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segunda-feira, 16 de novembro de 2015

OS JUDEUS PORTUGUESES EM PERNAMBUCO

Em 1630, com Portugal submetido ao domínio espanhol, as forças holandesas chegaram ao Brasil e ocuparam toda a regiom setentrional do Nordeste brasileiro (território de Pernambuco). O interesse da Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (CIO),  responsável pola administración dos territorios da coroa dos Países Baixos nas Américas, achava-se nas plantações de açúcar e nos mais de 120 engenhos existentes em Pernambuco, na altura a maior zona produtora mundial desse produto.


Colónia holandesa que ocupou grande parte da regiom Nordeste do Brasil. Wikipédia
Os colonialistas holandeses trazeram consigo Judeus portugueses de Amsterdão e permitiram, como na metrópole, logo de início e de forma inquestionável, a liberdade de consciência e de culto entre as populações das suas colónias: "A liberdade dos espanhóis, portugueses e nativos, quer sejam católicos romanos ou judeus, será respeitada. A ninguém será permitido que os moleste ou os sujeite a inquirições em matéria de consciência ou nas suas casas privadas; e ningúem os ouse inquietar ou perturbar ou causar-lhes dano sob pena de puniçom arbitrária ou, dependendo das circunstâncis, de severa e exemplar reprovaçom" (Leis e Regimentos das Índias Ocidentais).

Sob a administraçom do príncipe João Maurício de Nassau, a comunidade de refugiados portugueses floresceu. Na altura de 1645 a populaçom judaica da Nova Holanda (nome dado polos holandeses à colónia de Pernambuco) era de 1.630 pessoas, aproximadamente metade da populaçom europeia. Em 1642 produzira-se a chegada de 600 Judeus portugueses que abandonaram Amsterdão. No bairro de Recife, no atual centro histórico da cidade, abriu-se em 1636 umha Rua dos Judeus (Jodenstraat).
Cidade Maurícia e o istmo do Recife em 1665. Wikipédia
Entre 1636-40 os Judeus holandeses de origem portuguesa fundaram a primeira sinagoga brasileira em Recife, a primeira em solo americano: Kahal Kadosh Zur Israel (Rocha de Israel). Posteriormente fundaram a sinagoga Kahal Kadosh Magen Abraham na Cidade Maurícia. As duas foram unificadas em 1648 com as assinaturas de 172 membros tanto de Recife como de Maurícia. A comunidade judaica organizou-se de forma completa segundo a norma da comunidade matriz de Amsterdão: umha sinagoga, as escolas religiosas e um cemitério. 
Esnoga Kahal Zur Israel, a primeira sinagoga na América. Wikipédia
Em 1642 o rabi Isaac Aboab da Fonseca, um conhecido rabi de Amsterdão, juntamente com o estudioso Moses Raphael d'Aguilar chegaram ao Brasil como líderes espirituais para assistir às congregações de Recife e Maurícia. Apesar da tolerância oficial, os Judeus sofreram certa hostilidade por parte dos calvinistas que tentaram restringir as suas liberdades.

Na altura de 1639 a Nova Holanda tinha umha florescente indústria do açúcar com mais de 120 engenhos (6 dos quais eram propriedade de Judeus). Os Judeus também tinham um papel importante no comércio, a taxaçom agrícola e finanças. Os Judeus de Pernambuco também se envolveram no tráfego de escravos, no trabalho agrícola, na milícia holandesa, no artesanato e na medicina. 

O contato com a populaçom local (incluindo muitos cristãos-novos do Sertão) foi permanente devido às atividades económicas. Em geral, durante a ocupaçom holandesa do nordeste muitos cristãos-novos regressaram ao judaismo, assumindo publicamente a sua identidade. Perseguidos pola Inquisiçom, a Nova Holanda aparecia aos olhos dos cristãos-novos brasileiros e portugueses como um oásis de tolerância, libertando-os do receio, constante e real, das torturas inquisitoriais ou da morte nas fogueiras dos autos-da-fé. 

Umha vez libertados de Espanha, em 1642 os portugueses começaram os preparativos para a libertaçom do noreste brasileiro. Em 1645 iniciaram umha guerra que iria durar nove anos. Os Judeus aderiram aos holandeses, morrendo alguns deles na resistência. Em junho de 1649 dous navios holandeses chegaram com suprimentos. Com um ataque final de proporções épicas as tropas portuguesas, comandadas polo general luso-brasileiro Francisco Barreto de Menezes, lançam-se à reconquista de Pernambuco. 

Os termos da rendiçom dos exércitos holandeses, assinados a 27 de janeiro de 1654 em Taborda, perto do Recife, som generosos para com os derrotados, dando aos Holandeses um prazo de três meses (que seria prorrogado por mais três) para se retirarem do território recém conquistado, período durante o qual, segundo os mesmos termos, “nom serám molestados ou vexados e serám tratados com respeito e cortesia.” Mesmo se garantiu que os súditos holandeses que quisessem permanecer com os seus negócios e propriedades no Brasil teriam o mesmo tratamento dos estrangeiros residentes em Portugal.

Relativamente às 150 famílias judias (por volta de 400 pessoas) do Brasil Holandês o general Barreto de Menezes mostra umha tolerância muito pouco habitual ao permitir igualmente (ajudando até) a saída dos Judeus portugueses, apesar destes terem passado a ficar sob a alçada da Inquisiçom, o que lhe teria à partida vedado qualquer possibilidade de clemência. A lei exigia a deportaçom imediata dos judeus para Portugal.

Devido à escassez de embarcações holandesas que possibilitassem uma evacuaçom total, o general Barreto de Menezes ofereceu 16 navios portugueses para transportar os Judeus e assim os ajudar a escapar à Inquisiçom. Este gesto nom seria esquecido, e os anais da história judaica portuguesa registam ainda hoje o nome de Francisco Barreto de Menezes, católico e “cristão-velho”, como um homem de nobre carácter –um hassid umot ha’olam (gentio justo e íntegro do mundo.)

Porém, os cristãos-novos convertidos do judaísmo ao cristianismo passaram a temer os castigos do Tribunal da Inquisiçom. Para este caso Francisco Barreto de Menezes, na sua proclamaçom de 7 de abril, somente admitia a prorrogaçom da permanência daqueles judeus que nunca foram batizados, alegando que “os Judeus que anteriormente haviam sido cristãos, estavam sujeitos à Santa Inquisiçom, um assunto em que nom podia interferir”. No dia seguinte à proclamaçom, um grupo de judeus solicitou, com êxito, às autoridades holandesas, umha provisom de alimentos suficiente para viajar à França no navio português São Francisco, tendo em conta que se tratava aproximadamente de 150 pessoas.

Embora a esmagadora maioria da comunidade judia partiu em direção à Holanda, outros optaram por ficar nas colónias holandesas e britânicas nas Caraíbas onde se dedicaram à indústria do açúcar, fundando novos engenhos e cultivando as mudas de cana que importaram de Pernambuco, bem como no tabaco. Ainda hoje a predominância de nomes de família portugueses (e a linguagem litúrgica) entre os Judeus sefarditas do SurinameCuraçao, Jamaica ou Barbados prova essa ligaçom ancestral.

Um outro grupo rumou para a América do Norte, que, na época, iniciava a colonizaçom da Nova Amsterdão (hoje Nova Iorque).

Enquanto a maioria dos que nom puderam fugir foram assassinados, os que ficaram no Brasil seguiram a praticar o judaismo em secreto como criptojudeus. Estas comunidades de cristãos-novos refugiaram-se nos sertões, interior do Nordeste Brasileiro, território afastado e fora do controlo das autoridades. Dedicados a atividades agrogadeiras, colonizaram a regiom do Seridó, topónimo que em hebraico significaria "sobrevivente" ou "o que escapou".

Duas décadas após a saída dos holandeses a Inquisiçom foi muito repressora dos cristãos-novos que se converteram ao judaismo durante a ocupaçom holandesa. Na segunda metade do século XVII e durante o século XVIII chegaram muitos relatórios à Inquisiçom de Lisboa relativos à existência clandestina de rituais judaicos. A política portuguesa seguida no século XVIII permitiu que os cristãos-novos se misturassem com o resto da populaçom, até a desapariçom das suas tradições judaicas devido à sua completa assimilaçom, apesar de algumhas famílias se terem esforçado por as manter, isolando-se sobretodo no Nordeste brasileiro e praticando casamentos endógenos.

Em 1655 os portugueses fecharam o maior símbolo da judiaria brasileira, a sinagoga de Kahal Zur e a Rua dos Judeus, como noutros locais da cristandade reconquistados, foi rebatizada como Rua da Cruz (hoje Bom Jesus).


A sinagoga de Recife foi reaberta em dezembro de 2001 e agora é a mais velha sinagoga existente na América. Além disto, alberga umha Sinagoga Centro Cultural Judaico de Pernambuco e algumhas cerimónias religiosas, tornando-se num importante símbolo da herança judaica do Brasil. No ano 2005 Recife recebeu de Israel o seu primeiro rabi permanente desde 1654. Em novembro de cada ano um festival judaico oferece dança, cinema e comida que atrai 20.000 visitantes.

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