sexta-feira, 21 de abril de 2023

NOM ÚNICO, MAS SEM PRECEDENTES

Yehuda Bauer

18 de abril de 2023 | #YomHaShoah

A forma como a sociedade se relaciona com a Shoá (Holocausto) nom é isenta de clichês: “seis milhões”, “nunca mais”, “incomparável”, etc. Quando as posições nom gozam de conteúdo real, ficamos presos a clichês. Mas se colocarmos os clichês de lado, o que mais podemos dizer hoje, que nom tenha sido dito, sobre o genocídio que chamamos Shoá (um termo cujo significado bíblico significa “desastre”, sobretudo um desastre ambiental – algo que a Shoá definitivamente nom é)?



Bem, a verdade é que a pesquisa permite-nos dizer muitas coisas, mas nem sempre elas são recebidas com boa vontade por muitos que nos escutam. A Shoá nom foi única. Se tivesse sido única, ou seja, um evento que nom se pode repetir (desde que único significa algo que acontece umha única vez), entom poderíamos esquecê-la, pois ela nom vai repetir-se de nengumha maneira. Mas a Shoá foi um evento causado polo ser humano, e como tudo o que os seres humanos fazem, ela poderia repetir-se, nom exatamente igual, desde que nengum evento se repete de forma idêntica, mas de forma parecida.


Única: nom. Sem precedentes: sim. Algo parecido com ela nom aconteceu no passado, mas pode acontecer no futuro. A principal característica da Shoá, que é sem precedentes, foi a motivaçom do verdugo: os Judeus nom foram assassinados porque desejavam as suas posses. Eles até tomaram as suas propriedades, que nom eram muitas na Rússia e na Polônia, por exemplo (cerca de três milhões ou mais dos Judeus assassinados eram cidadãos da Polônia antes da guerra), e nom havia necessidade de assassiná-los para roubá-los. Era possível escravizá-los (e eles o fizeram), mas a sua força de trabalho era um interesse temporário. O objetivo final era matá-los.


E a motivaçom polo assassinato era ideológica. Os nazistas e os seus parceiros assassinaram nom por interesses econômicos ou políticos, muito polo contrário. Se nom fosse o antissemitismo assassino, os Judeus que viviam na Alemanha e nos países que com ela colaboravam, certamente teriam combatido bravamente polo Reich. Acontece que o antissemitismo da liderança nazista nom foi apenas a causa da Shoá, mas também um fator importante – talvez até decisivo – entre os fatores responsáveis ​​pola guerra. Isso pode ser comprovado.


Em outubro de 1936, Hermann Göring, o número 2 da hierarquia nazista, foi nomeado como o responsável polo “Plano Quadrienal” (o programa paralelo aos “Planos Quinquenais” da URSS), que preparasse a Alemanha para a guerra desejada pola liderança nazista. Em agosto do mesmo ano, Hitler deu as instruções a Göring por meio dum memorando, talvez o único que ele mesmo escreveu ou ditou, dirigindo-se a Göring na primeira pessoa do singular: “eu”. Este memorando nom foi eliminado, e aparece entre os documentos dos Julgamentos de Nuremberga, em traduções em inglês, francês e russo. Foi publicado no original em alemão polo governo da Alemanha Ocidental em 1977.


No memorando, Hitler explica a Göring porque a Alemanha deveria começar umha guerra num curto espaço de tempo, e o que vem a seguir é o que está citado (entre outras cousas): “Desde o início da Revoluçom Francesa, o mundo vem deteriorando-se com velocidade cada vez maior rumo a um novo conflito, cuja expressom extrema se chama bolchevismo, cujo objetivo nom é mais a eliminaçom daquelas classes sociais das quais vinham os líderes da humanidade até agora, mas a sua substituiçom polos Judeus internacionais… Perante esse desastre, a Alemanha tem o dever de se defender e garantir a sua existência por todos os meios possíveis; Várias conclusões surgem dessa necessidade, e elas levam às tarefas mais importantes que o nosso povo já enfrentou. Porque a vitória do bolchevismo sobre a Alemanha nom levará a um acordo nos moldes do Tratado de Versalhes, mas sim à sua extinçom final, até mesmo à aniquilaçom [“Ausrottung”] do povo alemão.”


Compreender este documento nom é difícil. Significa que a Alemanha deve iniciar umha guerra, que é basicamente umha guerra defensiva, contra o bolchevismo, que é judeu, porque o seu único objetivo é o domínio do judaísmo internacional sobre o mundo. Acontece, portanto, que o antissemitismo nazista foi nom só a principal causa do que chamamos de “Shoá”, como também era a base da guerra da Alemanha nazista contra o bolchevismo e os seus aliados.


Nom sou um grande adepto de explicações unicausais e unidimensionais, e nom afirmo que a ideologia que encontrou a sua expressom explícita e clara no documento aqui citado seja o único fator que levou à guerra. Mas, por outro lado, parece impossível ignorar a clara base ideológica que a liderança nazista, e antes de tudo o próprio Hitler, delineou diante dos seus membros. A força dessa base ideológica mostra que nom apenas as causas do Holocausto, mas a própria guerra, som diferentes do que é comumente descrito na maior parte da historiografia existente.


Portanto, com cuidado podemos dizer que os 35 milhões de vítimas da guerra, somente na Europa, pereceram – entre outras razões – nom por causa dos Judeus, mas por causa da hostilidade aos Judeus. Se excluirmos desta regra as vítimas da Shoá (digamos, cerca de seis milhões) – isso significa que aproximadamente 29 milhões de pessoas, nom-judias, perderam as suas vidas por causa das concepções antissemitas da liderança nazista.


O antissemitismo assassino nom foi, como mencionado, o único fator, mas é impossível fugir da conclusom de que ele exerceu (e ainda exerce) umha influência enorme. Nom polo caráter dos Judeus, porque os Judeus nom eram menos bons ou maus, ou mais humanistas ou sociopatas que o resto das pessoas.


Devemos fazer umha comparaçom entre o fenômeno do nazismo e o que está a acontecer nos dias de hoje? Qualquer análise histórica é baseada, entre outras cousas, em comparações. No entanto, qualquer comparaçom real destaca nom apenas as semelhanças, mas também as diferenças entre os eventos históricos. Sim, existem fatores semelhantes, mas também existem grandes diferenças entre  o passado e o presente. Em todo caso, nada que tenha sido feito com base em ideologia antissemita pode justificar as más ações feitas por alguns Judeus ​​hoje.


É comum que os políticos israelitas e os seus porta-vozes façam discursos no Dia da Lembrança da Shoá e dos Levantes (como se houvesse umha Shoá e os levantes, e que nom houvesse conexom entre os dous – estupidez absoluta), citem alguns depoimentos e falem sobre o perigos que representam o Irão, os Palestinianos, ou qualquer um que critique a política israelita. Eles nom estão a falar sobre a Shoá, sobre o contexto no qual ela está inserida, ou sobre as razões da sua ocorrência, mas sobre o presente de acordo com a sua compreensom. O nosso público é disciplinado e engole essa bobagem sentimental sem questionamento. Nom tenho dúvidas de que isso acontecerá novamente no Dia da Lembrança deste ano. No entanto, também existem aqueles que entendem e fazem as perguntas certas, quer tenham respostas ou nom. Entre os questionadores, há umha representatividade significativa das gerações mais novas. A nossa esperança ainda nom está perdida.


Yehuda Bauer é israelense, historiador e estudioso do Holocausto. Nasceu na República Tcheca e é professor de Estudos do Holocausto no Instituto Avraham Harman de Judaísmo Contemporâneo da Universidade Hebraica de Jerusalém.


Fonte: Instituto Brasil-Israel, publicado originalmente no Haaretz

Tradução Livre do hebraico para o português-Br de João Koatz Miragaya

Adaptaçom para o galego-português de Caeiro

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