quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

PREFÁCIO À PRIMEIRA EDIÇOM

Ernest Mandel

O período de paz e bem-estar relativos que viveu a Europa Ocidental entre 1870 e 1914 nom foi muito propício à formaçom de verdadeiros revolucionários. Para que o espírito se tire completamente da influência da ideologia da classe dominante, para que a vontade se concentre inteiramente num único objetivo, a conquista do poder pelo proletariado, nom basta com assimilar corretamente o método e o legado marxista; ainda é necessário que a vida lance os homens para fora da rotina duma existência "respeitável", que lhe imponha a experiência imediata de tudo aquilo que o sistema capitalista tem de explorador, cruel, degradante e de bárbaro. Foi no cadinho da ilegalidade, da prisom, da emigraçom e duma luta sem trégua contra a autocracia, que se forjou a grande geraçom revolucionária dos bolcheviques na Rússia revolucionária. Para que se forme uma nova geraçom revolucionária nos países ocidentais, era necessário que a humanidade entre no fogo da época das crise, , guerras e revoluções.

As guerras e revoltas trouxeram o berço de A. Leon e depois fecharam-lhe os olhos. Quando ele nasce os passos da revoluçom ressoavam nas ruas da sua cidade natal, Varsóvia. Dois sovietes rivais disputavam-se o poder. No horizonte aparecia a sombra da República dos Sovietes. Os exércitos em debandada arrastavam os seus trapos, a sua amargura e a sua sede de justiça nas assembleias populares. Dos fundos mais escuros da humanidade varriam sucessivas ondas na arena política, homens e mulheres, jovens e idosos, todos os pobres, os oprimidos e despossuídos que viveram em silêncio e dobravam a espinha, descobrem de repente uma voz. Enquanto nas extremidades de seus braços ondeou a bandeira vermelha na capital atormentada, no alto da fortaleza já flutuava a bandeira vermelha e branca, com a águia polaca, içada pelos legionários comandados por um "socialista", Pilsudski. Estes dois símbolos, estas duas escolas de pensamento, o socialismo internacionalista e o social-patriotismo pequeno-burguês lutaram apaixonadamente pela supremacia sobre as massas. A vida tão curta e bem sucedida de Leon ia-se desenvolver inteiramente sob o signo desta luta.

Partilhada em cada conjuntura histórica, a Polónia nom podia deixar hipotecar o movimento sindical pela pesada herança de um passado miserável, o nacionalismo militante. Vítimas de cada crise política e social, os judeus da Polónia, que testemunharam pogroms sob os czares, sob a Revoluçom, sob os Brancos sob os russos, sob os polacos, sob os ucranianos e sob os lituanos, nom podiam deixar de procurar uma soluçom de desespero na formulaçom de um novo mito nacionalista: o sionismo. Expressando a total falta de saída perante a que a pressionava o pensamento judaico pequeno-burguesa, esta utopia reacionária misturava-se entre os jovens, e em especial entre a juventude operária, com a vontade de atingir o ideal socialista, de participar ativamente na luta proletária mundial. A contradiçom entre o caráter pequeno-burguês do sionismo e os resultados rigorosos do internacionalismo marxista empurrou os líderes operários sionistas a formular uma nova teoria que, embora combinando o seu socialismo que eles queriam científico com as suas aspirações sionistas, dar-lhes a estes últimos um pingo de justificaçom marxista. Eis como nasce essa estranha teoria chamada Borochovismo, em homenagem ao seu autor Ber Borochov, e que estava destinada a tornar-se durante várias décadas a teoria oficial de centenas de milhares de socialistas revolucionários judeus no mundo.

Na casa paterna de Léon, os seu pais representam o sionismo pequeno-burguês clássico. No primeiro contato com a realidade, a criança se sentiu a atraçom do mito sionista como uma embriaguez religiosa. O mito seria realizado, a família mudou-se para a Palestina quando o menino tinha a idade para entrar na escola primária. O grande desfile das imagens desta viagem ficaram nele como um conto de fadas. Ele lembrava-se como o sol brilhava sobre os telhados de Constantinopla, o som do mar sobre as ilhas do arquipélago e como ele viu pela primeira vez a costa dura e áspera da Terra Prometida. O conto de fadas, porém, nom durou muito e, um ano depois, o pai de Léon decide regressar ao seu país natal. Na instabilidade das suas condições de existência, o menino observa, tenta compreender, assimilar o conceito do movimento contínuo dos homens e das coisas. O espírito viaja e nom se fixa ainda. Nom foi até 1928 quando a família decide imigrar de vez na Bélgica, que Abrão começou a se interessar intensamente sobre os seus companheiros de idade e que começou a tomar contato com o movimento da juventude socialsita sionista Shomer Hazair, A Guarda Nova.

Em seguida diferentes forças começam a trabalhar. Na escola ele sente uma barreira intransponível entre os seus companheiros e ele próprio, um judeu estrangeiro. Como nom entender que ele seja diferente dos outros, que ele tenha os seus próprios problemas, quando ele observa que o tratam sempre assim, que nom lhe deixam entrar nos jogos e nas conversas, apenas sem comentários ou ironia, como um outro rapaz? Quando volta para casa, pelas ruas fervilhadas dos velhos bairros de Bruxelas, ele descobre todas as grandes contradições da sociedade moderna; carros de luxo estacionados em frente de casas bonitas mas, na virada da rua, as crianças sujas e famintas brincam entre o lixo. Como o seu coraçom sensível nom seria afetado pela imagem dum mundo dividido entre ricos e pobres, como nom tomar naturalmente o lado dos oprimidos, ele que se sente vítima de uma dupla injustiça? Assim, o jovem Abrão torna-se um ativista fervoroso da juventude socialista judaica. O que o seu coraçom sentiu de indignaçom e revolta, a sua mente começa a o explicar e sistematizar. Gradualmente, através de uma educaçom marxista metódica, Leon procura entender a sociedade e a soluçom dos problemas sociais que parte da noçom da luta de classes. Como parte de seu movimento de juventude, apesar das suas ideias políticas um pouco confusas, é um modelo de organizaçom e uma das melhores escolas de costumes e do espírito proletário existentes, os laços de família, a tradiçom, o legado dma passado pequeno-burguês de cálculo mesquinho, de temor submiso perante os representantes do poder, dissolve-se. O caráter liberta-se com o espírito, ele aprende a se controlar, a se conduzir pela razom, a se submeter à procura de um objetivo. A vontade mergulha-se no ideal. A personalidade forma-se, unida, feita de uma única peça, enfocando-se na luta pelo socialismo, encontrando a maior satisfaçom no pensamento e na açom em nome do proletariado mundial.

O jovem Leon nom tarda em ultrapassar os seus companheiro no movimento. O mais inteligente, o mais voluntário, o mais compreensivo, ele é ao mesmo tempo duma calma e segurança racional que impõe naturalmente o respeito de todos aqueles que o rodeiam. Líder nato, ele nom precisa elevar a voz, nem prometer ou ameaçar, nem cativar pela retórica ou arrastar por atos extraordinários para que a sua autoridade seja aceite por todos. Logo ele foi eleito democraticamente em vários níveis da Shomer para logo estar na direçom da seçom de Bruxelas e na direçom nacional. As condições de vida da família forçaram-no a abandonar temporariamente os estudos que ele queria continuar. Forçado a se deslocar frequentemente em toda a Bélgica para ganhar a vida, ele retomou o contato com a malta de trabalhadores que mais uma vez sai à rua para fazer valer a sua força e reivindicar os seus direitos. Nos dias ensolarados do verão de 1936, a febre sobe das minas de carvom de Charleroi às sombrias aldeias mineiras de Borinage. Enquanto a polícia vigia nos cruzamentos, os trabalhadores reúnem-se para ouvir um novo líder. Passaram muitos anos desde que ouviram pela última vez um sincero e verdadeiro acento revolucionário. Milhares vêm para Flenu, Jemappes, Quaragnon, Frameries e ao estádio da Bouverie para ouvir os discursos inflamados de Walter Dauge, o jovem fundador do Partido Socialista Revolucionário. Leon segue os comícios de Dauge. Ele aprende a distinguir o trotskismo do estalinismo. Estuda, nom hesita muito tempo. Ele escolheu as ideias que lhe parecem determinadas pelo verdadeiro marxismo, inspirado nos verdadeiros interesses do proletariado mundial e nom das miseráveis falsificações forjadas pelo mestre do Kremlin. Ao mesmo tempo, acontece a série dos grandes processos de Moscovo, que lhe fazem tomar uma posiçom definitiva. A partir deste ano, enfrentando a toda a organizaçom mundial da Shomer -que é bastante stalinista- ele tornou-se resolutamente trotskista e defende as suas ideias com vigor, e nom sem sucesso, nas reuniões nacionais ou internacionais.

Mas apesar de avançar muito longe na compreensom do marxismo, prosseguir um estudo muito aprofundado da economia política, ele continua profundamente comprometido com o sionismo. Presidente por um ano da Federaçom da Juventude Sionista de Bruxelas, ele coloca toda a sua energia, todo a sua paixom revolucionária no serviço desta causa. Um entusiasmado apelo é lançado com motivo da partida de uma série de jovens ativistas para uma colónia comunista na Palestina. Mas ele começa a estar confundido, a duvidar. Ao seu lado, no escritório, acham-se os representantes das organizações sionistas burguesas e pequeno-burguesas. Nom está ele unido a eles no imediato, mesmo se ele pretende se propõe combatê-los sem clemência, uma vez que tenham conquistado a nacionalidade e a possibilidade dumha luta eficaz (1) lá na Palestina? Nom é patriotismo-social, embora que sob uma forma algo especial? Leon conhece o seu Lenin sobre a ponta do dedo. As grandes e límpidas demonstrações contra a corrente já nom lhe saiam do espírito. Como conciliar o seu leninismo integral com o sionismo? Onde se acha a base comum entre a luta nacional judaica e o socialismo internacionalista?

Desta forma, duas décadas após Borochov, Leon lança-se sobre as pegadas do teórico da Shomer para encontrar uma justificaçom marxista das ideias sionistas. Ele questionou tudo, revisou metodicamente, passo a passo, toda a filiaçom de ideias, descartando todos os axiomas da ideologia sioniasta, abrindo-se um caminho através dos múltiplos preconceitos de judeus e nom judeus a respeito da história do povo, história que parece tão incrível, tão extraordinária e pela que o seu espírito rigorosamente científico ainda busca uma explicaçom consoante o méotodo marxista. No meio de sua pesquisa, ele envia vários artigos para o semanário trotskista A Luta Operária. Os editores deste jornal entram em contato com ele. Ele fica surpreso ao descobrir nestes trabalhadores comuns, como Teuniuck, açougueiro de profissom, um tesouro de conhecimentos históricos, económicos e políticos. Eis a verdadeira vanguarda. Como o viajante que inconscientemente já escolheu a sua rota, ele virou mais uma vez no seu passado: ele quer quebrar "em beleza”, em plena consciência, após ter-se explicado a si próprio e aos seus antigos camaradas os motivos subjacentes da sua rutura, após fazer todo o possível para demonstrar a todos os seus amigos o que ele acha verdade no que vem de descobrir. As suas Teses sobre a questom judaica tomam forma, teses cujo livro "A conceçom materialista da questom judaica” será a sua elaboraçom expandida.

Enquanto isso, uma vaga de ansiedade abrange as massas judaicas em todo o continente. Eles sentem a proximidade da guerra, e um pressentimento da catástrofe terrível que virá sobre eles empurra-os numa crise de nervosismo e de medo. A Shomer reúne-se. Entom a sombra ameaçadora de Hitler já esvoaça sobre Bruxelas, confrontando apaixonadamente argumentos opostos num sentido ou no outro, os delegados irão decidir quer o apoio condicional ao imperialismo britânico, quer a neutralidade, quer pela defesa independente da Palestina se um exército fascista se aproximar deste país. Apesar das vaias e dos gritos de indignaçom perante este renegado de Israel, Leon, mesmo antes de ele romper finalmente com o sionismo defendeu corajosamente a posiçom do derrotismo revolucionário integral. “Ai daqueles que por causa do seu social patriotismo acentuem o chauvinismo dos trabalhadores dos países inimigos. É contra eles próprios que suas armas irão virar-se toda a sua força! Ai daqueles que esperam ver surgir da guerra do imperialismo britânico contra o seu concorrente alemão uma melhoria da miserável situaçom dos judeus na Europa Central! Serão eles próprios as vítimas mais duramente atingidas!”. É nesse sentido que deveu ter falado Leon. Que espantado nos centristas indecisos, incapazes de seguir o seu raciocínio até ao fim, olhando para cada turno soluções fáceis e de compromisso, incapazes de reagir sobre o rigor da história pelo rigor do seu pensamento! De que forma tão trágica os acontecimentos confirmaram as suas previsões.

Enquanto as ondas da guerra imperialista se aproximavam da Bélgica para rebentar sobre o país em maio de 1940, Leon desenvolve as suas Teses sobre a questom judaica que ele submete à discussom da sua organizaçom. Ao chocar, na sua tentativa de apreender o sentido da história judaica, com a teoria de Borochov do materialismo metafísico como a chamava, ele primeiro tentou eliminar este obstáculo. Borochov afirmara que a "questom judaica" teve sua origem no fato de que os judeus, nomeadamente os trabalhadores, nom desempenhavam um papel importante nos setores vitais da economia (indústria pesada, metalurgia, minaria, etc.) mas que eles ocupavam unicamente um lugar importante nas esferas periféricas da vida económica. Enquanto a composiçom social dos outros povos parecia uma pirâmide cuja base estava constituída por centenas de milhares de mineiros, metalúrgicos, trabalhadores ferroviários,... passando por grandes camadas de pequenos artesãos para alcançar no cimo grandes comerciantes, industriais e banqueiros, a composiçom social do povo judeu assemelhava-se com uma pirâmide invertida, na que grandes camadas artesanais estavam alicerçadas por estreitas camadas de operários -e unicamente operários dos setores nom-vitais da indústria- mas que deviam carregar o peso enorme de uma grande massa de operadores.

Borochov ficara neste ponto da sua análise, aceitando-o como dado histórico, sem tentar explicá-lo, fazendo dele o ponto de partida da questom para a sua soluçom: primeiro era preciso inverter a pirâmide invertida, quer dizer, criar uma sociedade judaica normal, como a de outros povos, antes que o proletariado judeu encete a luta revolucionária: esta sociedade apenas podia ser criada na Palestina.

Leon apreende logo o que nom era dialético nesta teoria: a atual condiçom social dos judeus nom devia ser considerada como um fato, mas como o produto do processo histórico. Donde vem esta evoluçom histórica diferente dos judeus? Reatando o fio do raciocínio de Borochov com algumas fugazes expressões de Marx que, com o seu gênio de costume, apreendera de uma vez todo o mistério da história judaica. Leon começou a reconstruir todo o passado dos judeus. A explicaçom da religiom e da preservaçom dos judeus, como dados originais, era preciso procúrá-la no papel social dos judeus. Reunindo toda a literatura existente sobre o assunto, ele desenvolveu a teoria do povo-classe, impressionante na sua simplicidade e chave indispensável para a compreensom do papel passado e presente dos judeus e para encontrar uma soluçom à sua miséria.

Mas o borochovismo nom pecava apenas no seu ponto de partida, ele também pecava nas suas conclusões. Ele considerava a soluçom do problema judaico nom só fora do processo histórico passado, mas ainda fora da realidade social atual. No período do imperialismo e do capitalismo agonizante, a vontade de alguns milhões de trabalhadores judeus para criar uma sociedade como qualquer outra parecia uma força ridiculamente limitada face os gigantes imperialistas que lutavam por cada canto desocupado do mundo, face à coligaçom violenta das classes sobre a arena mundial. Borochov nom entendeu a lei do desenvolvimento combinado na era imperialista, lei que proibia a qualquer naçom a soluçom de qualquer problema sob o regime do capitalismo em agonia. Para eliminar os aspetos trágicos da sociedade judaica, nom se podiam isolar de toda a sociedade em decadência. Nom se podia inverter a pirâmide invertida de judeus, enquanto a pirâmide normal das outras nações estava a desmoronar-se. Só a revoluçom proletária mundial seria capaz de normalizar a história judaica. Como parte do capitalismo decadente nom existe soluçom possível para a questom judaica.

E assim, até o fim, Leon resolveu as suas contas com o seu próprio passado. Ele denunciou nom apenas o caráter utópico e pequeno-burguês do ideal sionista, mas ele também mostrou como esse ideal, como qualquer ideologia específica da pequena burguesia da época imperialista, estava condenada a se tornar um instrumento nas mãos do capitalismo global. Ele denunciou o sionismo como um travom da atividade revolucionária dos trabalhadores judeus no mundo, como um obstáculo à emancipaçom da Palestina das garras do imperialismo britânico, obstáculo no caminho da plena unidade entre os trabalhadores judeus e árabes desse país. Francamente, sem reservas nem hesitações, ele condenou toda a sua atividade passada. Ele entendeu tudo o determinismo, ele soube que fora um passo necessário do seu próprio desenvolvimento. O seu espírito embebido na dialética gostava de apresentar cada conhecimento de forma clara e cada estado de consciência como resultado de uma luta para superar a contra-verdade e o erro. “Para entender é preciso começar por nom entender”, dizia muitas vezes. “Nenhuma conviçom é tão profunda como a saída de uma luta ideológica interna grande e sincera”. Os anos que lhe restavam para viver provaram a justeza dos seus achados no que diz respeito a si próprio. Superada a fase nacionalista do seu desenvolvimento, Leon extirpou até a últimas parcelas sionistas do seu pensamento e o seu internacionalismo foi de uma pureza tal que uma raramente se encontrava.

Livre de se dividir em duas direções contraditórias e de se consumir num dramático debate interno, entom a sua energia pudo lançar-se com todas as suas forças numa só e única via, a da IV Internacional. Deixando a organizaçom Shomer com vinte companheiros, Leon criou um círculo de estudos no propósito específico de levar os seus seguidores para o trotskismo. Nada é mais importante do que o momento de uma conversom. Quando Leon chegou ao comunismo internacional, o movimento operário parecia morto na Bélgica. Tendo iniciado a sua evoluçom como um fervoroso anti-militarista, para se tornar, sucessivamente, social-patriota, teórico de uma revisom insípida do marxismo, ministro real e grosseiramente charlatão do capitalismo, Henri de Man acabava de completar o ciclo da sua vida “socialista" autodissolvendo o partido do qual fora Presidente e apelando os seus companheiros para colaborar com Hitler na construçom de uma "nova ordem" na Europa. Isolado das massas batidos de estupefaçom pelos acontecimentos de maio-junho, o Partido Comunista, seguindo as instruções de Moscovo, manteve-se numa espera prudente e arriscava-se até mesmo a publicar um jornal semanal flamengo que reproduzia obedientemente, junto dos hinos sobre “o país da vida alegre e feliz”, as intermináveis ladainhas anti-britânicas de Goebbels. O ex-líder trotskista Walter Dauge, cuja bagagem ideológica se mostrou muito leve para esta longa tempestade, profundamente desmoralizado, abandonou o seu partido à sua própria sorte. Os poucos quadros trotskistas, espalhados por todo o país, mal restabeleceram um primeiro contato entre eles. A situaçom parecia justificar a resignaçom ou a espera. Qualquer outra atitude parecia desesperada e impotente.

No entanto, faltou a coragem nom para agir, mas para pensar e raciocinar corretamente. A análise marxista poderia penetrar sob a pesada laje totalitária que pendia sobre a Europa e nela descobrir as forças em gestaçom que acabaria por derrubá-la. Fixando corretamente as razões que esperávamos, Leon observou que o movimento operário na Europa atingira o ponto mais baixo da sua queda. Agora, era preciso contar com uma nova subida, nom para esperá-la passivamente, mas para prepará-la, para preparar os quadros e para preparar, sempre que possível, as massas. Somente em contato permanente com a vida, as dificuldades, as aspirações cotidianas das massas que pode ser forjado, mesmo nos momentos mais sombrios da história, um partido capaz de as dirigir mais tarde na luta. Por trás de cada razom da desesperança é preciso encontrar uma razom para esperança. Foi mais que um símbolo, foi um início de açom do pensamento motriz de Leon. Quando em 20 de agosto de 1940 a trágica notícia da morte de L. D. Trotsky nos bate de consternaçom, Leon escreveu imediatamente o primeiro trato do movimento clandestino trotskista belga. Ele fez contato com vários ex-líderes regionais do partido em Bruxelas. Uma primeira direçom é esboçada. A organizaçom clandestina trotskista na Bélgica nasceu com a morte do seu pai espiritual. A vitalidade indestrutível das ideias da Quarta Internacional, que são a expressão consciente da realidade histórica, apenas procura as oportunidades e os homens para se afirmar em cada momento. E elas acababam de descobrir-se uma à outra.

Em seguida começou um período de trabalho contínuo, teimoso, incansável, face ás dificuldades recorrentes que cada vez pareciam intransponível. Nom é uma banalidade, mas uma verdade estritamente precisa que a história pessoal de Leom mistura-se a partir de agora inextricavelmente com a do movimento trotskista na Bélgica, o principal organizador do partido, do que ele era o secretário político desde a composiçom do primeiro Comitê Executivo. Jornalista de linguagem incisivo, vivo, claro, ele fazia sentir aos seus leitores que ele entendia e compreendia completamente cada problema que tratou. Sob a sua direçom trabalhou a redaçom d’O Caminho de Lenine ilegal, cujas primeiras edições contêm um estudo magistral escrito pela sua mão sobre a estrutura e o futuro das potências imperialistas, estudo em que traçava as grandes linhas dos acontecimentos futuros da guerra, tal como iriam ocorrer. Organizador e educador exemplar, ele levou as células, tentou construir um aparelho ilegal, dedicou-se com infinita paciência a conquistar a confiança das regiões operárias do Partido, a formar sobre a base desta confiança uma liderança nacional reconhecida e responsável. Foi no primeiro Comitê Central do Partido reconstituído, resultado dos seus esforços incansáveis, em julho de 1941 quando tive a primeira oportunidade de o conhecer. Mas embora inteiramente absorvido pelas imensas tarefas cotidianas, tanto as políticas como organizacionais, Leon nom parou por um momento este trabalho ideológico que é o legado mais precioso que ele nos deixou. De um lado, ele teminou gradualmente o seu livro sobre a questom judaica pondo em causa constantemente as questões de pormenor, refletindo semanas sobre um aspeto particular da questom, devorando toda a documentaçom que existia, mas pronto, quando o seu parecer foi feito, a defendê-lo até o fim. É assim que este livro foi escrito que nom é apenas um modelo de aplicaçom do método marxista de um problema histórico específico, que nom só o liquida a questom judaica como um problema do ponto de vista do materialismo histórico, mas que tem também uma riqueza de observações e formulações sobre os muitos problemas da economia política, da história e de política contemporânea. Por outro lado, ele dedicou-se ao desenvolvimento de uma conceçom leninista exata sobre o problema que neesa altura apaixona a todos os revolucionários nos países ocupados: a questom nacional e sua relaçom com a estratégia da Quarta Internacional. Aqueles que se entregam a uma crítica fácil da política trotskista na Europa face a questom nacional, devem ler e estudar primeiro os documentos que Leon elaborou durante este período. Que reparem qual era a preocupaçom, e a de toda a liderança do nosso partido, salvaguardar por um lado o programa leninista do vírus chauvinista, e defender por outro lado a tática leninista da miopia sectária, e irão ver que ridículas som as acusações pelas que se subestimara a questom nacional. O que antes de mais clafiricou em termos de teoria, ele tentou executá-lo em prática. A pequenez dos nossos quadros nom nos permite começar um trabalho fracionário consequente entre os refratários. Mas cada vez que um movimento real emerge, quer com ocasiom do encerramento da Universidade de Bruxelas, quer durante as primeiras grandes greves de Liège, quer durante a deportaçom ou nas ações contra judeus, o partido deixou claro seu ponto de vista e aplicou a sua linha política: "Apoiar e impulsionar o movimento de massas contra os invasores imperialistas para transformá-los em movimentos revolucionários proletários”. E foi com orgulho justificável que Leon notou, no Congresso ilegal do Partido do Congresso em julho de 1943, foi que nom houve um evento na Bélgica desde 1941 no qual o partido tivesse permanecido alheio.

Uma vez que a reconstruçom do partido superou a fase de acabamento, Leon começou a se preocupar com as ligações internacionais. Internacionalista em todo o seu ser, ele nom podia aceitar a ideia de que a organizaçom belga vivesse isolada de todas as organizações irmãs na Europa e no mundo. A necessidade de contato com outras seções da Quarta Internacional nom foi apenas devida à sua disposiçom para enfrentar a linha política do partido belga com a dos seus partidos irmãos; também correspondia a uma consciência clara do fato de que no futuro os grandes choques militares e revolucionários tinha inevitavelmente um caráter continental e que nenhuma liderança política efetiva já nom poderia operar nacionalmente. Uma tomada de contato com a Holanda falhou. Na França foi mais bem sucedida. Graças a esta ligaçom, os últimos documentos de L. D. Trotsky chegaram até nós através de Marselha e Paris, especialmente o precioso manifesto da Conferência de Alarme de 1940 que o nosso partido editou sob a forma de brochura impressa. Entom em agosto 1942 teve lugar numa pequena aldeia das Ardenas, a que seria a primeira conferência de ligaçom entre os representantes das direções belga e francesa. Leon e Hic foram os principais facilitadores deste encontro. Eles estabeleceram a base do futuro Secretariado Europeu Provisório que, por sua vez, iria reconstituir na clandestinidade uma direçom internacional na Europa. Meses de trabalho ilegal nas circunstâncias mais perigosas, quando o coraçom se apertava apesar de toda a vontade, cada vez que tocavam na porta ou um carro ia mais lento perto da calçada, também foram meses de uma tensom nervosa suprema, de espera, espera contínua de uma explosom que finalmente iria abrir as grades e permitiria avançar o dia em que todas as portas saltariam desta prisom enorme em que se tinha tornado a Europa. Esperaríamos que este raio dentro da prisom, com uma confiança nas reservas de energia revolucionária que acabavam de acumular-se durante os longos anos de sofrimento do proletariado do continente. Mas apesar de nossa confiança, a espera foi muito longa. Quer no seu compromisso pessoal a levar o modesto trabalho do nosso partido para com os soldados proletários da Wehrmacht, quer na sua preença nas reuniões dos comités de empresa clandestinos que acabavam de constituir-se na metalurgia de Liège, Leon deu sempre a estas atividades um significado que ia além do futuro imediato de maneira que o fruto da sua semente pudesse ser colheitada pelo partido no momento decisivo. Dada a pequena dimensom dos nossos cadros nessa altura, muitas vezes se tem perguntado se seríamos capazes de recolher. Ele nom podia prever que é ele próprio quem ia faltar ao partido durante os dias decisivos da Libertaçom e que seria a ausência deuma direçom eficaz o que impediu que o partido aproveitasse as extraordinárias possibilidades do momento.

Com a queda de Mussolini finalmente sentimos erguer os ventos da revoluçom e a nossa atividade multiplicou-se, tornou-se mais febril. Cada um de nós entregou-se conforme sentimos a abordagem da decisom. Com uma série de viagens clandestinas na França, Leon participou ativamente nos trabalhos da Conferência Europeia da Quarta Internacional, em fevereiro de 1944.

Nessa altura começamos a nos preparar, tratava-se de participar ativamente na luta que eclodia em cada lado. Na regiom de Charleroi, a organizaçom trotskista tinha tomado a iniciativa de criar um movimento de delegados mineiros ilegais. Este movimento rapidamente se espalhou para uma dúzia de minas: na clandestinidade as ideias do partido começaram a ganhar uma posiçom entre as massas. Leo, que compreende a importância deste movimento, queria segui-lo passo a passo. Ele decidiu estabelecer-se em Charleroi para trabahar diariamente com os trabalhadores revolucionários da regiom. O anúncio do desembarque e o temor de ver as conexões entre as diferentes regiões interrompidas aceleraram os preparativos do seu deslocamento. Após ter vivido na mais completa ilegalidade durante dois anos, ele iria-se instalar em Charleroi com sua namorada. A primeira noite após a sua chegada, a Feldgendarmerie alemá invadiu por acaso a casa onde ele está. Ele foi detido e transportado para a prisom.

Depois vêm os longos dias de tortura física e moral. A Gestapo tenta por todos os meios fazê-lo falar. As preocupações pelo partido que perdera cinco dos seus principais líderes nos últimos dois anos corroem-no. Ele conseguiu ganhar a confiança dum dos soldados encarregados da vigiância da prisom. Estabelece-se uma ligaçom com o partido. Ele envia cartas que som a evidência mais convincente de que na hora mais difícil da sua vida todos os seus pensamentos estavam com a organizaçom, nos seus planos imediatos, no seu futuro. Desejava tanto continuar a trabalhar ao lado dos seus camaradas. O destino nom quis. O seu transporte rápido destrui os preparativos para escapar que o partido tinha começado, lançando-o para esse inferno onde iam morrer cinco milhões de seres humanos: Auschwitz.

Leon era o tipo de homens que têm o mínimo de resistência ao regime dos campos nazistas. Antes de mais nada ele brilhou em um alto conceito de dignidade humana que nom podia tolerar um contato com a degradaçom ea crueldade tornam-se a açom comum do comportamento humano nos campos. A nobreza do seu caráter eram para quebrar a brutalidade implacável de um desespero egoísta, como seu corpo foi esmagado por um esforço físico incomum e uma doença traiçoeira. Após várias semanas de trabalho em um comando atribuído a construçom da estrada, ele é enviado, os doentes em quarentena. Ele estava lá para encontrar aparelhos, para reverenciar os professores sádicos, adulteraçom, roubando para sobreviver. Ele nom podia subir acima de seus companheiros na miséria. Pregado na sua cama, ele passou seus dias lendo, meditando sobre a sua vida estoicamente. Tinha certeza de que o fim estava se aproximando. Entom, a inspeçom "última médico" passou, vamos selecionar os pacientes para as câmaras de gás. Leon foi um dos selecionados. Corajosamente ele deixou.

É difícil se nom impossível, para apreciar plenamente o valor de um revolucionário gigante que viveu apenas 26 anos. Apesar de seu trabalho incessante, relativamente poucas som as obras que ele deixou para nós, ele nom escrever muito, ele preferiu pensar com cuidado antes de confiar os seus pensamentos para o papel. Apesar disso, ele nos deixa, seu livro, e um magro volume de itens, apenas para vê-lo com Marcel Hic, o talento mais excecional, a promessa do mais grave que a Quarta Internacional teve no continente . Através de sua força de caráter, pela maturidade de suas decisões políticas, por sua autoridade natural e sua liderança, Leo estava destinado a levar o nosso movimento e para guiá-los através de lutas constantes para a vitória. O vazio que ele deixa nom serão preenchidos em breve por uma figura de seu tamanho.

Todos aqueles que o conheciam se lembrarão para A. Leon como um exemplo e uma fonte constante de inspiraçom. Aqueles que leram o livro vão admirar a clareza e rigor do seu raciocínio e continuam a ser surpreendido com o vencimento de sua mente com a idade de 24. Aqueles que aprendem a história de sua vida pode perguntar por que um homem de qualidades notáveis também misturado o seu destino ao de uma pequena organizaçom revolucionária, eles elogiam a sua sinceridade, honestidade força ideológica que o fez viver em total acordo com suas ideias. Eles ainda perguntam por Marcel Hic, o Wideline, de A. Leon, que estavam entre os mais talentosos da intelectualidade europeia escolheu para lutar contra um movimento que poderia lhes prometer sem sucesso fácil ou glória ou honras, ou até mesmo um mínimo de conforto material, mas exigia que eles todos os sacrifícios, incluindo as suas vidas, em um trabalho longo e ingrato e muitas vezes doloroso isolamento do proletariado, que queriam dar tudo. E se eles reconhecem esses jovens revolucionários, ao lado de suas qualidades intelectuais de excecionais qualidades morais, eles deveriam dizer, entretanto, um movimento que só pela força de suas ideias e da pureza de seu ideal chamar esses homens lá e trazer essas lógicos racionalista às alturas misteriosas esquecimento de si mesmo e um espírito de devoçom, tal movimento nom podia morrer, porque ele viu que tudo o que é mais nobre na homem.


>> SEGUINTE

(1) A Schomer Hazair defende a conceiçom que os operários e socialistas revolucionários judeus apenas podem lutar eficazmente pola Revoluçom proletária na Palestina.

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