sexta-feira, 13 de junho de 2025

O ANTIJUDAISMO MODERNO EM PORTUGAL

 Maria Jose Ferro Tavares

As representações mentais, sejam elas quais forem, pertencem à história da longa duraçom e, por isso, a sua mudança ocorre num tempo muito lento. Neste caso, encontra-se a imagem que a cristandade forjou para o judeu e, também, a que este criou para os indivíduos daquela. O cristão novo designava os cristãos velhos por «goim», enquanto estes o apelidavam de judeu herege.


Numha tentativa de afirmaçom histórica como povo, definido por umha religiom e por uma tradiçom ancestral, os cristãos novos procuraram no hermetismo e na endogamia as razões da sua sobrevivência histórica e do seu direito à diferença, apesar da proibiçom legal que os caracterizava, depois do batismo, como gente nom distinta dos cristãos de origem.


Ao encerramento sobre si próprios correspondia a suspeita, por parte dos cristãos velhos, de práticas religiosas judaicas e da esperança na vinda do Messias. As acusações de criptojudaísmo começaram a avolumar-se e a comunidade cristã de origem rejeitava os recém convertidos por hereges.


Foi dentro deste clima psicológico a que se veio juntar a fome e a peste, assim como a ausência da corte de Lisboa, que ocorreu o massacre dos cristãos novos, em 1506. As descrições desta tragédia foram transmitidas por cronistas portugueses de ascendência cristã e judaica, e por um anónimo alemão. Entre mil e quatro mil teriam sido as vítimas.



Pola primeira vez, materializava-se num levantamento popular de consequências graves para a minoria a consciencializaçom dum antijudaísmo no seio do povo miúdo, empolado e levado às últimas consequências polas pregações inflamadas de frades mendicantes, neste caso, os de S. Domingos de Lisboa. Para D. Manuel foi o primeiro sinal de que a integraçom pretendida podia falhar, de ambas as partes.


A partir deste momento a contençom para com os antigos Judeus, por parte da maioria cristã velha, era difícil e o antijudaísmo enveredou por um crescimento galopante, durante o período moderno, com cristas de afirmaçom violenta em períodos de crise social, política ou económica que se viriam a manifestar em uniões populares. A denúncia fácil de heresia, os escritos e panfletos antijudaicos, os sermões contra os falsos cristãos, as visitações diocesanas e as inquisitoriais, os autos públicos da fé, etc, exacerbaram este antijudaísmo a que nom foi estranha a velha rivalidade social e económica, quer entre cristãos velhos e cristãos novos, quer entre estes últimos.

A Inquisiçom, com os autos públicos da fé, veio a aumentar o antijudaísmo popular 


A Inquisiçom, com o seu clima de medo e dumha compulsom pola força de todo o comportamento religioso, social e cultural, entendido como anómalo ao padrom estabelecido polo estado e pola Igreja, iria alimentar este ódio popular, estendê-lo a outras franjas sociais que inicialmente lhe eram alheias e transformá-lo no sentir generalizado de quase todos os portugueses. A este sentimento coletivo nom foram estranhos também os próprios cristãos novos, quando rejeitavam exteriormente os que se afirmavam pola diferença.



A segregaçom dos hereges era exigida para a preservaçom da cristandade. A rejeiçom social viria a conduzir, paulatinamente, a partir da segunda metade do século XVI, à exclusom de certas funções a qual se veio a agravar com a dominaçom espanhola e durante o século XVII com as inabilitações para as honras, cargos eclesiásticos e universitários. Tentou-se igualmente impedir que, polo casamento, os cristãos novos continuassem a entrar na nobreza de linhagem. Para tudo passaria a ser necessária a carta-certidom de limpeza de sangue.


A esta exclusom social e mental contrapunha o doutor Fernando Cardoso, médico das cortes de Filipe III e Filipe IV, ou Isaac Cardoso, como viria a ser conhecido como judeu, a obra apologética intitulada «As excelências dos Judeus».

Em 1773 o Marquês de Pombal aboliu a distinçom legal entre cristãos novos e cristãos velhos


A segregaçom da «gente de nação» viria, legalmente, a acabar, depois de muito combatida por jesuítas e alguns políticos dos séculos XVII e XVIII —que relacionavam a decadência de Portugal com a saída para outras regiões dos cristãos novos—, em 1773, com a aboliçom polo Marquês de Pombal, primeiro ministro de D. José I, da distinçom entre cristão novo e cristão velho.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

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