Maria José Ferro Tavares
Mais umha vez é o silêncio ou a escassa informaçom que paira sobre o papel dos Judeus portugueses, no empreendimento das descobertas, impulsionado polos reis de Portugal, a partir de inícios do século XV. A quase inexistente documentaçom nom impediu o aparecimento da tese de Joaquim Bensaúde, onde lhes foi dado um papel de grande relevo, a que foram contrapostas outras mais comedidas como a de Jaime Cortesão.
A documentaçom régia é praticamente omissa sobre esta questom, exceto umha ou outra carta a autorizar Judeus peninsulares a embarcar nas caravelas portuguesas, com a finalidade de comerciarem em terras de negros.
Este facto leva a concluir que os Judeus portugueses tinham livre trânsito nestas viagens, tal como sucedia com qualquer mercador português, fosse cristão ou mouro. De facto, Zurara na "Crónica dos feitos da Guiné" referiu que, nas caravelas que partiram de Lagos, no tempo do infante D. Henrique, ia um judeu que viria a ficar como refém, juntamente com o mestre dumha das caravelas, num trato de resgate de mouros na ilha Tider, perto do cabo Branco. Este judeu, de nome e proveniência desconhecidos —embora se possa supor que seria de Lagos—, ia certamente como mercador, ou seja, para o resgate de mouros e negros.
A sua atividade nas descobertas nom os fez destacarem-se como navegadores, pois nengum texto fala de vocaçom marítima da minoria judaica. Polo contrário, é muito possível que a sua importância tivesse incidido mais na transmissom de informações, dada a facilidade em viajar que possuíam, quer pola cristandade, quer polo Islão.
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Os Judeus portugueses tinham livre trânsito nas viagens como qualquer mercador |
Sem esquecer a narrativa de viagem de Benjamim de Tudela ou do atlas do judeu maiorquino Abraão Cresças, de meados de Trezentos: nele pode-se observar umha caravana de camelos com mercadores judeus, bem assinalados polo seu chapéu bicudo à maneira da Europa central, a atravessar as estepes asiáticas.
Como informadores, foram utilizados por D. João II. José de Lamego e Abraão de Beja sabiam informações sobre Ormuz por onde o primeiro já andara, participando-as ao monarca, conforme diz João de Barros, na Década I. Por isso, o soberano enviou-os a saber notícias de Pêro da Covilhã e de Afonso de Paiva. Enquanto José de Lamego se deslocou à Etiópia, Abraão de Beja foi até Ormuz e, daqui, percorreu o mar Vermelho e a Índia, para trazer a Portugal as informações pretendidas por D. João II.
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Os Judeus envolveram-se como espiões do rei João II |
Aliás, esta mesma funçom de espionagem e de embaixadores, quer em terras do norte de África, quer em terras do Grão Turco, veio a ser desempenhada, durante o século XVI, polos Judeus em diáspora por estas paragens, após a expulsom.
A sua participaçom na cartografia foi referida polos cronistas de Quinhentos. Assim Gaspar Correia, nas "Lendas da Índia", mencionava a vinda de Jácome de Maiorca, para o serviço do infante de D. Henrique, o qual viria a ser, depois de muita celeuma, identificado com Jaffuda Cresques, filho de Abraão Cresques. Hoje, esta identificaçom é, de novo, contestada por Luis de Albuquerque com base na data de 1375 em que mestre Jácome assinou como Jaffuda Cresques e a data de 1430 em que teria vindo para Portugal.
Também João de Barros e Fernando Colombo referiram a participaçom de mestre José Vizinho, natural da Covilhã, na empresa científica das descobertas. De facto, D. João II enviara-o à Guiné para medir a altura do sol no equador. Este judeu participava com D. Diogo Ortiz e mestre Rodrigo, num conselho régio para o estudo do empreendimento dos descobrimentos.
A ele deve ter sido agregado Abraão Zacuto, na década de 90, pois dele conhece-se a ordem de pagamento de cinco moedas de ouro, mandada lavrar por aquele soberano e cujo recibo foi assinado em hebraico por ele. Estávamos no ano de 1493.
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Abraão ben Samuel Zacuto (Salamanca c. 1450 - Damasco c. 1522 foi um astrónomo que serviu na corte do rei D. João II de Portugal. |
José Vizinho traduziu para castelhano e latim o "Almanaque Perpétuo" de Zacuto e as tabulas de declinaçom solar, que viriam a ser editados em Leiria, na tipografia dos judeus Orta.
Se pouco se sabe sobre a atuaçom dos Judeus portugueses no movimento das descobertas, o mesmo já nom sucede quanto à conquista norte africana, onde alguns conseguiram amplos privilégios como recompensa dos serviços prestados na luta contra os mouros. Mestre Abraão Ibn Yahia, rabi-mor de D. Afonso V. viria a morrer na conquista de Arzila, servindo o rei com um grupo de Judeus, seus criados, montados a cavalo.
Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa (1982-1984).
Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED
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