quarta-feira, 20 de outubro de 2021

SOBRE O SIONISMO, ISRAEL, ANTISSEMITISMO E A CAUSA PALESTINIANA

Em resposta às pesadas críticas deitadas contra o sionismo, Israel e a causa palestiniana sem nengum contraditório no podcast com Yasser Jamil Fayad do @LadoBdoRio (episódio 214), João Koatz Miragaya retorquiu com um interessante fio que responde a várias questões que atravessam imaginários sobre o conflito israelo-palestiniano:

João Koatz Miragaya 

1. SOBRE O SIONISMO COMO MOVIMENTO COLONIALISTA

O referido comentadeiro descreve o sionismo como um produto tardio do colonialismo europeu, para satisfazer os interesses das potências europeias no Próximo Oriente. Ao mesmo tempo, ele descreve os Judeus como elementos indesejáveis, dos quais os europeus queriam se desfazer. Casamento ideal.

Mas o sionismo surge exatamente como umha resposta ao nacionalismo europeu, antissemita por definiçom. Em diversos Estados os Judeus sequer receberam cidadania até fins do século XIX. Quando receberam, foram perseguidos como inimigos da naçom da mesma maneira.

Ao contrário do que o comentadeiro disse, o movimento sionista nom recebeu apoio das potências imperialistas. Nem do Reino Unido, que limitou a imigraçom judaica a cada Livro Branco publicado, além de ter perseguido os seus líderes e dificultado a colonizaçom da terra.

Outras potências, na sua imensa maioria, sequer mostraram-se simpáticos à ideia da criaçom de um Estado judeu. O apoio econômico das potências e militar descrito polo comentadeiro pró-palestiniano nom existiram, e eu o desafio a me trazer qualquer fonte que mostre o contrário.

Descrever o sionismo como produto do colonialismo imperialista europeu é umha tentativa clássica de negar a autodeterminaçom nacional ao povo judeu, deslegitimando o princípio de autodeterminaçom dos povos. E precisa fazer pirueta retórica e mentir pra justificar esse argumento.

2. SOBRE A LIMPEZA ÉTNICA NA PALESTINA

Outra mentira contada é a de que o sionismo tinha o objetivo de expulsar a populaçom árabe da Palestina, trocando-a pola judaica. Absolutamente NENGUM teórico do sionismo pedia a remoçom dos Arabes, e apenas correntes ridiculamente minoritárias pleitearam isso.

O Plano Dalet, operaçom da Guerra de 1948, é descrita polo comentadeiro como prova dessa intençom. O problema é que nom há absolutamente nengumha ordem do exército para expulsar cidadãos das suas casas durante a guerra, nem de realizar massacres.

Isso tudo está na obra de Benny Morris, "The Birth of the Palestinian Refugee Problem, 1947—1949", na qual ele examina minuciosamente os arquivos militares. É verdade que houve massacres. É verdade que houve expulsões. Mas nom era de forma algumha umha política deliberada.

O comentadeiro chega ao absurdo de dizer que o Plano Dalet baseava-se em estudos minuciosos, prevendo a consequência de determinadas ações violentas, antecipando assim o abandono dos Árabes das suas casas em virtude de ações violentas. Só faltou (em toda a entrevista) dar uma fonte.

3. SOBRE A PRESENÇA JUDAICA NA PALESTINA

O comentadeiro alega que o sionismo era pífio antes da conquista britânica da Palestina. Mas das cinco ondas de imigraçom judaica para a Palestina antes da Segunda Guerra, três foram antes da conquista britânica. Foram mais de 100 mil imigrantes judeus, número nada desprezível.

Estes pioneiros construíram a base do que viria a ser o Estado: as suas instituições, as cidades, os kibutzim, moshavim, aldeias agrícolas, etc. Também criaram sindicatos, movimentos sociais, serviço de saúde, de educaçom. Irrigaram e industrializaram a terra.

Mas o comentadeiro chega ao absurdo de dizer que foi o nazismo o maior impulsionador dessa imigraçom judaica e de criar um problema para a Palestina - leia-se, a imigraçom judaica. Diz que os Judeus que ficassem na Europa sabiam que poderiam acabar num campo de concentraçom.

A fraqueza deste argumento é visível por todos os lados:

Primeiro, porque os Judeus da Alemanha representaram cerca de 30% dos imigrantes apenas da última das cinco ondas de imigraçom para a Palestina (cerca de 45 mil pessoas). A imensa maioria dos Judeus alemães fugiu para outros países.

Em segundo lugar, em 1933 absolutamente ninguém sabia que ia haver campos de concentraçom e extermínio, provavelmente nem os nazistas (que trabalhavam com outras "soluções" para a questom judaica). A saída dos Judeus europeus já era numerosa antes da chegada do nazismo ao poder.

4. SOBRE A PARTILHA DA PALESTINA

O comentadeiro também argumenta que a ONU decide pola partilha da Palestina em dous Estados para atender a interesses imperialistas. Mas como ele explica que a URSS e o bloco socialista votaram a favor? Como explica que as armas adquiridas por Israel vieram da Checoslováquia?

5. SOBRE A COLABORAÇOM BRITÂNICA COM O SIONISMO

Depois alega-se que as milicias sionistas foram treinadas e armadas polos britânicos para combater os Palestinianos. Houve umha pequena milícia judia palestina, a Brigada Judaica, que combateu no exército britânico contra os nazistas. Mas era bem pequena.

Os britânicos nom armaram nengumma milícia judaica, essa é outra mentira. Inclusive, estas mesmas milícias fizeram umha série de ações de boicote, sabotagem e até de terrorismo contra os britânicos na Palestina. Por que se voltar contra o seu aliado? Tome mais pirueta retórica.

6. SOBRE O MOVIMENTO DE COLONATOS JUDAICOS

Quando o comentadeiro adentra questões atuais, descreve ações ilegais de colonos extremistas, que na grande maioria das vezes som reprimidas polo Estado, como se fossem políticas de Estado, como o surgimento de colónias do dia pra noite, ou ações civis em Hevron.

7. SOBRE O ENVENENAMENTO DA ÁGUA DOS PALESTINIANOS E OUTROS BOATOS

O comentadeiro acusa Israel de envenenar a água dos Palestinianos sem referir qualquer fonte. Há colonos que foram presos tentando envenenar a água dos Palestinianos. Mas dizer que "Israel faz isso" é umha acusaçom desonesta e mentirosa. Mas tudo vale para minar a legitimidade.

Como se nom bastasse, o sujeito acusa Israel de levar pássaros da Índia e javalis para destruir as plantações palestinianas. Além de (outra vez) nom haver nengumha prova disso, javalis atacam as plantações israelitas também. E quanto aos pássaros... num estado de 21 mil km/2, alguém acredita que estes mesmos pássaros nom destruiriam também as plantações israelitas? Além de soltar qualquer argumento maquiavélico, ainda solta alguns que nom fazem nengum sentido do ponto de vista prático.

8. SOBRE A INEXISTÊNCIA DA NAÇOM JUDIA

O comentadeiro diz também que os Judeus nom têm que ter um Estado porque o judaísmo é umha fé. Este comentário é de profunda incompreensom do que é o judaísmo, ou de má fé. Os Judeus sempre viveram como umha naçom entre outras nações, e somente no fim do século 19 a fé foi separada da naçom.

Mas isso se deu em meia dúzia de países da Europa Ocidental: no mundo árabe e na Europa Oriental, ser judeu era nom ter acesso aos mesmos direitos, justamente porque os Judeus eram considerados como de outra naçom.

9. SOBRE A CIDADANIA ISRAELITA

O comentadeiro também diz que um judeu pode pedir cidadania israelita por ter nascido de ventre judeu, e que isso nom obedece nenhuma lógica. Ele errou (ou mentiu?) duas vezes:

Primeiro porque para ter cidadania israelita o sujeito nom precisa ser de fé judaica nem ter nascido de ventre judeu, mas sim ter um dos quatro avós judeus. E isso tem lógica. Diversos países do mundo dam cidadania a netos de cidadãos.

Nengum absurdo, num país que pretende ser o Estado da naçom judaica, que se dê o direito à nacionalidade a netos de judeus.

10. SOBRE O SUPREMACISMO SIONISTA

O comentadeiro também diz que os sionistas veem os árabes como uma raça inferior. Baseado em que ele diz isso eu nom sei. Aqui em Israel há racismo, sem dúvidas, e os grupos judaicos onde o racismo é mais latente som os nom sionistas, em especial os ultra-ortodoxos.

Dizer que "os sionistas veem os árabes como uma raça inferior" é quase como dizer que "os Árabes som antissemitas". Mas existe um valor negativo agregado: raça inferior era um conceito usado polos nazistas, e comparar Judeus com nazistas é aquela arma humilhante conhecida.

11. A CEREJA DO BOLO: O ANTISSEMITISMO

O apresentador pede o comentadeiro para explicar por que a sua luta nom é antissemita, dando a entender que a mídia hegemônica é quem empurra goela abaixo que determindas críticas som antissemitismo. E essa parte é, infelizmente, a mais trágica.

O comentadeiro convidado faz outra vez pirueta retórica, diz que os verdadeiros semitas som os Árabes (vam ao sentido literal do termo semita, como se isso fizesse diferença na pergunta), para alcunhar o termo "anti-judeu", em contraposiçom a "antissemita". Desconhece a expressom judeufobia, mas correto.

Eu tive que ver um jornalista a pedir a um nom-judeu, e que de certa forma está em conflito com as posições da ampla maioria dos Judeus do mundo, para explicar o que é e o que nom é antissemitismo. Como perguntar para um homem porque a crítica ao feminismo nom é machista ou como perguntar para um branco porque o que ele disse nom é racismo. E por aí vai. Agora quem define o que é e o que nom é antissemitismo (ou antijudaísmo, nom importa) nom som os Judeus. Faltou só dizer: "eu nom sou antijudeu, tenho amigos Judeus".

Eu escolhi esse ponto para finalizar o fio porque ele sintetiza bastante o absurdo que é a fala do comentadeiro: ele nom está somente a lutar pola causa palestiniana (o que é justíssimo e ultra-necessário), nem contra a opressom israelita (idem). Ele luta também, e de forma condicional contra a legitimidade dos Judeus de se autodeterminarem como um povo e ter direto a um Estado nacional, de dizerem o que é ou nom é antissemitismo, e até de dizer o que é ou nom é judaísmo. Como se nom bastasse, falsifica a história e a realidade, recheando-as de mentiras.

Mas o mais surpreendente é o facto de nom haver contraditório. O pessoal do Lado B compra tudo o que ele diz, nom questiona nada, e toma tudo como verdade absoluta. Isso é decepcionante demais. E eu anotei muitos absurdos sobre os quais desisti de escrever, tinha muito mais.

Há muitas ferramentas para atacar Israel, defender o direito dos Palestinianos de se autoemancipar nacionalmente e ter o seu Estado. É legítimo chamar a colonizaçom de Israel nos territórios de apartheid, condenar as ações militares e tudo mais. Mas nom precisa mentir nem cruzar a linha do antissemitismo.


Conferir o fio original clicando AQUI.


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