Shmuel Trigano | A ideologia palestiniana e os seus “idiotas úteis”
Samuel Trigano |
Um novo fenómeno (por assim dizer) na longa história de ódio aos Judeus manifestou-se recentemente nos campi universitários americanos, nas ruas europeias, particularmente inglesas e francesas, sem esquecer as ruas árabes/muçulmanas (Jordânia, Turquia, etc.). Este fenómeno, que defino como “Palestinismo”, constitui umha nova forma ideológica [1] que deve ser distinguida do antissionismo, que agora se tornou “clássico” e ultrapassado.
As diferentes épocas de ódio aos Judeus
Ao longo da história, manifestaram-se diferentes formas de ódio e o projeto de extermínio dos Judeus: o antijudaísmo cristão, o antijudaísmo muçulmano, o antissemitismo da era moderna e democrática que identifica o judeu como umha raça, o antissemitismo e o antissionismo da era contemporânea (era do Estado-naçom) que identifica o Estado judeu com umha colónia do Ocidente.
Cada umha destas formas envolve umha teoria da condiçom judaica [2] e o projeto de erradicaçom dos Judeus (mais claramente do seu “extermínio”) em nome dumha causa que supostamente justifica moralmente esse extermínio. Cada um deles aborda um problema específico.
As diversas formas históricas de ódio aos Judeus:
> o “Verus Israel”, a Igreja, face a Sinagoga caída
> a Umma islâmica no dhimmi,
> a naçom moderna face umha conspiraçom judaica global (um povo inventado)
> da naçom pós-colonial face estado-naçom judeu (antissionismo)
> a “multidom” (Cf. Antonio Negri) globalizada face a singular naçom judaica.
A era do antissemitismo global
Podemos perguntar-nos sobre esta última fase se entrámos numha nova era histórica de ódio aos Judeus: a era “pós-democrática”, pós-modernista ou globalizada. Note-se que pode estar intimamente ligado ao recente aparecimento em Israel dum Israel pós-nacional (decorrente do pós-sionismo da esquerda israelita), cujos primeiros efeitos foram sentidos no “protesto” que abalou Israel ao longo de 2023 [3].
Em suma, o antissionismo que tem como alvo o clássico Estado-naçom judeu democrático estaria hoje “ultrapassado” como umha forma ideológica de ódio aos Judeus, devido ao fim [4] (?) da era do Estado-naçom, incluindo na sua versom israelita.
Que forma assumirá esta mutaçom pós-nacional (isto é, “para além da naçom”), dum ódio que, segundo as últimas notícias, era antissionista (contra os Judeus enquanto Estado-naçom moderno)? Nesta versom nom haveria mais um referente coletivo concreto –povo, naçom, sinagoga (o pós-modernismo obriga) – senom “a multidom” estúpida, confusa e errática, que, em Antonio Negri, designa a nova figura do coletivo, condiçom que abrange caoticamente toda a humanidade na era da globalizaçom e cuja figura global seria “o povo palestiniano”, ilustrado polas atuais manifestações globais de ódio aos Judeus.
Os Judeus (figura global do Estado de Israel) seriam assim duplamente atacados: como umha sobrevivência arcaica do Estado-naçom, um fóssil da era colonial, e como um obstáculo à globalizaçom. A questom deste ódio colocaria agora umha nova entidade, também globalizada, representando o mundo globalizado, nomeadamente “o povo palestiniano”, contra os Judeus de todo o mundo, que já nom são qualificados como “povo”.
O antissionismo estaria ultrapassado polo palestinismo |
Obviamente, “o povo palestiniano”, que representa umha realidade supostamente ameaçada e perseguida (apartheid), [5] se designar os verdadeiros palestinianos é, neste caso, construído como umha figura transcendente, maleável, que é um mito, como mostra a revolta contra os Judeus que atingiu as universidades de vários países do mundo ocidental e demonstrou a ignorância crassa dos seus “idiotas úteis” europeus e americanos em questões de história e geografia do Próximo Oriente: proclamam a palavra de ordem “do rio ao mar” sem saber de que rio ou de que mar estão a falar… Agora é o “povo palestiniano” contra “os Judeus”, em todo o lado, nom importa. As mulheres agredidas (apenas no Ocidente) podem agora defender a sua causa atacando “Israel”… Isto é o que o delírio conceptual da doutrina pós-modernista da “interseccionalidade” permite racionalmente. Mulheres espancadas, ex-colonizados perseguidos, deficientes, africanos, índios, antigos escravos: arrogância aos Judeus culpados do seu sofrimento!
Na medida em que o “povo palestiniano” se torna o referente universal e abstrato, desligado da realidade histórica e sociológica, do ódio desenfreado antijudaico, chamarei este último de “Palestinismo”. Este termo designa a ideologia que motiva a atual onda antissemita no mundo, com base numha messianizaçom quase religiosa (na verdade islamizada) dum povo palestiniano “sofredor” vítima de toda a culpa do mundo “branco”, e “Ocidental”. Já nom é o judeu como naçom, uma sinagoga, umha comunidade que é alvo, mas sim o judeu como raça humana, tanto coletiva como individual, a quem é negada a sua qualidade como homem, como o massacre de 7 de outubro demonstrou [6]. Neste sentido, é um ressurgimento da intençom nazista.
Assiste-se a um ressurgir da intençom nazista contra os Judeus |
Palestina: Império ou Estado?
Este estado de cousas confere aos palestinianos um estatuto sem precedentes, um poder sem precedentes, o dum “império global”. Tomo emprestado este termo dum autor americano, Lee Smith [7], os palestinianos têm algo melhor do que um Estado, escreve ele, são apoiados polas atuais potências dominantes e incluídos em todos os cenários das instituições internacionais. A revolta nos campi e nas cidades ocidentais mostrou a sua força e a escala do seu poder. Que necessidade têm eles de se sobrecarregarem com o fardo dum pequeno Estado que seria a “Palestina” com fronteiras estreitas: já estão a jogar nas grandes ligas e a pavonear-se em todos os cenários internacionais, no tribunal penal internacional (que ocasionalmente mostram a sua corrupçom moral e má-fé). A questom do ódio a Israel, portanto, já nom tem objetivamente como horizonte a criaçom dum “Estado Palestiniano” nem dum “povo Palestiniano”. Ele se vê confrontado com a humanidade unida na “comunidade internacional”. Já nom tem a ver com terroristas palestinianos, com o Hamas, etc., mas com os organismos mundiais da humanidade.
As três bases do palestinismo
O palestinismo como ideologia está a desenvolver-se em três grupos populacionais: imigrantes árabes-muçulmanos do Ocidente, palestinianos do Próximo Oriente, populações ocidentais, aos quais deveríamos acrescentar círculos internacionais (em particular a Uniom Europeia). Cada vez por motivos diferentes.
Para as comunidades de imigraçom, a preocupaçom com a “Palestina” tem desempenhado, desde a segunda intifada, o papel dum “cavalo de Tróia” que lhes dá umha oportunidade “distinta” e legitimadora de intervir pola primeira vez na cena política dos países em que se encontram como umha comunidade distinta (a umma) da comunidade nacional. Intervir especificamente contra os Judeus na cena política limita, de facto, a “gravidade” da sua intervençom política na cena nacional. Foi isto que abriu a porta à ideia de que existe um “conflito importado” e, portanto, extra-francês. Falamos até de antissemitismo “endémico” nos países (muçulmanos) donde vêm os imigrantes como umha inevitabilidade contra a qual nom há nada a fazer… “Antissemitismo atmosférico”, dizemos, para nom fazer nada contra ele.
Sabemos que depois e para além dos Judeus, como demonstra a propagaçom do terrorismo na França após os assassinatos cometidos em Toulouse por Mohamed Merah, é o resto da populaçom francesa que é o alvo. A intervençom a favor do povo palestiniano sofredor (dixit Merah: “vingar as crianças de Gaza” sobre as crianças judias francesas) escondeu a intervençom dos imigrantes na política francesa, em nome do Islão e do Islão violento.
É habitual vermos mulheres veladas nas manifes pró-Palestina (anti-Israel) |
As figuras que acompanharam as manifestações europeias e americanas são muito significativas: à frente das procissões vemos que os líderes são muçulmanos imigrantes locais: mulheres veladas e keffiyehs para os homens, atraem a multidom de “idiotas úteis” seduzidos pola falta de conhecimento por umha causa considerada nobre: apartheid, genocídio e outros blefes.
A base das populações ocidentais
Umha das características do palestinismo é, de facto, esconder-se numha causa de sofrimento para avançar na cena da sociedade ocidental (nom há necessidade deste bluff no mundo muçulmano, a arcaica intençom anti-judaica é clara para todos: a única condiçom de 'existir para um nom-muçulmano é a condiçom de dhimmi!). Inventamos assim umha saga de vítimas, umha história falsa do início ao fim, que ignora os factos históricos e os distorce, aproveitando a ignorância dos palestinianos para nos concentrarmos em palavras-valise: apartheid, genocídio, colonos, para desviar a atençom e bombear a legitimidade que fluiria deste sofrimento em benefício dos palestinianos. Aqui a manipulaçom dos símbolos da Shoah é óbvia [8]. Tem como alvo o sentimento de culpa que assombra aqueles que cometeram a Shoah (e que produziram o colonialismo), os ocidentais.
Para seduzir estes últimos, a lenda, a narrativa do palestinismo, o seu credo exalta o povo absoluto, do qual dezenas de milhares de crianças são intencionalmente mortas por Israel, um genocídio que envolve toda a humanidade, a quintessência da inocência humana. Circulam números astronómicos de vítimas, fabricados polo Hamas e que são escandalosamente repetidos polos instrumentos de informaçom, mesmo polos Estados ocidentais, sem se darem ao trabalho de os verificar “O que a Palestina traz ao mundo” foi a recente manchete do Instituto do Mundo Árabe de Paris para umha exposiçom sobre a “criatividade” palestina (!)…
Os palestianos tornaram-se na quintessência da inocência humana |
Esta messianizaçom dumha Palestina fantasiosa tem umha longa história. Começa com a manipulaçom dos seus significados pola URSS na década de 1960 e, em particular, pola KGB, que transformou as populações do território mandatário da Liga das Nações num movimento nacional do Terceiro Mundo que luta contra o colonialismo ocidental. Salientemos que as populações em questom nunca tiveram umha especificidade nacional estatal ou local ao longo da história, exceto desde a existência de Israel. O objetivo desta transmutaçom era encontrar umha forma de seduzir e recrutar a esquerda ocidental para a luta comunista contra o Ocidente democrático e capitalista, o mundo livre. É o que nos conta Jan Pacepa, um espião da KGB que foi para o Ocidente. Esta mudança de estratégia ocorreu em 1964 na Roménia de Ceausescu.
O palestinismo é a ideologia desta nova estratégia que assumiu formas sucessivas, primeiro comunista, depois marxista, depois anarquista (nas ideologias de 1968), depois pós-modernista, depois wokista. O dogma pós-modernista da interseccionalidade, enfatizo novamente, que estabelece uma relaçom entre todas as supostas condições de opressom, está subjacente à confusom geral que caracteriza o palestinismo e que permite que indivíduos e grupos que nada têm a ver com Israel e os Judeus (lado globalizado) cuja história e identidade ignoram, para se voltarem contra eles, em qualquer lugar, a qualquer hora. Esta é a razom e a teorizaçom da relaçom que liga a celebraçom do povo absoluto, do povo anti-sistema dos ativistas “progressistas” e da arcaica guerra religiosa do Islão.
A guerra religiosa por trás do palestinismo
A invençom estalinista dumha luta “nacional(ista)” dos palestinianos contra o colonialismo israelita, a quintessência do colonialismo universal, na verdade escondeu dos olhos dos ocidentais ingênuos (e mal-intencionados) a guerra religiosa universal que certos grupos islâmicos estão a travar contra o Ocidente e cuja realidade medimos no movimento antijudaico global que se seguiu ao 7 de outubro.
Esta universalizaçom do ódio revela a dimensom da “guerra religiosa” escondida no palestinismo. A manifestaçom simultânea de acontecimentos contemporâneos nom é, na verdade, umha coincidência. O projeto de extermínio islâmico dos Judeus inaugurado polo massacre de 7 de outubro era claro: o Hamas chamou-lhe “dilúvio da mesquita de El Aqsa”. É um facto concreto que o apelo à jihad foi lançado polas autoridades teológicas muçulmanas (Universidade El Azhar no Cairo, Faculdade de Teologia de Zitouna na Tunísia, sem esquecer – e está provado – a inspiraçom vinda do xiismo iraniano vítima dumha corrente messiânica e escatológica na qual os Judeus deveriam desempenhar um papel). As atrocidades funcionaram como um apelo ao sangue contra populações que os islamitas nom consideram “humanas” (recordemos os iazidis exterminados no Iraque).
Convergência de mensagens islamo-nazistas numha só imagem: 1) "Um deus umha naçom" sob a bandeira do Estado Islâmico 2) "Alá está a juntar todos os sionistas para a soluçom final" |
Mas isto é apenas parte da realidade do carácter global do palestinismo. Também possui bases organizacionais. Porque campi americanos? Isto porque o Catar investiu somas gigantescas em universidades e investigaçom americanas, e também está ativo na Europa, em diferentes países europeus e na esfera política da UE (ver o recente escândalo de corruçom dos eurodeputados). A isto devemos acrescentar também a ação da Turquia junto dos imigrantes turcos na Europa, particularmente na Alemanha. Também sabemos como a Irmandade Muçulmana (financiada polo Catar com o apoio da Turquia) pratica o entrismo em toda a Europa e na Uniom Europeia através de imigrantes muçulmanos. Este fenómeno global pode ser definido como umha implementaçom da guerra santa, da jihad a nível global e, acima de tudo, numha Europa minada pola devastaçom da ideologia pós-marxista que é o pós-modernismo. Os dous andam de mãos dadas objetivamente: jihad e pós-modernismo.
O palestinismo dos palestinianos: a base palestina
A estratégia do palestinismo, no entanto, acabou por ser mais do que um desfile de circunstâncias, umha manobra ideológica, no sentido em que influenciou a radicalizaçom do “povo palestiniano” que agora se vê globalmente substituído por Israel, no qual também traça a sua existência e identidade, o que dá origem a acusações de “genocídio”: o “povo palestiniano” é o “Novo Israel”. Israel, pola sua própria existência, torna-se de facto o nome do genocídio dos palestinianos, graças ao qual eles se constituem como povo, no seu lugar. Na verdade, nunca houve umha sociedade, um estado, umha naçom palestiniana (um termo romano polo qual Roma queria apagar até mesmo a memória de Israel e que originalmente designava os maiores inimigos do Antigo Israel, os filisteus, eles próprios “invasores” (o significado etimológico da palavra “palestiniano”) Depois da guerra de 1948, as potências que invadiram o jovem Estado de Israel para destruí-lo, foram a Jordânia e o Egito, nom devolveram os territórios que ocuparam a um Estado palestiniano ou a um povo palestiniano que nunca existiu. A bandeira brandida pola LFI no hemiciclo é na verdade a bandeira do partido Baath que governa na Síria e no Iraque e que é o padrom do nacionalismo socialista pan-árabe. Sem Israel, nunca teria existido a Palestina (e de facto em todo o mundo). Na época do Mandato Inglês da Liga das Nações, os Judeus eram chamados de "palestinianos", mas nom os árabes deste território cujo Estado seria localizado na Jordânia).
A sociedade tribal palestiniana (a Hamoulot, parte dum ciclo de vendetas e gangsterismo com cem mortes anuais) portanto apenas se identifica como “Palestina” (o mito inventado na guerra travada contra os Judeus desde 1940) apenas em modelada em todos os sentidos sobre a existência e identidade do Estado de Israel, sem o qual nom existe “povo palestino”. Recordemos, como pano de fundo, que, desde 1940 e até 1970, um milhom de Judeus foram expulsos do mundo árabe-muçulmano, 600.000 dos quais tornaram-se entom cidadãos israelitas. O palestinismo recente aparece nesta perspetiva como a fase mais recente da guerra que o Islão tem desde entom travado contra os Judeus. Quanto ao genocídio, que genocídio engraçado! Em 1948, havia 600 mil refugiados palestinianos, hoje são mais de 13 milhões...
A bandeira do partido BAAS. Esta bandeira, apresentada por Rima Hassan e pola Fatah como umha bandeira “palestiniana”, é na verdade a do partido BAAS no poder na Síria e no Iraque. Representa umha ideologia nacional-socialista pan-árabe. As cores desta bandeira simbolizam os diferentes impérios coloniais árabes sucessivos:
> o vermelho representa os Hachemitas, autores da primeira jihad, com a escravidom sexual e o estatuto de subumanos (“dhimmi”) para cristãos e Judeus;
> o branco, os Omíadas, com a sua hierarquia racial e o tráfico de escravos negros;
> o negro, os Abássidas, com a industrializaçom e o comércio global de escravatura; e por fim,
> o verde simboliza os Fatímidas, autores do massacre da comunidade judaica de Fustat (Cairo) em 1067 e da destruiçom da Igreja do Santo Sepulcro em 1009.
Shmuel Trigano (Blida, Argélia, 1948) é um intelectual francês prestígiado no campo da sociologia.
Notas
[1] Encontrei o termo pola primeira vez nos escritos do historiador Bat Ye’or
[2] Sempre coletivo, embora em diferentes variações, porque qualquer ódio aos Judeus solidifica os Judeus com o objetivo de destruí-los como umha massa
[3] Esta figura sectorial da sociedade israelita, ainda potencial, que defenderia uma condiçom judaica pós-nacional, já está a dar origem (!) a umha nova verso mde ódio aos Judeus que nom poupa o Israel pós-nacional da esquerda “progressista” e que nom será contado na comunidade mundial globalizada, independentemente dos seus “esforços” para se juntar àqueles que se revelam os seus inimigos, os “progressistas” antijudaicos…
[4] O que a ideologia pós-modernista e a ideologia já pós-sionista afirmam. Ilusom.
[5] No pós-modernismo, a única fonte de direitos é a vitimizaçom, real ou suposta.
[6] E cujas expressões se encontram no discurso interno palestiniano, que nom chega ao Ocidente, ver Palestinian Media Watch
[7] Ver Tablet Top Ten 2023 10
[8] Veja as minhas análises do mito da Nakba
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