sexta-feira, 30 de maio de 2025

A EXPULSOM E O BATISMO FORÇADO DOS JUDEUS PORTUGUESES

 Maria José Ferro Tavares

A vinda dos conversos castelhanos, durante o último quartel do século XV, alguns deles perseguidos pola Inquisiçom, instalada em Castela em 1478, agravada pola expulsom geral da minoria judaica polos Reis Católicos, em 1492, desestabilizou completamente a sociedade portuguesa que via, em ambos, um perigo, quer religioso, quer económico.

A chegada dos Judeus expulsos de Espanha desestabilizou Portugal 


O facto de alguns conversos procurarem voltar, em Portugal, ao judaísmo, iria obrigar D. João II a atuar polos seus próprios meios, ou seja, a criar um corpo de inquiridores da fé, ligados ao tribunal diocesano, depois de ter consultado a Santa Sé. Como resultado destas inquirições, alguns conversos vieram a ser queimados por hereges.


A esta instabilidade sócio-religiosa e à desconfiança crescente juntou-se o medo à peste que provocaria umha reaçom coletiva antijudaica, sobretudo, nos concelhos mais densamente povoados por Judeus, a qual seria prontamente sufocada polo rei e polas autoridades municipais de Lisboa, Évora e Porto, polo que nom tiveram quaisquer consequências para as gentes das respetivas comunas. Curiosamente, estas cidades tinham as maiores comunidades de Judeus portugueses e foram também as que receberam maior número de imigrantes castelhanos.


A presença clandestina de muitos destes conduzira à escravidom dos que nom conseguiram ou nom tiveram alguém que, por eles, pagasse o tributo de entrada em Portugal, ou seja, os oito cruzados de ouro. Para estes, o monarca promulgava o primeiro convite ao baptismo, a 19 de outubro de 1492, acompanhado de amplos privilégios sociais e fiscais.

Este apelo foi seguido pola carta dos Reis Católicos de 10 de novembro do mesmo ano, permitindo-lhes o regresso a Espanha como cristãos batizados ou a batizarem-se em cidades fronteiriças espanholas, e a tomar posse dos seus antigos bens.


Alguns fizeram-no, como o comprova a documentaçom publicada por Suárez Fernández. Outros viram os seus filhos menores serem batizados e entregues a Álvaro de Caminha, capitão donatário de S. Tomé, que os levaria consigo para esta ilha atlântica, com a incumbência régia de os educar cristãmente, de os tornar proprietários de terras na ilha, senhores de engenho de açúcar e participantes do resgate de escravos na regiom.


Com a morte de D. João II, D. Manuel, duque de Beja, tornou-se rei de Portugal e umha das suas primeiras atitudes, para com os Judeus, foi a de libertar os que tinham caído em servidom. Até maio de 1496, as relações entre a minoria judaica e a coroa foram normais e nada fazia prever o desfecho trágico de 5 de dezembro do mesmo ano.

D. Manuel I expulsou os Judeus portugueses para casar com a filha mais velha dos reis católicos

O desejo de casar com a princesa viúva de D. Afonso, Isabel, obrigá-lo-ia a usar os Judeus como peões no xadrez da política peninsular que visava a unificaçom peninsular, sob a égide dumha das coroas. A anuência da filha mais velha dos Reis Católicos em se tornar rainha de Portugal passava pola exigência da expulsom de todos os «hereges», compreendidos aqui conversos e Judeus, cuja presença era compreendida como a causa dos males e castigos divinos que tinham caído sobre Portugal, entre os quais se encontrava a morte do príncipe herdeiro e a repentina doença e falecimento de D. João II, além das pestes.


Sem a unanimidade do conselho régio, D. Manuel viria a decidir-se pola expulsom das minorias religiosas, existentes no reino: a judaica e a moura. Polo édito de expulsom de 5 de dezembro, Judeus e mouros deviam abandonar o reino até outubro de 1497.


Sobre o que se passou nestes dez meses, pouco se sabe. Nom desejando a partida dos Judeus, o soberano procurava, através da confirmaçom de amplos privilégios sociais e fiscais e de pressões de ordem psicológica e outras, atraí-los a um batismo. Como mecanismos impeditivos da saída, restringiu os portos de embarque e promoveu o seu batismo forçado, por fases, começando polos indivíduos mais jovens: crianças, adolescentes, adultos jovens.


Assim, no final da Quaresma de 1497, a 19 de março, véspera de Domingo de Ramos —talvez a data da Páscoa judaica— mandou retirar as crianças judias aos pais, batizá-las e entregá-las a famílias cristãs. Umha semana mais tarde, impunha o batismo aos adolescentes e jovens menores de 25 anos e o batismo a alguns adultos que se encontravam em Lisboa, para embarcar. É o conhecido batismo nos Estaus, onde os Judeus se encontravam albergados e donde saíram em grupos para diversas igrejas da cidade, a fim de lhes ser imposta a água do batismo.

Paço dos Estaus (Lisboa)


A 30 de maio, D. Manuel fazia um derradeiro apelo à conversom voluntária dos que ainda nom se encontravam batizados, através dumha carta régia de privilégios em que prometia:

> nom inquirir, durante vinte anos, sobre o comportamento religioso dos neófitos;

> em caso de denúncia, o seu processo devia seguir os trâmites do tribunal civil, com as testemunhas publicadas, o que era o inverso do que ocorria nos tribunais inquisitoriais;

> em caso de culpa provada, os bens dos condenados por heresia seriam entregues aos herdeiros cristãos.


Este documento, sucessivamente, conformado por D. Manuel e por D. João III, em 1522, por mais dezasseis anos, pode ser definido como a «magna carta» dos cristãos novos portugueses, esgrimida por estes, em Roma, contra o Santo Ofício.


De junho a setembro de 1497, data da entrada, em Portugal, da princesa D. Isabel, ocorreram a partida dos Judeus que se recusaram a abjurar a sua fé e o batismo forçado, por todo o reino, dos Judeus que nom tinham conseguido vender todos os seus bens ou nom chegaram, no tempo devido, ao local de embarque.


Em todo o território português, o édito foi cumprido. A única exceçom permitida respeitaria às praças portuguesas do norte de África, conquistadas por D. Manuel, onde a existência de judiarias e de «judeus de sinal» foi consentida.


No entanto, apesar da existência do édito de expulsom das minorias religiosas, os «Judeus de sinal», como os Benzamerro, os Rute, etc, continuaram a frequentar o reino e a sua corte e a comunicar com os cristãos novos, praticando o proselitismo religioso, junto destes. Em terras de Marrocos, estes Judeus foram espiões e embaixadores ao serviço de Portugal.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

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