seu comportamento religioso, ou seja, nom haveria acusações quaisquer sobre a prática clandestina do seu judaísmo.


Mesmo assim, os Judeus preferiam o exílio à conversom e prepararam-se para deixar Portugal. A ideia dumha conversom forçada foi levantada, em fevereiro 1497, polo monarca e os seus conselheiros. O mais cruel dos atos governamentais contra os Judeus aconteceria durante Pessach desse ano.


Ao invés de permitir umha saída organizada, o monarca adotou outra estratégia: como primeiro passo ordenou o batismo compulsivo das crianças judias, separando-as das suas famílias para as entregar a famílias cristãs e forçando a conversom ao cristianismo. Mais umha vez, menores inocentes eram usados para exercer pressom.


Pouco tempo depois, os jovens de até 25 anos que estavam em Lisboa, em trânsito, foram batizados à força.


Batizados em pé foi o nome que a si mesmos atribuíram os muitos milhares de Judeus que, tendo preferido a expulsom de Portugal à alternativa da conversom, foram arrastados pola força às igrejas e aí batizados em massa.


Este e outros actos de pressom, psicológica e física, sofridos nesta época polos Judeus portugueses, estão na origem e luta dos cristãos-novos do Reino de Portugal.


Este evento marcou o início dum período de perseguiçom e violência, culminando no Massacre Judaico de 1506 e da criaçom da Inquisiçom Portuguesa em 1536. 


Muitos Judeus foram forçados a praticar a sua fé em segredo como cristãos-novos, que herdariam todos os preconceitos antes reservados aos hebreus. A conversom forçada atirara brutalmente umha grande e próspera comunidade na clandestinidade, no segredo, na desconfiança e no medo. Mas nom foi capaz de extingui-los. Pois, apesar da Inquisiçom e de toda a perseguiçom, muitos deles secretamente preservaram sua religiom e identidade até que conseguiram fugir para outras terras. Como escreveu Garcia de Resende, "para terras onde, publicamente, logo se tornarão judeus..."


📸 “Da Contenda Cristã ocorrida no ano do Senhor de 1506 em Lisboa, capital de Portugal, entre cristãos e cristãos-novos ou Judeus, por causa do Deus Crucificado”. Gravura. Domínio Público.

sexta-feira, 14 de março de 2025

OS DAINOW-ROZENTAL DA CORUNHA

 O casal Dainow-Dicker atrai para a Galiza outros familiares que se fixam em Ourense ou ajudam ou contribuem para o negócio familiar da odontologia. A retomada da presença judaica na Corunha nom se concretizará até a chegada em 1928 à cidade da odontologista Leia Dainow (n. 1895), irmã de Wulf Dainow de Ourense e graduada, como grande parte de parentes, em odontologia na Universidade de Kiev.

Anúncio do gabinete de Lia Dainow no jornal "El Orzán" | 25/4/1928


A publicidade do seu gabinete, localizado no nº16 da R. Linares Rivas, quer na imprensa local (El Orzán ou La Voz de Galicia), quer em revistas como a do Auto-Aero Club de Galicia, testemunham a presença dela na cidade entre 1928 e 1936.

O casamento, a 31 de dezembro de 1929, da doutora Leia com Salvador (Shikeh) Rozental é recolhido na imprensa local com umha breve nova sobre o evento:

“Perante o juiz de distrito da Audiência contrairam ontem matrimónio o súbdito russo Salvador Rozental Lerner e a distinguida odontologista da mesma nacionalidade, senhorita Leya Dainow Wilensky. Assinada a ata como testemunhas o tenente coronel de Infantaria Rogélio Caridad e o doutor D, José Wertheimer. A cerimônia foi celebrada em familia, e os novos esposos, aos que desejamos perdurável felicidade, saíram em viagem por várias cidades de Espanha e o estrangeiro” (La Voz de Galicia, 1/1/1930)

Anúncio do gabinete dental de Leia Dainow de Rosenthal na ACG, revista mensal ilustrada do Auto-Aero Club de Galicia Ano IV N°38 (julho de 1933)

Salvador Rozental Lerner, como a sua dona, também era médico dentista e se calhar chegou à Galiza atraído pola presença judaica.

Judeu errante, Salvador Rozental (Yedinitz/Edinet, atual Moldávia, 1908), em 1925 emigra do vilarejo judaico (shtetl) natal para o Peru, onde aprende o espanhol.

Por volta do ano 1928 chega à Galiza e começa os estudos universitários na Facultade de Medicina da Universidade de Santiago de Compostela.   

Na capital galega, através de conhecidos comuns, entra em contato com Emílio González López, político republicano e galeguista. Talvez foi ele que facilitou as gestões para Rozental e Leia obterem a cidadania espanhola.

Emílio González López (1903-1991)

Emílio González López, licenciado em Direito na Universidade Central de Madrid, foi um advogado, historiador e político galego, catedrático de Direito Penal (1931) em várias universidades espanholas, deputado a Cortes durante a Segunda República (1931-33 pola ORGA-FRG, 1933-36 pola ORGA e 1936-39 por Izquierda Republicana na chapa da Frente Popular), cônsul geral em Genebra e secretário da delegaçom espanhola na Sociedade de Nações. 

Durante o período 1931-36 foi diretor geral da Administraçom Local (1932), de Beneficência (1933) e participou na redaçom do Estatuto de Autonomia da Galiza (1936).

Com a derrota republicana de 1939 exila-se em Nova Iorque, onde ficou até a sua morte. Nos EUA foi professor de História na Universidade da Cidade de Nova Iorque, especializando-se em História de Espanha e História da Galiza. Foi nomeado Cronista Geral da Galiza (1991), doutor honoris causa pola Universidade da Corunha e Medalha Castelao (1984).


Salvador Rozental aparece no listado de estudantes premiados de Anatomia Descritiva 2º da Faculdade de Medicina da Universidade de Santiago de Compostela durante o curso 1931/1932. Nessa altura, no outono de 1932, Salvador muda-se para Madrid a fim de realizar os estudos de Odontologia na Universidade Central, graduando-se no curso 1933/1934. A nova da graduaçom é anunciada polo jornal La Voz de Galicia a 19/6/1934, destacando que Rozenthal "concluiu os seus estudos de Odontologia em Madrid com matrícula de honra". Doravante é possível que ele exercesse a profissom no gabinete da sua mulher na Corunha.

Salvador Rozenthal na fotografia de curso de Odontologia, Madrid 1933/1934 | F. Dra. Carmen Leira/Mozaika


O casal Dainow-Rozental mantém estreitas ligações com a família de dentistas judeus establecidos em Ourense e, na altura de março de 1936, Salvador está a trabalhar na clínica que o casal Dicker-Dainow tem na vila de Cela Nova.

Perante a comemoraçom em 1937 do primeiro milénio do mosteiro de S. Salvador de Cela Nova (c. 937), o Seminário de Estudos Galegos (SEG), instituiçom criada treze anos atrás polo galeguismo para estudar e divulgar o património cultural galego e para formar investigadores, decide organizar um evento sobre a fundaçom por S. Rosendo do templo que deu nome à vila, pois no início era apenas um oratório (umha Cela Nova para orar).

Com esse fim o SEG nomeou umha comissom organizadora do projeto integrada por Lois Iglésias Iglésias (presidente do SEG), D. Mauro Gómez-Pereira (abade mitrado do mosteiro de Samos), Marcelo Macías (presidente da Comissom de Monumentos de Ourense), Alberto Moreiras (presidente da Câmara Municipal de Cela Nova), Florentino L. Cuevillas (da Academia da História) e Xosé Ramón Fernández-Oxea (secretario da Comissom).

Notícia da constituiçom da comissom local do Milenário | El Pueblo Gallego (12/3/1936)

Em março constitui-se em Cela Nova a comissom local organizadora, denominada “Comisión Pró Milenario de Celanova”, a fim de fomentar e organizar o Milenário em colaboraçom com o SEG. Segundo noticia o jornal "El Pueblo Gallego" a 12/3/1936 dita comissom, presidida polo Presidente da Câmara Municipal, contava entre seus membros com Emilio Ferreiro Míguez (o poeta Celso Emilio Ferreiro, na altura secretário de Organizaçom da Federaçom de Mocidades Galeguistas, dependente do Partido Galeguista) como secretário e entre os 5 vogais aparece Salvador Rozental Lerner com as funções de ser a ligaçom com a Comissom do SEG. Com esse fim, em maio reúne-se com o presidente do SEG.

Segundo noticia o jornal "La Voz de Galicia", em 24 de abril de 1936, Salvador Rozental aparece na lista de doadores para a iniciativa de erguer um monumento em homenagem póstuma a Antom Vilar Ponte, líder nacionalista galego falecido subitamente a 4 de março. 

A homenagem foi proposta polo escritor Álvaro das Casas que, a 18 de março de 1936, no jornal de Vigo "El Pueblo Gallego", conclamou a que fosse erguido por jornalistas e escritores um monumento em honra de Vilar Ponte nos jardins de Méndez Núñez da Corunha. A iniciativa contou com o apoio dos jornais "El Pueblo Gallego" e "La Voz de Galicia", a Associaçom de Imprensa e a Associaçom de Escritores da Galiza. No dia 1 de abril, a Câmara Municipal da Corunha aderiu ao projeto, ao mesmo tempo que aprovava o seu nome a umha rua da Cidade Jardim. Para fazer este monumento, foi iniciada umha assinatura popular, com os jornais a divulgarem os valores angariados. Além disso, existia um esboço-maquete criado polo escultor Francisco Asorey: um monólito esculpido na rocha com o seu nome e umha coroa de louros.

Antom Vilar Ponte (1881-1936)

A. Vilar Ponte foi um dos principais alentadores do nacionalismo galego de pré-guerra, fundador dumha das primeiras Irmandades da Fala (1916), da ORGA (1929-34), militante do Partido Galeguista (PG) e que vinha de ser eleito deputado nas Cortes espanholas por essa chapa nas eleições de fevereiro de 1936 na candidatura da Frente Popular.

A obra dele abrangeu vários campos (romance, ensaio, palestras...) e, mormente a produçom dramática, transmissora do ideário galeguista.

O golpe militar de 1936

O golpe de estado nazi-fascista de 18 de julho de 1936 apanha o casal Dainow-Rozental em Madrid. Graças aos seus estudos de Medicina Salvador ingresa no Serviço de Sanidade do Exército Republicano, chegando a ser considerado brigadista combatente na frente de Sta. Maria de la Cabeza (Jaén). Porém, é considerado como voluntário nom combatente por ter-se oferecido na frente de guerra para fazer de intérprete dos oficiais soviéticos que aconselhavam as milícias republicanas. Segundo algumhas fontes, a sua mulher, Leia Dainow estaria com ele durante este periodo colaborando como voluntária nom combatente nos serviços médicos das forças republicanas.

O golpe de estado franquista e o desencadeamento da guerra civil deram cabo tanto da iniciativa do Milenário de Cela Nova (937-1937), do SEG quanto da inauguraçom do monumento de Asorei a Vilar Ponte (prevista para setembro de 1936).

📷 Ínsua do Ínsua

No outono de 1937, sentido-se Salvador ameaçado pola presença de elementos soviéticos, o casal Dainow-Rozental decide ir para a América e rumar para Colômbia. Em Bogotá retomaram o exercício da profissom de médico e dentista com um gabinete dental dentro do parque Santander da capital colombiana.

No expediente de apreensom do material odontológico do casal Dicker-Dainow há um documento datado de 1938 relativamente à confiscaçom de material "do Gabinete Dental instalado na vila de Cela Nova, do qual era proprietário um dentista russo..." acompanhado com umha lista pormenorizada e precisa e todo o roubado polas autoridades franquistas.

Miriam e Israel são assassinados em 1941 dna sequência da invasom nazista da URSS

Em 1941 os pais de Salvador, Israel (Srul) Rozentouler e Miriam Lerner, junto co o seu irmão Leib (Lioba) Rozentouler são assassinados logo depois da chegada dos nazis à Transnistria. Salvador teve cinco irmãos nascidos em Edinet/Ediniti: Isaac Rozental (1896-Nova Iorque 1985), Bernardo Bruch Rozental (1901-Jerusalém 1982), Dina Rozental (1902-Medellín 1986), Pola Sofer (1905-Telavive 1980) e Moshe Rozentouler (1909-Zefat, Israel 1981).


O exilo e o sionismo

Por enquanto, em Bogotá Salvador lança-se na vida comunitária e no ativismo sionista, o movimento de libertaçom nacional do povo judeu, subindo rapidamente na hierarquia até umha posiçom sénior. Assim sendo, foi fundador e secretário da Fundaçom Sionista de Colômbia (1942) e do Comité Pró-Palestina Judaica (1945), ativista da Agência Judaica ( הסוכנות היהודית לארץ ישראל ) em prol da restauraçom da independência do povo judeu em Israel,  representou a comunidade em conferências judaicas internacionais, congressos sionistas, no Congresso Mundial Judaico... 

Em 1944 os irmãos Wulf e Eva Dainow chegam a Colômbia procedentes de Casablanca (Marrocos). Nesta altura é muito possível que se tenham encontrado  com o casal Dainow-Rozenthal. Porém, no fim da Segunda Guerra Mundial os irmãos Eva e Wulf Dainow rumam para Paris.

A partir de 1945 Rozental realizou muitas missões para o Departamento Latino-Americano da Agência Judaica e para o Ministério dos Negócios Estrangeiros de Israel, em muitas partes do continente. Antes da independência de Israel, em 1947 Salvador gere o Instituto Cultural Colombo-Israelita, chegando mesmo a fixar-se com Leia em Haifa nos estertores do Mandato Britânico da Palestina ou a participar, em 1948, na fundaçom do Estado de Israel, onde sempre foi recebido nos mais altos círculos governamentais.

Salvador Rozental 

Um documento desclassificado da CIA de setembro de 1948 sobre o reconhecimento do Estado de Israel por Ecuador e a Colômbia fala em Salvador Rozental como umha sólida liderança sionista na Colômbia e simpatizante do comunismo nos seguintes termos:

Salvador Rozental, que nasceu Josue Rosenthal na Roménia, e que é agora cidadão colombiano naturalizado, está a negociar com o ministro dos Negócios Estrangeiros Boudoran para o reconhecimento precoce de Israel.

Rozental, casado com umha russa, reside em Bogotá, na Colômbia, onde trabalha no Movimento Sionista. Era considerado polos Hebreus locais como sem fortes princípios morais e tinha muito pouca educaçom formal. Um hebreu acusou Rozental de ser comunista nos seus sentimentos.

Caso o Equador reconheça Israel, entende-se nos círculos de Quito que Rozental será o representante daquele país tanto para o Equador como para a Colômbia.

Noutro documento desclassficado da CIA, datado de junho de 1949 sobre a chegada ao Peru de Salvador com o objetivo de "preparar o reconhecimento do governo de Israel polo Peru", também paira a suspeita de ser comunista nos seguintes termos:

1. (...) Rosenthal, que dá o título de "Oficial de Enlace del Gobierno Provisional de Israel" (Enlace Oficial do Governo Provisório de Israel), afirma que participou na Conferência Judaica Interamericana em Baltimore, Maryland, em 1941 e numha conferência semelhante em Washington em 1945, e que representou a Agência Judaica na recente tomada de posse do Presidente da Venezuela. Em maio de 1948, afirma que “fez umha viagem à América Central em nome daquela agência e, desde entom, viajou para o Equador e para o Panamá em missões semelhantes. Está agora em viagem polos países sul-americanos para fazer os preparativos para o reconhecimento de Israel.

2. Visitou o Peru pola última vez em 1925 como estudante, segundo o seu testemunho, e reside há dez anos em Bogotá, onde. entre outras atividades, edita a revista Atid (Futuro)

3. Embora anteriormente relatou ter tido pouca educaçom formal, umha publicaçom de Lima indica que Rosenthal, que lista a sua profissom como dentista, obteve a sua educaçom formal nas Universidades espanholas de Santiago de Compostela, Madrid e San Carlos, obtendo um diploma desta última.

4. Até agora nada foi relatado sobre Rosenthal, desde a sua chegada ao Peru, que confirmasse ou contradissesse as suas alegadas crenças comunistas. O seu principal contato em Lima tem sido Isaac Wecselman, líder sionista na cidade, que, tal como Rosenthal, nasceu na Bessarábia e foi em certa altura denunciado como comunista.


A teor do seu engajamento na Agência Judaica em 1949 desloca-se para Nova Iorque a fim de desempenhar funções de conselheiro temporário da delegaçom de Israel nas Nações Unidas. Segundo Emílio González, na ONU desdobrou umha dupla atividade, pois trabalhou tanto em favor da independência do Estado de Israel, quanto tentou evitar o reconhecimento do regime de Franco pola ONU.

Desconhecemos o périplo posterior de Leia Dainow. Talvez conseguiu reconectar com os remanescentes da família Dainow na França pois, segundo inquirições realizadas pola QJ, em 1951, à idade de 56 anos, finava em Paris por causa dum cancro, sendo soterrada no cemitério de Bagneux a 5 de abril de 1951. Em 1954, três anos depois, Salvador casa na cidade de Nova Iorque com Ruth (Ruthy) R. Klinger, com que chega a ter três filhos. Ruthy Klinger procedia dumha família judaica fixada na cidade de Cali (Colômbia).

Retornado a Colômbia, em junho de 1955 Salvador Rozental é nomeado primeiro Cônsul Honorário de Israel em Bogotá e foi membro da junta diretiva da Orquestra Sinfônica da Colômbia. Políglota, para além de hebraico e iídiche, Rozental é fluente em russo, romeno, inglês, espanhol, francês e alemão. Ele chega a ocupar um lugar importante no mundo intelectual geral da Colômbia e liderou missões como agente do governo colombiano.


No início da década de 1970 o destino de Salvador Rozenthal cruza-se com outro galego, Modesto Seara (1931-2022), um académico das relações internacionais, pois fazem parte do Comité Latino-Americano dum movimento internacional a favor dos Judeus da Uniom Soviética (Latin American Committee for Soviet Jews). Este Comité defendia o direito dos Judeus russos que viviam na URSS de irem para o estrangeiro; isto é, reconhecer o direito para viverem em Israel. 

Em outubro de 1973 ambos viajaram à URSS ao abrigo da “Missom de Estudo na URSS” sob os auspícios do Comité Judaico Americano no México e na Argentina. A comissom, formada por Rozental, Modesto Seara, Alfredo Concepción e Benjamín Nuñez, encontrou-se na URSS com Judeus soviéticos a quem fora negado o visto de saída.

De direita a esquerda: Modesto Seara e Salvador Rozenthal. Babii Yar Ucrânia (1973) | 📷 modestoseara.com / Mozaica

A Comisssom visitou as cidades russas de Moscovo e Leninegrado, Kiev (Ucrânia) e Tbilisi (Geórgia). Durante a missom visitaram Babi Yar, nas redondezas de Kiev, um local de memória do genocídio e da Shoah.

Em 1 de junho de 1985 tem lugar o casamento dum dos filhos do casal Rozental-Klinger, Israel Leon Rozental, com Harli Fait Diamond. O NYT noticia que enquanto a noiva é gerente de mercadorias na Burdine's, umha loja de departamentos de Miami, formada na Universidade de Syracuse; o noivo, mestrado em arquitetura pola Universidade Católica de Washington, é arquiteto na Bert Millard & Associates em Miami.

Salvador Rosenthal 


No dia das Letras Galegas de 1993, à idade de 85 anos, Salvador Rozental fina na cidade de Miami (Florida, EUA).


A 10 de novembro de 2019, com ocasiom do Dia Mundial da Ciência a biblioteca municipal de Cela Nova fez umha homenagem aos médicos que nasceram, passaram ou tiveram algo a ver com a vila, entre os quais Salvador Rozental.


Desconhecemos as ligações de Salvador Rozental com o nacionalismo galego ao ponto chegar a envolver-se tanto na iniciativa do SEG quanto na homenagem popular a Vilar Ponte em 1936. Se bem existe a hipótese de estarem motivadas pola sua amizade com Emilio González López, na QJ achamos que, se calhar, mais do que isso, foi a sua simpatia polo sionismo o que fez com que se aproximasse tanto do movimento de libertaçom nacional galego florescente na Galiza dessa altura.


Fontes:

"Diario de un médico de guardia" de David Simón-Lorda (blogue)

Jornal "La Voz de Galicia" (2016)

quinta-feira, 13 de março de 2025

JUDAISMO E INTERCULTURALIDADE

 Nos dias 26, 27 e 28 de maio, acontece no Cais do Sertão o 3º. Congresso de Judaísmo e Interculturalidade. A iniciativa dos professores Ana Paula Cavalcante e Daniel Valério, em 2022, em Fortaleza teve seguimento em Portugal, na cidade de Penamacor, em 2023. Nas duas ocasiões o evento foi realizado conjuntamente com a Universidade de Salamanca, que vem apoiando ao longo das décadas recentes, uma série de trabalhos de cooperação internacional com o Brasil, especialmente por intermédio do professor Angel Espina Barrio, que dirige a pós-graduação em antropologia naquela multicentenária universidade, e onde o professor Valério e Ana Paula desenvolvem pesquisas.



É, como se nota, o estilo desse congresso a realização conjunta em redes, conforme o espírito do tempo atual, de múltiplas colaborações. Desta vez, a Cepe, nomeadamente a equipe das revistas Continente e Pernambuco, sedia e coordena o congresso, o de número 3, sob o tema geral de “História e Transculturalidade”. Diferentemente das versões anteriores, o atual congresso terá um número reduzido de palestras, para que as comunicações possam ser mais aprofundadas e o público participar mais ativamente. Esperam-se 18 conferencistas que abordarão os mais variados temas em torno da cultura judaica e suas interfaces.


Nomes como André Oliveirinha, de Portugal; Ioram Melcer, de Israel; e Caesar Sobreira, do Brasil, além dos já citados, confirmaram na sua participação. Além da Universidade de Salamanca e da Cepe, atuam na organização do congresso, o Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará e o Instituto de Investigaciones Antropológicas de Castilla y León.


As inscrições são gratuitas, exclusivamente pelo site https://ciji.com.br, mas as vagas são limitadas. Haverá, além das palestras –em estilo de conferência– lançamentos de livros e outras atrações culturais, no auditório É do Povo, no Centro Cultural Cais do Sertão.

sexta-feira, 7 de março de 2025

OS ZBARSKY-KUPER DE PONTE VEDRA

 Eis a história do massacre e perseguições sofridas pola família Zbarsky-Kuper de médicos judeus que viveram na cidade de Ponte Vedra antes do golpe militar de 1936.

Em 1928 Sofia Kuper Hornstein, irmã de Simeón Kuper de Vigo, chega à cidade de Ponte Vedra, onde o seu marido, Abraham Zbarsky Geller (Avrun Klva Elewitch Zbarsky) (Lodz, 1882), gerenciava umha clínica odontológica desde 1925 na Praça da Ferraria (daquela chamada da Constituiçom) com licença do ministério espanhol de Instruçom Pública.



 O casal Zbarsky-Kuper tinha dous filhos: Elias (Odessa, 1906) e Jacobo (Lodz, 1914).

Família Zbarsky-Kuper: 1 Elias - 4 Abraham Zbarsky - 5 Sofia Kuper - 6 Jacobo

Abraham solicita a cidadania espanhola em 1929, mas, apesar de acompanhar o pedido com recomendações, entre as quais vultos locais da Unión Patriótica (o partido de Miguel Primo de Rivera), nom a consegue.

No exercício livre da profissom Zbarsky deparou-se, como outros médicos judeus na Galiza, com a oposiçom dos odontologistas nativos e das autoridades, contrários a conceder-lhe as habilitações. Assim sendo, em 1931 desata-se umha ofensiva contra ele por parte dos colegiados de Ponte Vedra, comandada por Celso Lópes Branco e Luis Fontaínha. Estes dous dirigentes da ordem de odontologistas solicitam esclarecimentos oficiais sobre a duraçom da licença de Zbarsky, pois nela nom consta validade, a diferença do que acontecia noutros casos semelhantes. Abraham defende-se com umha carta aos colegas com a intençom de que se "repare nos procedimentos que contra mim se abriram por parte dos senhores Fontaínha e Branco. Venho trabalhando profissionalmente nesta capital desde o ano 1925 sem que se tenha produzido contra mim qualquer queixa, e teve sempre cordiais relações com todos os colegas odontologistas, aos que respeito e considero. Deles recebi em todo momento provas de afeto, polo que estou reconhecido".

Na carta lembra que tem licença do governo, concedida a 23 de junho de 1925, prévio inquérito favorável do Conselho de Instruçom Pública, “sem fixaçom nem limite de tempo”. Logo a seguir o Ministério de Instruçom Pública e Belas Artes abre um expediente informativo, resolvendo a 4/8/1931 que a licença dele seria temporária. No entanto, considerando todo um complexo de circunstâncias, e para nom causar danos irreparáveis ao senhor Zbarsky, com base em razões de "equidade e humanos princípios de hospitalidade", já que nom está em condições de regressar à sua pátria nem de se retirar, fixa um novo prazo de validade de cinco anos a partir da data da resoluçom.

Abaham Zbarsky


Em 12 de julho de 1931, Abraham Zbarsky, filiado à Agrupaçom Socialista de Ponte Vedra, assiste como delegado ao Congresso Extraordinário do PSOE. Aliás, engajado socialmente, também participou em várias iniciativas culturais, sendo diretivo da Sociedade Filarmónica de Ponte Vedra.

Em 1933 a clínica odontológica de A. Zbarsky desloca-se para o número 1 da Pr. Curros Henriques no prédio conhecido como de Armazéns Olmedo.

Prédio dos Armazéns Olmedo na Pr. Curros Enríquez de Ponte Vendrá onde A. Zbarsky tinha a sua clínica em 1933

Em 1931 os irmãos Elias e Jacobo conseguem a cidadania espanhola.  Odontologistas ambos, enquanto Elias, graduado na Universidade Central de Madrid, se estabelece em Ferrol; Jacobo, graduado na Universidade de Santiago de Compostela, trabalha em Vigo no gabinete do seu tio Simeón Kuper.


Elias Zbarsky trabalha como odontologista na cidade de Ferrol e contava entre os seus pacientes Pilar Bahamonde y Pardo de Andrade,  mãe do general Francisco Franco Bahamonde. Em 1933 o Colégio de Odontologistas local pede que seja sancionado por quebrar o acordo de nom trabalhar para o exército.

Elías era um tipo culto, extrovertido e de talante liberal e relacionava-se com a alta sociedade galega. Em 10/9/1931, fruto do seu relacionamento com Dª (María) Emma Padín y Muñoz de la Espada (Redondela, 1906) nasce o seu filho Alejandro Zbarsky Padin. 

A sua mulher era filha de Ernesto Padín Lorenzo (Redondela, 1877), um escritor e jornalista galego. Procurador e chefe de administraçom do Ministério de Fazenda em Madrid, fora secretário particular do deputado Francisco de Federico Martinez. Académico correspondente da Real Academia Galega (RAG), como poeta publicou em 1932 "Amores e dolores. Poesías gallegas" com prólogo de Ramón Otero Pedrayo.

Ernesto Padin Lorenzo (c.1934) foi o avó e sogro de Elias Zbarsky

Representando ao clube de Ferrol, Elias ganhou o Campeonato Galego organizado em 1934 pola Federaçom Galega de Xadrez na Corunha num torneo que juntou os melhores xadrezistas de Vigo e Corunha. Apesar de ganhar o campeonato de Vigo, nom pudo assistir ao Campeonato Galego de 1935 convocado para eleger o campeom da Galiza. Como grande afeiçoado ao futebol, Elias era um siareiro celtista, acompanhando ao clube Celta de Vigo nos seus deslocamentos. 

Jacobo Zbarsky


Jacobo Zbarsky como o pai, militava no PSOE e era um tipo idealista e rebelde, engajado com os valores judaicos que de muito novo o ligaram ao socialismo e que sonhava com um mundo mais justo.


O golpe militar de 1936 em Ponte Vedra

As novas do golpe nazi-fascista da África chegam à cidade de Ponte Vedra nas últimas horas da sexta-feira 17 de julho de 1936. De Madrid, Bibiano Fernández Osorio Tafall, que fora presidente da câmara municipal da cidade (1931-34 e em 1936) e nessa altura subsecretário de interior (governaçom), encaminha instruções aos governadores civis para convocarem as lideranças políticas e sindicais e formar os Comités de Defensa da República (CDR) a fim de coordenar as distintas organizações da Frente Popular (FP) e com as autoridades. 

Jacobo Zbarsky, nessa altura com 22 anos, era brigada de complemento do Exército da República. Por isso, desde que se inteirou do golpe militar, apresentou-se fardado no Governo Civil e, pistola em mão, exigiu que o governador civil, Gonzalo Acosta Pan (IR), entregasse armas à populaçom, mas ele recusou.

Na noitinha de 18 de julho constitui-se, ao igual que na maioria de localidades galegas, o CDR de Ponte Vedra com presença de representantes dos partidos Izquierda Republicana (IR), Unión Republicana (UR), Partido Galeguista (PG), PSOE, PCE e JSU.  Tanto no Governo Civil quanto no Concelho organizam-se salas de curas para atender possíveis feridos, assumindo Abraham Zbarsky a sua direçom no Governo Civil lado a lado com o doutor Celestino Poza Pastrana. 

No dia 19, domingo, perante a gravidade da situaçom organizam-se as Milícias Populares encargadas resistência contra os golpistas. Comandadas sob as ordens diretas de Jacobo Zbarsky, as milícias conformam-se segundo a designaçom realizada por Alexandre Bóveda, secretário de Organizaçom do PG, com filiados do PCE, PSOE e JSU. O objetivo das milícias antifascistas era defender o Governo Civil dos ataques dos militares sublevados que, por enquanto, estavam calmos nos quartéis.

Alexandre Bóveda Iglesias (1903-36)

Alexandre Bóveda foi um dos intelectuais galeguistas mais relevantes durante o período da Segunda República na Galiza, chegando a ser o secretário de Organizaçom do Partido Galeguista (PG)

A 20 de julho de 1936 foi detido após o golpe militar, acusado de traiçom e condenado a morte num julgamento celebrado a 13 de agosto desse mesmo ano. A sentença foi executada em 17 de agosto, e foi fuzilado no monte da Caeira, Poio. Está enterrado no campo-santo de San Amaro (Ponte Vedra).

Alexandre Bóveda é um dos mitos do galeguismo, para o qual se tornou em mártir pola defesa da liberdade e dos seus ideais. Na data da sua execuçom celebra-se atualmente o Dia da Galiza mártir.


E assim foi que por sugestom de Alexandre Bóveda, e com o apoio do Governo Civil, foram de imediato interceptados os serviços postais e a central telefónica, bem como requisadas armas e explosivos, encargando-se do primeiro Vítor Casas, antes de que os facciosos se apossaram deles.

Em 20 de julho as autoridades golpistas declaram o estado de guerra e logo a seguir os militares e guarda civil saem à rua. Dum hidroaviom da base naval de Marim que sobrevoa a cidade são lançadas proclamas pedindo à gente para regressar às casas, chegando a disparar contra a populaçom. Às 19:30h o general Iglesias, chefe local dos golpistas, chama ao governador para intima-lo a se entregar em 5 minutos. Entom produzem-se fortes discusões e ameaças contra o governador, tendo Jacobo Zbarsky umha das posturas mais exaltadas contra umha rendiçom iminente.

Às 19:40h o governador civil, acompanhado de A. Bóveda e outros, entregam-se ao capitão Sánchez Cantón e a Guarda de Assalto entrega as armas. Do quartel de artilharia Bóveda liga ao Concelho para que se rendessem os seus ocupantes. Após a rendiçom aos militares sublevados todos abandonam o Governo Civil, ficando em liberdade.

Apesar de a resistência de primeira hora ser efémera, o certo é que Bóveda e Casas organizaram, junto ao capitão de assalto Rico e Jacobo Zbarsky umha firme defesa da legalidade republicana. Desta realidade dariam boa conta os golpistas, detendo parte dos resistentes que tinham no Governo Civil o seu centro operativo.

Assim sendo, Jacobo Zbarsky é detido pola polícia na madrugada de 21 de julho acusado de encabeçar as milícias organizadas no Governo Civil. O pai dele, Abraham é detido na tarde de 21 de julho e encontram na casa duas armas antigas inúteis e umha pistola moderna para a que tinha licença.

O assassinato de Jacobo Zbarsky

Na causa sumaríssima deduzida Jacobo é acusado de "rebeliom militar". O conselho de guerra tem lugar a 7 de agosto, sendo acusado de fazer parte da formaçom de milícias para opor-se à sublevaçom, de agir como chefe das forças resistentes e de ter disparado com a sua pistola contra o hidroaviom da base de Marim. Logo a seguir o tribunal condena a Jacobo a pena de morte.

No polígono de tiro de artilharia, em Figueirido (Vila Boa), às 5:30h de 10 de agosto forma-se o piquete de artilheiros, companheiros de quartel do condenado, encargado de dar cumprimento à sentença. O condenado negou-se a receber os auxílios espirituais.

Antes de ser fuzilado deposita os seus pertences para que sejam entregues à sua mãe: um cinto, um pente, um relógio de pulso, um espelho, um moedeiro contendo 107,45 ptas e umha carta de despedida dos seus encaminhada à mãe:

Ponte Vedra, 9 de agosto de 1936

Meus caros: Cara mãe, perdoa-me este último grande desgosto que te dou. Dentro de 3 horas morrerei, tu bem sabes quanto te quero, porém, nom quis ver ninguém de vós pola derradeira vez, porque se assim o fizesse nom teria valor de encarar a minha sorte.

Os meus últimos pensamento serám em todos vós, sobretudo em ti, minha mãe.

Estou tranquilo, acho que esta tranquilidade acompanhar-me-á até o último momento.

Pensa, minha mãe, que se perdes um filho, por qualquer ideal mais justo. Eu posso sacrificar a minha vida, fica um outro filho e muita mais família que farão tudo o possivel para te consolar.

Beijos e abraços a todos queridos, sobretudo a ti, mãe.

O teu filho, que sempre te quis e quererá enquanto viver.

[Caeiro, Antonio e outros. ( 1995). Aillados. Vigo: Ir Indo.]


A imprensa nazionalista dos sublevados noticiou o fuzilamento com o seguinte manchete: "Um soviético julgado por opor-se ao Movimento".


O assassinato de Abraham Zbarsky

Por enquanto, ao pai dele, Abraham Zbarsky, os fascistas abrem-lhe umha causa militar (565/36) por posse de armas que é suspensa provisoriamente, mas devendo ficar detido como preso governativo primeiramente no cárcere da Normal e num dado momento no lazareto da Ilha de São Simom.

Ilha de S. Simom | 📷 Junta da Galiza

Durante a guerra civil o lazareto marítimo da ilha de São Simom tornou-se no pior centro penitenciário franquista. Na prática foi um autêntico campo de concentraçom no que até 1943 empilharam-se 6000 pessoas em terríveis e insalubres condições. Centos de presos morreram lá de fome, maus tratos ou nas "sacas" noturnas, apesar de os funcionários da prisom assegurarem-se de extorquir antes a boa parte dos fuzilados ou às suas famílias sob falsas promesas de libertaçom.

A 23 de dezembro de 1936 Abraham Zbarsky é transladado a Ponte Vedra para declarar na causa militar aberta contra ele. No seu depoimento, para além de negar todas as acusações e de recusar aquele tribunal ilegítimo, proclamou, mais umha vez, a injusta morte do seu filho Jacobo, mostrando a sua intençom de denunciar o caso do seu fuzilamento junto dos tribunais internacionais da Sociedade de Nações. Dias antes, a 2 de dezembro, um detido (que também seria fuzilado) delatara Abraham Zbarsky "como componentes da organizaçom sanguinária ao estilo da Tcheka russa e cuja finalidade era o extermínio de pessoas ordeiras da cidade".

Poucos dias depois, a 29 de dezembro, chegou à prisom de S. Simom a notificaçom do tribunal acusador sobre o translado para o cárcere de Ponte Caldelas de Abraham Zbarsky e mais dous presos (Ángel Agra Mondragón e Emilio Vilas Davila). Os presos deviam ser transladados ao cais de Santa Cristina de Cobres (Vila Boa) para serem ato contínuo apanhados pola guarda civil, mas quando a comitiva chegou a terra era noite e ninguém estava à espera. O oficial deu a ordem de voltar à ilha, mas Abraham negou-se. Pouco depois chegou um comando da guarda civil com ordens precisas. Abraham foi “paseado” junto com outros dous companheiros de martírio. Na manhã do dia 30 de dezembro de 1936 os seus corpos aparecem abandonados no cemitério de Santo Amaro de Ponte Vedra.

A versom oficial do assassinato do "russo", assinada a 30 de dezembro de 1936 com o cabeçalho "¡Viva España!", foi que Abraham aproveitou umha avaria do carro em que era transportado para tentar fugir polo que tiveram de disparar-lhe polas costas causando-lhe a morte, numha aplicaçom clássica da lei de fugas. Porém, parece que na realidade foi fuzilado no quartel da guarda civil de Ponte Vedra enquanto umha moto encendida evitava que se ouvissem os tiros (Evaristo Mosquera, "Catro anos a bordo dunha illa", A Nosa Terra, 2006)

Na causa 115/37 aberta contra 74 citadinos de Ponte Vedra por rebeliom militar, segundo um inquérito da guarda civil, datado a 4 de janeiro de 1937;  isto é, posterior ao assassinato, Abraham Zbarsky Gelles figura com o nº1 como "comunista, membro da Junta do Socorro Vermelho, maçom e propagandista".

Além disso é acusado polos policiais de estar de maneira continuada no gabinete do governador em julho de 1936, assegurando que era ele quem podia influir mais eficazmente nos dirigentes da Frente Popular porque "os controlava, colaborando com eles na organizaçom da oposiçom ao exército". Afirmam também que a sua influência assentava no facto de ser "chefe dumha organizaçom Soviética e Judaica que possuía chorudos fundos (sic)", pois, polo seu cargo "facilitava subsídios aos mais proeminentes elementos da Frente Popular" e, destarte, "tinha-os ao seu serviço".   

Com certeza, as imputações eram as mais graves que se podiam fazer naquela altura: comunista, maçom, chefe dumha organizaçom soviética e judia, componente dumha tcheka.. mas difíceis de provar mesmo num conselho de guerra como os que havia. 


Encarcerada, Sofia Kuper cortou as veias logo depois de ouvir a notícia falsa que toda a família fora assassinada polos fascistas. Todavia, os sofrimentos dela nom acabam com as mortes do seu homem e do seu filho: depois de matar a Abraham os franquistas assaltaram a casa que a família tinha em Ponte Vedra pegando em todos os bens familiares que nela havia, incluído o material da clínica, fazendo com que ficasse na miséria económica mais absoluta.


Paralelamente é deduzida umha causa militar contra o outro filho, Elías Zbarsky, e contra o irmão de Sofía, Simeón, ambos dentistas. Porém, a consistência das acusações de espionagem era tão fraca que a autoridade aceitou a suspensom do processo, embora ficassem presos a disposiçom da autoridade governativa.

Quando foi libertado do carcere de Vigo em 1938 tentou pegar do seu filho Alejandro, mas as autoridades franquistas impediram-no.

A expulsom e exilo

Em agosto de 1938 os irmãos Simeon, Elisa e Sofia Kuper Horstein atravessam a fronteira de Irún-Hendaia, junto com Elias. O governo espanhol decidira a sua expulsom. Em 1939 estabelecem-se na URSS.

Por enquanto, em 27 de dezembro de 1940 o BOE publicava o édito da sentença emitida a 8/10/1940 polo qual o TRRP da Corunha impunha a sançom de "perda total dos bens" de Abraham Zbarsky, encaminhando a notificaçom aos seus herdeiros.

Na Uniom Soviética Elias Zbarsky trabalhou de intérprete e professor de espanhol na Komintern (Internacional Comunista) e mais tarde na Escola Superior de Diplomacia da Universidade Estatal de Lomonósov de Moscovo (atual Universidade Estatal de Moscovo), cidade onde casou pola segunda vez e onde nasceu a sua filha Natasha, que se dedicou à pintura.

Relativamente ao filho galego de Elias na QJ descobrimos que, em 19/10/1943, o BOE publicava umha resoluçom do julgado de primeira instância nº1 da Corunha de 27/9/1943 segundo a qual, a pedido de Ernesto Padín Lorenzo, em qualidade de avó e tutor legítimo do seu neto Alejandro Zbarsky Padin, de 12 anos de idade e com morada em Ferrol, solicita a "autorizaçom para que dito menino possa substituir o apelido Zbarsky, que lhe pertence polo seu pai falecido, polos de Padín y Muñoz de la Espada, que lhe pertencem pola sua mãe, por ser assim unânime e exclusivamente conhecido".

Boris Zbarsky (1885-1954) era irmão de Abraham

A vaga de antissemitismo que assombrou a URSS nos estertores do estalinismo nom poupou Elias, que perdeu o seu emprego. O motivo foi que era sobrinho de Boris Zbarsky (1885-1954), irmão do seu pai Abraham e um dos artífices do embalsamamento do corpo de Lenine em 1924, bem como da posterior conservaçom da múmia do líder bolchevique. Boris foi encarcerado em março de 1952, dentro da onda repressiva contra os cientistas de origem judaica e, embora libertado em 1953, após a morte de Estaline, nunca recuperou os cargos anteriores. Elías também nom recuperou o seu trabalho, devendo sobreviver como dentista na fábrica de automóveis Lijachov (ZIL)

No tocante a Maria Emma Padin, a mulher galega de Elias, na QJ localizamo-la em publicações do BOE (nº63 de 14/3/1959, nº243 de 10/10/1962 e nº87 de 12/4/1966) a trabalhar como funcionária do ministério de Fazenda como administrativa do cadastro na Direçom Geral de Impostos sobre o Rendimento. No tocante ao seu filho Alejandro Zbarsky Padin parece nom ter sido executada a mudança de apelidos, pois aparece com esse nome na relaçom dos concursantes (publicada no BOE nº207 de 26/7/1951) que deviam achegar "Certificados penales, provincial y local". Posteriormente, no BOE nº219 de 11/11/1980, está a trabalhar, como a sua mãe e avó, no Ministério da Fazenda como funcionário de carreira do corpo especial e inspetores financeiros e tributários na delegaçom de Barcelona.

Após a morte de Franco em 20 de novembro de 1975 Elias regressou em ocasiões a Espanha para se juntar com o seu filho Alejandro Zbarsky em Madrid.

À idade de 90 anos Elias Zbarsky finou na cidade de Moscovo em 1995.

A memória 

A memória histórica do casal Kuper-Zbarsky, bem como o assassinato de Abraham e Jacobo foi recuperada nos trabalhos do historiador e escritor Xosé Álvarez Castro, que concentrou o seu labor de investigaçom na época da guerra civil na cidade de Ponte Vedra. Desde 2008 mantém ativo o blogue "Pontevedra nos anos do medo", a principal referência bibliográfica e inspiraçom para redigir esta postagem da QJ.


Fontes:

Anos do medo de Xosé Álvarez Castro (blogue)

> Diario de un médico de guardia de David Simón-Lorda (blogue)

>  Non des a esquecemento de Xosé Luis Bará (blogue)

Pontevedra, catro días de xullo, Xosé Álvarez Castro

Búscame en el ciclo de la vida, de Gabino Alonso e María Torres