José Hermano Saraiva
Em 1530, o rei D. João III deu à vila de Trancoso a um seu irmão mais novo, o infante D. Fernando, que por essa altura casou. Os lavradores e mesteriais da terra amotinaram-se e nom permitiram que o infante tomasse conta da vila. Nom lhes era indiferente estar dependente da administraçom dos funcionários régios, mais ou menos indulgentes na cobrança dos impostos, ou pertencerem a um grande senhor que tinha de viver dos rendimentos e por isso era sempre rigoroso e às vezes cruel na sua exigência. Esta situaçom de rebeldia manteve-se durante alguns anos e o rei entrou em negociações com um representante dos moradores, confiando em que o tempo acabaria por resolver a situaçom. Nom se enganou, porque o infante morreu em 1534 e Trancoso voltou ao património da coroa.
Em 1530, o rei D. João III deu à vila de Trancoso a um seu irmão mais novo, o infante D. Fernando, que por essa altura casou. Os lavradores e mesteriais da terra amotinaram-se e nom permitiram que o infante tomasse conta da vila. Nom lhes era indiferente estar dependente da administraçom dos funcionários régios, mais ou menos indulgentes na cobrança dos impostos, ou pertencerem a um grande senhor que tinha de viver dos rendimentos e por isso era sempre rigoroso e às vezes cruel na sua exigência. Esta situaçom de rebeldia manteve-se durante alguns anos e o rei entrou em negociações com um representante dos moradores, confiando em que o tempo acabaria por resolver a situaçom. Nom se enganou, porque o infante morreu em 1534 e Trancoso voltou ao património da coroa.
Foi durante os anos da revolta antissenhorial de Trancoso que um sapateiro que lá morava, Gonçalo Annes Bandarra, escreveu umhas trovas que o tempo iria tornar célebres. Era um homem rude ("próprio para ovelheiro", diz um auto do Santo Ofício), que se metera a ler a Bíblia em português e mantinha contato com os cristãos-novos, a quem recorria para que lhe explicassem as passagens que nom entendia. Misturando confusas citações da Bíblia, reminiscências da poesia popular tradicional, mitos espanhóis (o Encoberto, a que faz alusom, é um mito ligado à revolta das comunidades espanholas de 1520-22), profecias que andavam de boca em boca, vestígios de lendas do ciclo arturiano, críticas sociais à corruçom e à prepotência dos grandes, compôs umha espécie de auto pastoril profético, que era inicialmente um protesto contra a doaçom da vila ao infante irmão do rei.
Mas acontecia que o sapateiro era mau escritor. Usava os termos que lhe pareciam bem soantes, mas que nom sabia ao certo o que queriam dizer, reproduzia, embaladas na toada popular da redondilha, palavras, frases e símbolos ouvidos aqui e ali, mas era incapaz de lhes definir um sentido claro. O resultado foi que as trovas podiam-se entender em tantos sentidos quantos se quisessem. Começaram a circular cópias de mão em mão e quando se iniciou a perseguiçom da Inquisiçom aos cristãos-novos estes julgaram ler o anuncio da vinda dum Messias salvador nos versos que, de facto, eram um apelo a D. João III para que defendesse Trancoso da ambiçom do infante. Nessa altura a Inquisiçom interveio e prendeu o sapateiro, que apareceu como suspeito de judaísmo. O Bandarra era porém tam alheio a estes entendimentos que os Judeus lhe faziam das trovas que acabo por ser posto em liberdade e condenado a nom escrever mais versos e a nom se meter em leituras profanas.
Os inquisidores julgaram que a sua sentença punha termo ao processo, mas na realidade este apenas estava a começar. A morte/desapariçom do rei D. Sebastiám em 1578 em condições misteriosas em breve veio dar nova acepçom às trovas do Bandarra. Nascia entom o sebastianismo, um fenómeno de superstiçom coletiva que se tornou célebre a partir das especulações de autores modernos.
As profecias do Bandarra passaram entom a ser lidas com olhos diferentes: o Messias, cujo regresso anunciavam, era D. Sebastião. O público leitor já nom é formado só polos cristãos-novos, mas por nobres saudosistas. Versões sucessivas foram adaptando a redaçom ao seu novo setido, de tal modo que a Restauraçom de 1640 pareceu trazer a confirmaçom das trovas. Considerado o profesta nacional, o sapateiro foi venerado como santo. O arcebispo de Lisboa autorizou a colocaçom dumha imagem do Bandarra num altar da cidade. D. João IV teve de prometer que, se D. Sebastião voltasse, entregar-lhe-ia o trono.
A partir de entom, o sebastianismo mateve-se por muito tempo na consciência popular portuguesa como umha espécie de nacionalizaçom do messianismo judaico, que leva a acreditar, nas épocas de sofrimento coletivo, na vinda de alguém que se nom sabe quem é nem donde virá, mas que há-de salvar o povo português.
Em meados do século XVIII, Alexandre de Gusmão reparou nessa afinidade entre sebastianismo e messianismo, classificando os Portugueses em dous grupos: os que ainda esperam polo Messias (os Judeus) e os que continuam a esperar por D. Sebastião. Mas o mito nom foi só popular e serviu de base a especulações irracionais que chegaram a empolgar espíritos cultos. O melhor expoente do sebastianismo erudito foi o padre António Vieira, que procurou nas trovas do Bandarra argumentos para o seu grandioso projeto dum Quinto Império, no qual Judeus e cristãos aparecem reunidos numha Igreja nova e purificada dos antigos pecados.
O seguinte vídeo, tirado do programa da RTP "Lendas e Narrativas" (1995) recolhe, em palavras do prof. Jose Hermano Saraiva, toda a estória das Trovas do Bandarra:
O seguinte vídeo, tirado do programa da RTP "Lendas e Narrativas" (1995) recolhe, em palavras do prof. Jose Hermano Saraiva, toda a estória das Trovas do Bandarra:
*José Hermano Saraiva (1919-2012) foi um advogado, professor e historiador português que desenvolveu um imenso trabalho como divulgador em prol da História, da Cultura e da Literatura.
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