sexta-feira, 17 de setembro de 2021

RETIRADA AMERICANA E A CONSTRUÇOM DUM NOVO PRÓXIMO ORIENTE

 Para ser justo com o atual presidente norte-americano, a intençom de retirar todas as tropas dos EUA do Afeganistão nom é umha ideia da sua autoria. Polo menos nom originalmente. Os seus dous antecessores – Barack Obama, de quem foi vice-presidente, e Donald Trump – manifestaram essa vontade. Por mais que os espectros ideológicos sejam absolutamente opostos, Obama e Trump pretendiam encerrar a presença norte-americana no país. Mas entre intenções e atos existe um abismo enorme. Nem Obama, nem Trump levaram o projeto adiante. 

Um helicóptero militar dos EUA sobrevoa Cabul durante a evacuação de pessoal a 15/8/2021

Basta ter em mente que Obama anunciou em 1 de dezembro de 2009 que em 18 meses a partir daquela data iniciaria a retirada das forças dos EUA. Fez mençom a este plano noutras ocasiões ao longo do mandato e também durante a vitoriosa campanha de reeleiçom. Obama acreditava que esta decisom poderia “acabar” com a guerra. Mas ele conhecia as repercussões e os riscos envolvidos e, por isso, desistiu. 

Trump também queria retirar as tropas. Como sistematicamente fez campanha contra incursões internacionais de maneira ampla (e também contra a própria atuaçom internacional do país, inclusive em relaçom a despesas com política externa e apoio a aliados), evidentemente o Afeganistão entrava na mira das críticas. No entanto, Trump também nom levou adiante a empreitada. De algumha maneira, também foi convencido – ou ele mesmo chegou à conclusom – de que deixar o Afeganistão e abrir caminho para umha óbvia retomada do país pelo Talibã enviaria a mensagem errada para aliados e inimigos no Próximo Oriente e além. 

Biden, no entanto, tomou para si a responsabilidade de encerrar a presença norte-americana em território afegão. E as consequências de sua decisom som muito claras (nom era exatamente difícil imaginá-las); os inimigos dos EUA celebram o que já definem como uma grande derrota norte-americana e um feito da “resistência”. 

No Próximo Oriente mais interessado no conflito com Israel, as respostas som similares: o Hamas publicou um comunicado de congratulações à “naçom muçulmana afegã pola queda da ocupaçom americana”

O recém-empossado presidente iraniano, Ebrahim Raisi, disse que “a derrota militar e a retirada norte-americana devem oferecer umha oportunidade de restaurar a vida, a segurança e a paz duradoura ao país”. O mesmo caminho foi seguido por Mohammad Javad Zarif, ministro das Relações Exteriores iraniano que está a deixar o cargo. “Violência e guerra – como ocupaçom – nunca resolvem problemas”, escreveu no Twitter. Na segunda-feira, Zarif teve um encontro em Teerã com o enviado especial chinês para o Afeganistão. 

Está claro que existe um processo acelerado de incorporaçom deste novo-velho Afeganistão do Talibã ao projeto hegemônico regional iraniano. Mais ainda, há a clara intençom de aliança de forças opostas aos EUA com este novo-velho regime. 

Esta é umha derrota inegável da administraçom Biden; depois de 20 anos de presença norte-americana no país, o Afeganistão será rapidamente incluído num esquema que atende a muitos objetivos dos inimigos dos EUA. Nom se trata apenas do Irã, mas do posicionamento estratégico de China e Rússia que pretendem forjar um novo sistema internacional a partir do enfraquecimento norte-americano. A retomada do Afeganistão pelo Talibã facilita este plano nom apenas do ponto de vista objetivo, mas também levando-se em conta a desconstruçom do imaginário sobre os EUA. 

A 16 de agosto a China convertia-se na primeira potência a manifestar a vontade de travar "relações amigáveis" com os talibãs

E o imaginário é um aspecto fundamental também em relaçom ao conflito entre israelitas e palestinianos. Nom por acaso a celebraçom da tomada do país pelo Talibã por parte de dous dos atores mais importantes do conflito com Israel: Hamas e Irã. 

Vale mencionar também a declaraçom de Moussa Abu Marzouk, membro sênior do Hamas [15/8/2021]. Ele nom poderia ter sido mais explícito: “O Talibã confrontou a ‘América’ e os seus agentes, e recusou-se a assumir compromissos com eles (os norte-americanos). Eles (os membros do Talibã) nom foram enganados por manchetes brilhantes sobre ‘democracia’ e ‘eleições'”, disse. 

Na década de 1990 apenas três lugares no mundo tinham um Comité para a Prevençom do Vício e a Promoçom da Virtude: Arábia Saudita, o Afeganistão dos talibãs e a Faixa de Gaza.

O líder do Hamas, Ismail Haniyeh ligou o lider talibã Mullah Baradar para o parabenizar pola "derrota da ocupaçom dos EUA". Segundo Haniyeh: "A derrota da ocupaçom dos EUA no Afeganistão é o prelúdio da derrota da ocupaçom israelita na terra da Palestina"

O Hamas apressou-se a publicar umha fotografia dum encontro entre Haniyeh e Baradar, líderes islamitas refugiados/protegidos no Catar

No final das contas, a decisom de Joe Biden está a ser cooptada ideologicamente polo eixo de oposiçom aos EUA. Irã e Hamas usam o termo “ocupaçom” porque nom iriam perder a oportunidade de vincular EUA e Israel e traçar paralelos entre a presença norte-americana no Afeganistão e a israelita na Cisjordânia. 

Hamas e Irã querem aproveitar ao máximo este momento para estabelecer relações de causalidade, muito embora sejam situações distintas: se depois de 20 anos os EUA deixaram o Afeganistão, portanto seria possível conceber que a “derrota” israelita ocorreria com o tempo, quase como um fenômeno natural vinculado nom a negociações e engajamento com os israelitas, claro, mas à manutençom da “resistência”. Mas há problemas neste raciocínio; os principais som as definições e as visões distintas a partir desta linha narrativa de ambos (Irã e Hamas). 

A pergunta principal que se encaixa nesta questom é simples, mas de resposta distinta: o que significaria derrotar Israel (e faço uso aqui do termo “derrotar” porque assim está a ser interpretada a retirada norte-americana do Afeganistão)? 

Para parte da comunidade internacional, a derrota israelita seria a criaçom dum estado palestiniano em Gaza e na Cisjordânia, tendo Jerusalém Oriental como capital, além da retirada das colónias israelitas da Cisjordânia (ou Judeia e Samária, como definem os Judeus). A questom aqui é que esta nom é – nem nunca foi – a visom do Hamas e Irã. Para ambos, a própria existência de Israel é o problema. 

E, portanto, na visom de ambos (Irã e Hamas) derrotar Israel significa acabar com o estado judeu. Ninguém é capaz de responder ao certo qual seria o destino da populaçom judaica nesta configuraçom, mas dado o nível de hostilidade no discurso, o histórico de atentados terroristas cometidos por Hamas e Irã (inclusive contra comunidades judaicas fora de Israel), a ideia de fraternidade entre judeus e muçulmanos no dia seguinte a esta imaginada derrota de Israel nom passa de ilusom. 

A queda do Afeganistão a mãos dos talibãs coloca umha pergunta: se Israel se retirasse da Cisjordânia, os terroristas do Hamas tomariam o poder tam rapidamente como os talibãs tomaram cota do Afeganistão?

O Idlib, território sírio controlado por "islamitas moderados" e o Hamas foram os dous primeiros movimentos ou protoestados a felicitar publicamente os Talibã.

De qualquer maneira, de modo a retornar ao cenário afegão e às repercussões internacionais a partir da retirada dos EUA, este projeto de Irã e o Hamas ganha um impulso nom planejado. E, evidentemente, as novas potências nom regionais em atuaçom – China e Rússia – cada vez mais se consolidam na posiçom de liderança deste novo Próximo Oriente.

Fonte: CONEXÃO ISRAEL

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