domingo, 15 de junho de 2025

AS LIÇÕES DA GUERRA DOS SEIS DIAS NO ATUAL ATAQUE AO IRÃO

 John Spencer

Em 1967, Israel enfrentou a aniquilaçom. O Egito fechou o estreito de Tiran. Cinco exércitos árabes mobilizaram-se (465 mil soldados, 2800 tanques e 800 aviões). Israel atacou primeiro e, em seis dias, derrotou o Egito, a Síria, a Jordânia, o Iraque e o Líbano. Foi umha preempçom para a sobrevivência.


Em 2025, Israel enfrenta umha ameaça diferente, mas nom menos existencial. O regime islâmico do Irão esteve a poucos dias dum ataque nuclear e já possui mísseis capazes de atingir cada centímetro de Israel. Trata-se dum regime que financia o HAMAS, o Hezbollah, os Houthis e entoa cânticos de "Morte a Israel" como política.


O Irão tem (ou tinha):


- Urânio enriquecido suficiente para umha bomba em poucos dias

- Mísseis balísticos de 2000 km

- Agentes terroristas em todas as fronteiras israelitas

- Umha rede militar-industrial protegida no subsolo


A liçom de 1967 ainda se aplica.


A prevençom non é escalada. É sobrevivência.


Israel nom pode esperar por um segundo Holocausto antes de agir.


Quer se trate de cinco exércitos árabes em 1967 ou dum Irão com armas nucleares em 2025, o princípio continua a ser o mesmo: atacar antes que seja tarde demais, ou nom sobreviver.





Cenários da guerra entre Israel e o Irão 

João Koatz Miragaia 


> Irão

O principal cenário de fim da guerra que seja positivo para o Irão, é derrotar Israel. O que isso significa?


1. Destruir o reator nuclear israelita e as capacidades militares do país, impondo umha humilhaçom.


Este cenário é possível, embora nom parece ser provável frente à aparente superioridade militar de Israel e o apoio dos EUA. Mas, suponhamos que o Irão seja capaz: Israel render-se-ia? É muito pouco crível. A maior possibilidade seria dum confronto estendido por meses.


2. O Irão destrói o Estado de Israel.


É pouco provável que o Irão tenha essa capacidade, e o país aparentemente nom conta com aliados capazes e interessados nessa tarefa. Caso tenha, seria umha tragédia, com centenas de milhares de mortos (inclusive palestinianos).


3. O Irão impõe uma situaçom de desgaste que derruba o governo de Israel.


Esta seria umha possibilidade, mas, no momento, a guerra justamente fortalece o governo israelita. É pouco crível. Mas falaremos do desgaste mais tarde. 


> Israel.

1. Israel destrói os reatores nucleares do Irão e provoca umha humilhaçom militar.


Talvez esse seja o principal objetivo, mas Israel é capaz disso? O reator de Natanz, que já foi atingido, tem as suas 20 mil centrífugas numha estrutura subterrânea fortemente protegida.


Amos Yadlin, ex-comandante da inteligência militar israelita, diz que o país nom tem condições militares de detonar o reator de Natanz como fez com Osirak (1981) e Deir ez-Zor (2007), no Iraque e na Síria. Os iranianos fortificaram os seus reatores,. aprendendo a liçom a partir da vulnerabilidade alheia. Noutras palavras, Israel precisaria da ajuda dos EUA para desencadear essa missom, algo que Trump nom parece disposto a fazer, sobretudo porque quer mudar a dinâmica de atuaçom dos EUA na regiom.


2. Israel submete um golpe forte ao Irão forçando-os a negociar um acordo nuclear.


Esse, segundo Yadlin, é o objetivo de Israel e dos EUA. Trump já disse diversas vezes que o Irão deveria voltar a negociar, caso contrário o estrago seria ainda maior. Mas é difícil acreditar que a República Islâmica se submeteria a essa humilhaçom. Por ora, nom há umha oposiçom fortemente armada no país, disposta a iniciar umha guerra civil e a derrubada do regime. E as consequências podem sair pola culatra.



Guerra de desgaste

E aí entra a outra vez a opçom da guerra de desgaste. Mesmo enfraquecido, se o regime nom está em vias de ser derrubado, o desgaste passa para o outro lado. Israel pode lidar com meses dumha guerra de desgaste, com bombardeios a cada 3 dias?


Alguns podem pensar: se o Irão pode, Israel também pode. Mas isso é um engano. A populaçom do Irão vive há décadas sob sanções o crises econômicas, ao contrário da de Israel. Israel está mais vulnerável a um forte declínio no estilo de vida dos cidadãos.


Além disso, a economia israelita depende muito da indústria de alta tecnologia, e umha longa e pesada guerra pode afetar muito o seu desenvolvimento. Umha populaçom pequena, desgastada e dividida nom é um bom cenário para umha longa guerra.


Baseado nisso está o meu pessimismo: Israel está acostumado a guerras rápidas, enquanto o Irão tem um histórico de guerras longas. O ataque do dia 13 de junho foi devastador, porque é isso o que Israel sabe e pode fazer. Pode sustentar esse ritmo por uns dias. E depois? 


O Irão certamente aposta na longa duraçom, e o que vai definir a situaçom é o tamanho do golpe que Israel conseguirá infligir. E Trump é figura essencial nessa história.


E por que eu nom estou otimista?

Porque eu no vejo esse confronto acabando rapidamente.


Eu gostaria de ver umha saída diplomática, um Próximo Oriente de paz, sem ocupaçom, massacres nem armas nucleares. Mas essa guerra nom parece que vai levar a esse fim. Na melhor das hipóteses, adia a próxima guerra, aumentando o ódio. Na pior, vira umha guerra infinita.



Nom acho que o vespeiro é maior do que a guerra Rússia x Ucrânia, mas nom dá para desprezar o tamanho da destruiçom que esse confronto ainda pode provocar.


sexta-feira, 13 de junho de 2025

O ANTIJUDAISMO MODERNO EM PORTUGAL

 Maria Jose Ferro Tavares

As representações mentais, sejam elas quais forem, pertencem à história da longa duraçom e, por isso, a sua mudança ocorre num tempo muito lento. Neste caso, encontra-se a imagem que a cristandade forjou para o judeu e, também, a que este criou para os indivíduos daquela. O cristão novo designava os cristãos velhos por «goim», enquanto estes o apelidavam de judeu herege.


Numha tentativa de afirmaçom histórica como povo, definido por umha religiom e por uma tradiçom ancestral, os cristãos novos procuraram no hermetismo e na endogamia as razões da sua sobrevivência histórica e do seu direito à diferença, apesar da proibiçom legal que os caracterizava, depois do batismo, como gente nom distinta dos cristãos de origem.


Ao encerramento sobre si próprios correspondia a suspeita, por parte dos cristãos velhos, de práticas religiosas judaicas e da esperança na vinda do Messias. As acusações de criptojudaísmo começaram a avolumar-se e a comunidade cristã de origem rejeitava os recém convertidos por hereges.


Foi dentro deste clima psicológico a que se veio juntar a fome e a peste, assim como a ausência da corte de Lisboa, que ocorreu o massacre dos cristãos novos, em 1506. As descrições desta tragédia foram transmitidas por cronistas portugueses de ascendência cristã e judaica, e por um anónimo alemão. Entre mil e quatro mil teriam sido as vítimas.



Pola primeira vez, materializava-se num levantamento popular de consequências graves para a minoria a consciencializaçom dum antijudaísmo no seio do povo miúdo, empolado e levado às últimas consequências polas pregações inflamadas de frades mendicantes, neste caso, os de S. Domingos de Lisboa. Para D. Manuel foi o primeiro sinal de que a integraçom pretendida podia falhar, de ambas as partes.


A partir deste momento a contençom para com os antigos Judeus, por parte da maioria cristã velha, era difícil e o antijudaísmo enveredou por um crescimento galopante, durante o período moderno, com cristas de afirmaçom violenta em períodos de crise social, política ou económica que se viriam a manifestar em uniões populares. A denúncia fácil de heresia, os escritos e panfletos antijudaicos, os sermões contra os falsos cristãos, as visitações diocesanas e as inquisitoriais, os autos públicos da fé, etc, exacerbaram este antijudaísmo a que nom foi estranha a velha rivalidade social e económica, quer entre cristãos velhos e cristãos novos, quer entre estes últimos.

A Inquisiçom, com os autos públicos da fé, veio a aumentar o antijudaísmo popular 


A Inquisiçom, com o seu clima de medo e dumha compulsom pola força de todo o comportamento religioso, social e cultural, entendido como anómalo ao padrom estabelecido polo estado e pola Igreja, iria alimentar este ódio popular, estendê-lo a outras franjas sociais que inicialmente lhe eram alheias e transformá-lo no sentir generalizado de quase todos os portugueses. A este sentimento coletivo nom foram estranhos também os próprios cristãos novos, quando rejeitavam exteriormente os que se afirmavam pola diferença.



A segregaçom dos hereges era exigida para a preservaçom da cristandade. A rejeiçom social viria a conduzir, paulatinamente, a partir da segunda metade do século XVI, à exclusom de certas funções a qual se veio a agravar com a dominaçom espanhola e durante o século XVII com as inabilitações para as honras, cargos eclesiásticos e universitários. Tentou-se igualmente impedir que, polo casamento, os cristãos novos continuassem a entrar na nobreza de linhagem. Para tudo passaria a ser necessária a carta-certidom de limpeza de sangue.


A esta exclusom social e mental contrapunha o doutor Fernando Cardoso, médico das cortes de Filipe III e Filipe IV, ou Isaac Cardoso, como viria a ser conhecido como judeu, a obra apologética intitulada «As excelências dos Judeus».

Em 1773 o Marquês de Pombal aboliu a distinçom legal entre cristãos novos e cristãos velhos


A segregaçom da «gente de nação» viria, legalmente, a acabar, depois de muito combatida por jesuítas e alguns políticos dos séculos XVII e XVIII —que relacionavam a decadência de Portugal com a saída para outras regiões dos cristãos novos—, em 1773, com a aboliçom polo Marquês de Pombal, primeiro ministro de D. José I, da distinçom entre cristão novo e cristão velho.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

quarta-feira, 11 de junho de 2025

ABORTADO COMPLÔ ANTISSEMITA EM PORTUGAL

 Umha mulher, que preferiu nom se identificar, revelou um grave plano para envenenar e atacar israelitas que comparecerão ao "Boom Festival", evento de música eletrónica em Portugal, programado para julho. 



Ela relatou à KAN News que se infiltrou num grupo de WhatsApp de ativistas anti-Israel, onde os participantes discutiam o uso de estricnina -um veneno letal que causa convulsões e morte por asfixia –contra os participantes judeus. Além do envenenamento, os planos incluíam atos degradantes como defecar em barracas, urinar na comida e incendiar tendas de israelitas. A mulher, que é judia e se infiltrou no grupo por meio de seu trabalho como artista, descreveu a escalada das discussões de "ideias bobas" para "planos sinistros".


Capturas de ecrã divulgadas pola KAN expõem a natureza odiosa do complô. Umha das mensagens sugere "dar umha amostra do próprio veneno" a veteranos das Forças de Defesa de Israel (IDF), ameaçando incendiar barracas e usar a estricnina. Outra mensagem desumaniza os israelitas, justificando a violência e o envenenamento. Umha terceira incita a um boicote global "onde quer que israelitas sejam encontrados", evidenciando a motivaçom antissemita e de ódio.


A denunciante, que recentemente deixou Portugal devido ao antissemitismo do qual foi vítima no país – incluindo ser alvo de cuspes por usar a Estrela de David–, expressou profunda consternaçom. Ela alertara a organizaçom do festival e a polícia portuguesa, mas lamentou que as suas preocupações nom foram levadas a sério. Esses planos para atacar o povo israelita são ainda mais chocantes e revoltantes após os brutais ataques de 7 de outubro  de 2023 em Israel, sublinhando a urgência de levar a sério tais ameaças.


Fonte: Stand With Us Brasil 

Via: The Jerusalem Post

sábado, 7 de junho de 2025

O RELATO GENOCIDIÁRIO CONTRA ISRAEL

 Acadêmicos de estudos do Holocausto explicam porque é errado afirmar que há genocídio na Faixa de Gaza.



Esta semana, os historiadores Norman Goda e Jeffrey Herf publicaram um artigo no The Washington Post que contesta o uso do termo "genocídio" para descrever a guerra de Israel contra o HAMAS na Faixa de Gaza. Os autores argumentam que as acusações, amplificadas por ativistas, acadêmicos e influenciadores no Ocidente, desconsideram a definiçom legal do crime, distorcem dados e ignoram a natureza genocida dos ataques promovidos polo HAMAS, especialmente os massacres de 7 de outubro de 2023.


"Historiadores, jornalistas e governos devem encarar com grande ceticismo todas as declarações feitas por essa organizaçom terrorista abertamente antissemita. Também devem dar o devido peso às declarações do governo de Israel, que, ao contrário do HAMAS, está sujeito à oposiçom política e a umha imprensa livre. Isso nom significa negar que a guerra trouxe enorme sofrimento ao povo de Gaza —mas a causa central desse sofrimento é o conflito iniciado polo HAMAS, que, como observou Tal Becker há 18 meses, se recusa a encerrar."




O texto destaca que o termo "genocídio" passou a ser utilizado como instrumento político para deslegitimar Israel, e que os dados de vítimas civis usados para alicerçar tais acusações são provenientes do Ministério da Saúde de Gaza -entidade controlada polo próprio HAMAS—, que se recusa a distinguir entre civis e terroristas. Segundo os autores, o sofrimento de civis palestinianos é real, mas é resultado direto da estratégia do HAMAS de usar a própria populaçom como escudo, impedindo o acesso aos túneis subterrâneos usados polos seus militantes.

A tese islamo-nazista -cacarejada pola esquerdalha- alastra em nível global 

No plano político, os acadêmicos alertam que a repetiçom acrítica dessas acusações tem efeitos concretos: alimenta o antissemitismo, transfere a culpa da guerra do agressor para a vítima, e ameaça Judeus na diáspora, como demonstrado no assassinato recente de dous funcionários da embaixada israelita nos EUA. O artigo conclui que, diante da gravidade do conflito, é necessário mais rigor na apuraçom dos factos e maior ceticismo diante das narrativas dum grupo terrorista que nom presta contas a ninguém —ao contrário do Estado de Israel, que opera sob pressom dumha imprensa livre e dumha democracia ativa.


 Fonte: Stand With Us Brasil 


OS CRISTÃOS NOVOS PORTUGUESES

 Maria José Ferro Tavares

Com o batismo forçado da minoria judaica e a expulsom dos mouros, deu-se a unificaçom religiosa do reino, segundo os princípios que viriam a vigorar no estado moderno: a religiom do príncipe é a religiom do reino. 

Após a expulsom dos Judeus os espaços ocupados pelas judiarias foram designados como Rua Nova na área galego-portuguesa 📷 Alhariz

Os recém-batizados eram agora designados por «cristãos novos», apesar de a carta de 30 de maio ter proibido que fossem tratados «como gente distinta». Na nova realidade social encontrava-se ausente a onomástica judaica, substituída pola cristã, tal como desaparecera o espaço fechado da judiaria, agora designado por «Rua Nova» ou «Vila Nova».


Resignados exteriormente, os neófitos regressaram às suas antigas casas, aos seus bens e à sua profissom, avizinhando no espaço que, antes, fora exclusivamente judaico, com os cristãos velhos, novos moradores das casas abandonadas dos que conseguiram partir.


A vizinhança próxima era umha forma de compulsom à integraçom. Pretendia-se com ela umha mais rápida conversom dos antigos Judeus, mas também umha vigilância que lhes impedisse, no interior do lar, continuar a viver no judaísmo. Aqui os olhos atentos eram os dos criados, amas e serviçais cristão velhos, ou os escravos batizados. Alguns, cujo número é impossível determinar, com um anterior passado cortesão ou de pertença a umha distinta família judaica, polo facto de se terem convertido de livre vontade, foram nobilitados, outorgando-lhes antes D. Manuel umha carta de limpeza da mancha do nascimento. A nobilitaçom continuaria a ser concedida, ao longo do século XVI, quer como recompensa por feitos praticados na guerra de África ou na Índia, sendo umha das vias de entrada a concessom do título de cavaleiro numha das ordens militares. A estes, aos fidalgos de solar, aos cavaleiros e escudeiros da casa real nom lhes era aplicada, nem à sua família, a designaçom de cristãos novos.


Com a mesma preocupaçom de integraçom, surgiu a lei manuelina que proibia os antigos Judeus de se casarem entre si. Esta medida, que nom viria a resultar numha parte substancial da populaçom cristã nova, procurava promover o cruzamento de pessoas e bens dos dous grupos cristãos, de modo a caminhar para umha futura fusom dos dous corpos da sociedade e a umha maior assimilaçom do catolicismo, por parte do cônjuge ex-judeu, e a umha educaçom cristã dos descendentes, através da vigilância permanente da família cristã velha.


No entanto, durante o século XVI, este cruzamento só se veio a efetuar nos estratos sociais mais elevados que, por nobilitaçom efetiva e o esquecimento do seu passado judaico. Os estratos sociais médio e baixo da minoria cristã nova evitavam cruzar-se com os cristãos velhos, preferindo um isolacionismo, afirmativo do direito à diferença histórica.


Aos recém-batizados abriam-se-lhes, agora, os cargos municipais, o ensino universitário, as funções no aparelho da administraçom central ou nos tribunais, a carreira eclesiástica, além da já referida carreira das armas, no norte de África ou na Índia. Por isso, encontram-se como sacerdotes, cónegos das sés, monges e freiras. Frequentavam as universidades, como a de Coimbra ou a de Évora, a de Salamanca ou a de Lovaina, onde se bacharelavam, licenciavam e doutoravam em direito, teologia, medicina. No século XVII, a universidade de Coimbra era tida como um centro forte da docência cristã nova, tal como no século XVI suspeita semelhante caíra sobre a de Salamanca, no reino vizinho. O mesmo sucedeu com o exercício da medicina, umha vez que o corpo médico era, na generalidade, constituído por descendentes dos antigos Judeus.

A assimilaçom dos cristãos novos foi umha teima após a conversom forçada

A nível económico, os cristãos novos mantiveram-se nas tradicionais profissões: artesanato e comércio. A grande maioria pertencia ao grupo dos artesãos e dos pequenos e médios mercadores. Os mais ricos continuavam ligados à alta finança e ao trato internacional, com a Europa e os novos mundos, além de lhes continuar a pertenecer o crédito aos monarcas portugueses e espanhóis. Estavam, neste caso, os Mendes que, desde o início do século XVI, apareciam fortemente ligados a Antuérpia e à compra de mercadorias diversas, entre as quais, a prata para a Casa da Moeda de Lisboa.


É nesta conjuntura económica, alterada internamente polo estabelecimento do Tribunal do Santo Ofício que deve ser entendido o fenómeno da diáspora dos cristãos novos portugueses. De facto, a grande mobilidade destes, quer para o velho continente, quer para os novos mundos do Atlântico e do Índico, deve ser entendida, sob duas vertentes: o desejo, para uns, de voltar à fé ancestral e, para outros, o apelo dos interesses económicos que os fazia olhar para certas regiões da Europa e para os novos mundos, provenientes das descobertas, como lugares onde livremente podiam ser Judeus e enriquecer.

As perseguições da Inquisiçom provocaram o êxodo dos cristãos novos


Por isso, na Europa, os seus interesses viraram-se para Antuérpia onde D. Manuel criara uma feitoria, e para as cidades italianas, centros importantes do comércio mediterrânico central e oriental. No final de Quinhentos, perante a decadência daquela, o polo de interesse mudava-se para Amesterdão e também para Hamburgo. Neste interland de rotas comerciais terrestres e marítimas europeias ficavam as cidades francesas, como Lyon, Bordéus, ou, nos finais de Quinhentos e inícios de Seiscentos, La Rochelle e Baiona, como S. João da Luz.


A América, quer espanhola, quer portuguesa, desde cedo os interessou: os metais preciosos na primeira, as plantações e engenhos de açúcar na segunda a que nom foi estranho, neste caso, o resgate de escravos de Angola para o Brasil, praticado por sociedades comerciais familiares com assento em Lisboa e sucursais em S. Tomé e no Brasil.


O Oriente exerceu também umha grande e dupla atraçom sobre as famílias cristãs novas que, cedo, se instalaram na Índia, comerciando e defendendo o império português no Índico. No Industão, aos interesses económicos juntou-se a franca passagem para a ajuraçom, via Ormuz ou Golfo Pérsico, além da possibilidade de, longe, poder regressar ao convívio dos antigos familiares judeus, radicados em terras do Turco e à sua antiga religiom, dumha forma velada mas mais segura de que no reino. Noutros, a atraçom do Oriente levou-os a Malaca, à China e ao Japom.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

sexta-feira, 30 de maio de 2025

A EXPULSOM E O BATISMO FORÇADO DOS JUDEUS PORTUGUESES

 Maria José Ferro Tavares

A vinda dos conversos castelhanos, durante o último quartel do século XV, alguns deles perseguidos pola Inquisiçom, instalada em Castela em 1478, agravada pola expulsom geral da minoria judaica polos Reis Católicos, em 1492, desestabilizou completamente a sociedade portuguesa que via, em ambos, um perigo, quer religioso, quer económico.

A chegada dos Judeus expulsos de Espanha desestabilizou Portugal 


O facto de alguns conversos procurarem voltar, em Portugal, ao judaísmo, iria obrigar D. João II a atuar polos seus próprios meios, ou seja, a criar um corpo de inquiridores da fé, ligados ao tribunal diocesano, depois de ter consultado a Santa Sé. Como resultado destas inquirições, alguns conversos vieram a ser queimados por hereges.


A esta instabilidade sócio-religiosa e à desconfiança crescente juntou-se o medo à peste que provocaria umha reaçom coletiva antijudaica, sobretudo, nos concelhos mais densamente povoados por Judeus, a qual seria prontamente sufocada polo rei e polas autoridades municipais de Lisboa, Évora e Porto, polo que nom tiveram quaisquer consequências para as gentes das respetivas comunas. Curiosamente, estas cidades tinham as maiores comunidades de Judeus portugueses e foram também as que receberam maior número de imigrantes castelhanos.


A presença clandestina de muitos destes conduzira à escravidom dos que nom conseguiram ou nom tiveram alguém que, por eles, pagasse o tributo de entrada em Portugal, ou seja, os oito cruzados de ouro. Para estes, o monarca promulgava o primeiro convite ao baptismo, a 19 de outubro de 1492, acompanhado de amplos privilégios sociais e fiscais.

Este apelo foi seguido pola carta dos Reis Católicos de 10 de novembro do mesmo ano, permitindo-lhes o regresso a Espanha como cristãos batizados ou a batizarem-se em cidades fronteiriças espanholas, e a tomar posse dos seus antigos bens.


Alguns fizeram-no, como o comprova a documentaçom publicada por Suárez Fernández. Outros viram os seus filhos menores serem batizados e entregues a Álvaro de Caminha, capitão donatário de S. Tomé, que os levaria consigo para esta ilha atlântica, com a incumbência régia de os educar cristãmente, de os tornar proprietários de terras na ilha, senhores de engenho de açúcar e participantes do resgate de escravos na regiom.


Com a morte de D. João II, D. Manuel, duque de Beja, tornou-se rei de Portugal e umha das suas primeiras atitudes, para com os Judeus, foi a de libertar os que tinham caído em servidom. Até maio de 1496, as relações entre a minoria judaica e a coroa foram normais e nada fazia prever o desfecho trágico de 5 de dezembro do mesmo ano.

D. Manuel I expulsou os Judeus portugueses para casar com a filha mais velha dos reis católicos

O desejo de casar com a princesa viúva de D. Afonso, Isabel, obrigá-lo-ia a usar os Judeus como peões no xadrez da política peninsular que visava a unificaçom peninsular, sob a égide dumha das coroas. A anuência da filha mais velha dos Reis Católicos em se tornar rainha de Portugal passava pola exigência da expulsom de todos os «hereges», compreendidos aqui conversos e Judeus, cuja presença era compreendida como a causa dos males e castigos divinos que tinham caído sobre Portugal, entre os quais se encontrava a morte do príncipe herdeiro e a repentina doença e falecimento de D. João II, além das pestes.


Sem a unanimidade do conselho régio, D. Manuel viria a decidir-se pola expulsom das minorias religiosas, existentes no reino: a judaica e a moura. Polo édito de expulsom de 5 de dezembro, Judeus e mouros deviam abandonar o reino até outubro de 1497.


Sobre o que se passou nestes dez meses, pouco se sabe. Nom desejando a partida dos Judeus, o soberano procurava, através da confirmaçom de amplos privilégios sociais e fiscais e de pressões de ordem psicológica e outras, atraí-los a um batismo. Como mecanismos impeditivos da saída, restringiu os portos de embarque e promoveu o seu batismo forçado, por fases, começando polos indivíduos mais jovens: crianças, adolescentes, adultos jovens.


Assim, no final da Quaresma de 1497, a 19 de março, véspera de Domingo de Ramos —talvez a data da Páscoa judaica— mandou retirar as crianças judias aos pais, batizá-las e entregá-las a famílias cristãs. Umha semana mais tarde, impunha o batismo aos adolescentes e jovens menores de 25 anos e o batismo a alguns adultos que se encontravam em Lisboa, para embarcar. É o conhecido batismo nos Estaus, onde os Judeus se encontravam albergados e donde saíram em grupos para diversas igrejas da cidade, a fim de lhes ser imposta a água do batismo.

Paço dos Estaus (Lisboa)


A 30 de maio, D. Manuel fazia um derradeiro apelo à conversom voluntária dos que ainda nom se encontravam batizados, através dumha carta régia de privilégios em que prometia:

> nom inquirir, durante vinte anos, sobre o comportamento religioso dos neófitos;

> em caso de denúncia, o seu processo devia seguir os trâmites do tribunal civil, com as testemunhas publicadas, o que era o inverso do que ocorria nos tribunais inquisitoriais;

> em caso de culpa provada, os bens dos condenados por heresia seriam entregues aos herdeiros cristãos.


Este documento, sucessivamente, conformado por D. Manuel e por D. João III, em 1522, por mais dezasseis anos, pode ser definido como a «magna carta» dos cristãos novos portugueses, esgrimida por estes, em Roma, contra o Santo Ofício.


De junho a setembro de 1497, data da entrada, em Portugal, da princesa D. Isabel, ocorreram a partida dos Judeus que se recusaram a abjurar a sua fé e o batismo forçado, por todo o reino, dos Judeus que nom tinham conseguido vender todos os seus bens ou nom chegaram, no tempo devido, ao local de embarque.


Em todo o território português, o édito foi cumprido. A única exceçom permitida respeitaria às praças portuguesas do norte de África, conquistadas por D. Manuel, onde a existência de judiarias e de «judeus de sinal» foi consentida.


No entanto, apesar da existência do édito de expulsom das minorias religiosas, os «Judeus de sinal», como os Benzamerro, os Rute, etc, continuaram a frequentar o reino e a sua corte e a comunicar com os cristãos novos, praticando o proselitismo religioso, junto destes. Em terras de Marrocos, estes Judeus foram espiões e embaixadores ao serviço de Portugal.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED