1. A queda de Assad nom é cousa pouca.
De facto, nos próximos meses veremos que o conflito na Síria foi sempre, potencial e efetivamente, mais perigoso do que o conflito israelo-palestiniano.
Tanto é verdade que agora Gaza vai passar para segundo plano.
Porquê?
2. A Síria é o ponto que liga dous conflitos muito graves, mas que se mantiveram “locais”: a guerra Rússia-Ucrânia e a guerra Israel-Hamas/Hezbollah.
Por mais perigosos ou dramáticos que sejam, estes conflitos permaneceram limitados à Ucrânia, Gaza e Líbano.
Mas...
3. Embora sempre se tenha salientado que existia umha ligaçom entre ambos, é agora mais evidente: a Ucrânia luta contra a Rússia; a Rússia é aliada do Assad e do Irão; Israel combate o HAMAS e o Hezbollah; O HAMAS e o Hezbollah são patrocinados polo Irão e são aliados do Assad.
4. Agora pode-se dizer que só existe umha guerra: um eixo composto pola Rússia, polo Irão, polo HAMAS, polo Hezbollah, polo Assad e, além disso, polas milícias xiitas do Iraque e polos Houthis, contra inimigos que nom estão integrados num grupo, mas todos travam a sua guerra.
5. Os principais são, naturalmente, a Ucrânia e Israel, mas agora foram acrescentados os inimigos de Assad dentro da Síria: milícias salafistas como o ISIS ou a Al-Qaeda, as milícias pró-turcas, os Curdos e os Drusos.
Isto pode estender-se ao Líbano, por causa do Hezbollah.
6. Se os seus próprios inimigos internos já atacaram o Assad na Síria, pode acontecer com os múltiplos inimigos que o Hezbollah tem no Líbano: sunitas (como os grupos salafistas na Síria), Maronitas (cristãos) e Drusos (completamente ligados aos da Síria).
7. As razões polas quais existia o risco de reativaçom da guerra civil na Síria (o que já aconteceu) foram as mesmas razões polas quais a guerra civil no Líbano poderia ser reativada.
Em suma, trata-se do enfraquecimento do eixo iraniano.
8. Durante três décadas, o Irão impôs as suas condições em todo o Próximo Oriente devido à sua imagem como potência militar, reforçada pola sua aliança estratégica com a Rússia. Neste esquema, o Hezbollah era a sua principal carta para chantagear o Ocidente.
9. Perante qualquer possível ameaça contra os aiatollahs, estava o aviso de que qualquer agressom seria respondida com umha chuva maciça de mísseis sobre Israel (embora nom tivesse nada a ver com as discussões).
Por isso, todos tiveram de ir com muito cuidado.
10. As cousas mudaram desde 7 de outubro de 2023. Após o selvagem ataque terrorista palestiniano, Israel lançou umha guerra total para destruir o HAMAS. Isto era um risco, mas Israel concebeu umha estratégia muito eficaz, evitando que o Hezbollah interferisse no diferendo.
11. Originalmente, Israel ter-se-ia contentado em destruir o HAMAS. Isto já representou umha grande conquista estratégica, porque destruiu o principal foco de agressom contra o Estado judeu.
Foi aí que o Nasrallah cometeu um erro catastrófico: agarrou-se a umha guerra sem sentido.
12. Ao levar a cabo a ameaça estúpida de que o Hezbollah nom pararia de bombardear Israel enquanto nom houvesse cessar-fogo em Gaza, o conflito tornou-se mais complicado do que o necessário, e há cerca de quatro meses Israel detetou que o Hezbollah tinha enfraquecido consideravelmente.
13. Nessa altura começou a verdadeira guerra contra o Hezbollah. Primeiro a eliminaçom do seu génio militar Fwad Shukr, depois o famoso episódio dos beepers e walkie-talkies, a eliminaçom de todo o comando das Forças Radwan e, finalmente, a eliminaçom de Hassan Nasrallah.
14. Seguiu-se umha incursom terrestre que o Hezbollah –sem comandantes treinados– foi incapaz de enfrentar. Entretanto, Israel manteve umha troca de bombardeamentos com o Irão.
Nessa altura –há cerca de dous meses- ainda nom era possível avaliar os danos que Israel tinha causado aos seus inimigos.
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O enfraquecimento do Hezbollah -na sequência da guerra contra Israel desatada polo HAMAS a 7 de outubro de 2023- desempenhou um papel fulcral na derrubada do regime da Síria. |
15. Estamos apenas a começar a avaliar a situaçom real graças a duas cousas: umha, a reativaçom da guerra civil na Síria; duas, a surpreendente velocidade com que o regime de Assad colapsou.
O Assad era o líder mais estúpido, mas também o mais importante.
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Apesar dos perigos representados polos jihadistas, o povo sírio está a celebrar a queda do ditador responsável por 600 mil mortes e mais de 6 milhões de refugiados no exterior |
16. O Assad foi sempre inepto, mas representava a possibilidade de o Irão ter um corredor terrestre que o ligava ao Hezbollah, o seu principal meio de dissuasom contra Israel e o Ocidente.
Assad podia ser um zero à esquerda, mas era quem deixava passar armas e dinheiro.
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O regime de Assad permitiu ao Irão contar com um corredor terrestre entre Teerão e o Líbano para fornecer com armamento o Hezbollah |
17. Assad esteve prestes a cair na guerra civil que eclodiu em 2011. O Irão, para nom perder a Síria, envolveu a Rússia neste conflito. O Assad salvou a pele, o seu regime manteve-se e a Síria continuou a ser o corredor para manter o Hezbollah bem armado e financiado.
18. A queda de Assad é muito grave para a Rússia, o Irão e o Hezbollah. A Rússia pode (ou irá) perder a sua principal base naval (Tartus), que lhe conferia um acesso estratégico ao Mediterrâneo. O Irão deixará de poder financiar ou armar o Hezbollah, que permanecerá mutilado e coxo perante Israel.
19. O facto de Assad ter caído significa que a Rússia, o Irão e o Hezbollah –os seus protectores– estão grandemente enfraquecidos. O facto de ter caído TÃO CEDO significa que polo menos o Irão e o Hezbollah estão mortalmente feridos.
E, o que é realmente sério...
20. Um dos pilares que tem mantido gente como Putin, os aiatollahs ou Assad no poder é o medo.
O mundo está a ver como nengum dos três tem capacidade para controlar os rebeldes sírios.
Nom é a NATO, nom é Israel, nom são os EUA.
É aos rebeldes sírios.
21. Sem medo, quanto tempo poderia o Assad durar no poder? Menos de duas semanas e caiu. Quanto tempo podem durar os aiatollahs agora? Ao primeiro golpe (e este pode chegar assim que Trump tomar posse), irão se desmoronar.
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Áreas de controlo da Síria na altura do início da operaçom das milícias islamitas do HTS. Em vermelho área controlada polo regime de Assad a 28/11/2024 |
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Áreas controladas polas milícias do HTS (verde), milícias turcas (azul) e forças do Curdistão (amarelo) a 8/12/2024 |
É por isso que a Rússia prefere fugir desta guerra.
22. Se o desejo dumha guerra civil puder chegar ao Líbano, o que menos interessa a Putin é que a febre rebelde da Síria alastre às repúblicas russas. Umha explosom de nacionalismos independentistas NOM PODERIA ser controlada polas forças de Putin.
23. Entretanto, a Europa terá de estar muito alerta, porque a exacerbaçom dos grupos islamistas na Síria pode trazer de volta ataques como os perpetrados polo ISIS na década anterior.
Um cenário que ninguém quer, mas cujas probabilidades aumentaram.
24. Este é o panorama neste momento. Será definido e poderemos fazer cálculos mais precisos dependendo do tipo de conflito que aconteça na Síria. Se logo depois de o Assad cair os rebeldes estabilizarem o seu poder dividido por várias províncias, as cousas poderão nom piorar.
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Plano de Partilha da Síria em unidades etno-religiosas: área curdo-drusa (amarelo), área árabe-sunita (verde) e área cristão-alavita |
25. Mas se a Síria se tornar num pandemónio de todos contra todos, as consequências poderão ser tão inimagináveis quanto catastróficas.
Prestem atençom. O verdadeiro bem do século XXI ainda agora começou.
Continuaremos a reportar.
ATUALIZAÇOM
10/12/2024
Logo depois da derrubada do regime do Assad, Israel, pol sua vez, reforçou a sua presença militar nas Colinas de Golão e estabeleceu uma zona tampom na fronteira com a Síria. Em comunicado oficial, as Forças de Defesa de Israel (IDF) afirmaram nom ter nengum envolvimento com os eventos em curso no território sírio, sendo a medida apenas umha questom de segurança nacional, a fim de proteger os israelitas. Os desdobramentos da situação na Síria e seus impactos na geopolítica do Próximo Oriente são bastante incertos.
Com um discurso aparentemente mais moderado, o HTS (grupo armado islamista considerado terrorista polo Conselho de Segurança da ONU, os EUA e a UE, a partir 29 de outubro e numha Blitzkrieg, avançou sem resistência das forças do Regime de Assad sobre sobre importantes cidades sírias, chegando a Damasco a 8 de dezembro. Em comunicado oficial, a Rússia, que está focada na sua guerra imperialista contra a Ucrânia, anunciou que Assad fugiu da Síria. Nom se sabe ainda o paradeiro do ditador.
11/12/2024
Israel fez mais de cem ataques na Síria nas últimas 12 horas, e o exército calcula que tenha destruído cerca de 80% das capacidades militares do exército sírio. Além disso, Israel ocupou a zona desmilitarizada do Golã sírio, e foi acusado doutras cousas.
Desde que a Síria está em guerra civil, Israel nom deixou de atacar o país alegando alvejar interesses iranianos e o envio de armamento a grupos terroristas, especialmente o Hezbollah.
Após a queda de Assad, os ataques israelitas multiplicaram-se. Se antes a Síria funcionava, segundo Israel, como um corredor terrestre para o envio de armas do Irão para o Hezbollah, agora a ameaça é que grupos terroristas islamofascistas se apossem do equipamento militar sírio e o use contra Israel.
A primeira medida adotada polo governo israelita foi ocupar a zona desmilitarizada, delimitada no armistício de 1974, que é de soberania síria. Israel alega que rebeldes armados transitavam pola regiom, e punham em perigo a populaçom do Golã israelita.
Fotos de satélite mostraram uma fábrica de mísseis totalmente destruída, e a empresa britânica Ambrey afirmou que Israel atacou 15 navios de guerra sírios, alguns portando mísseis mar-terra, após a debandada dos navios russos.
A rede de comunicaçom libanesa pró-Hezbollah Al Mayadin afirmou que tanques israelitas avançaram a umha distância de 23 km de Damasco, conquistando povoados no caminho. O porta-voz do exército israelita negou a divulgaçom.
Ao mesmo tempo, Netanyahu disse publicamente que Israel deseja ter relações com o novo governo sírio, mas os ataques nom devem cessar nos próximos dias.
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