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segunda-feira, 23 de novembro de 2015

OS JUDEUS PORTUGUESES EM NOVA IORQUE

Com a rendiçom e expulsom dos Holandeses na colónia de Pernambuco, temendo serem perseguidos pola inquisiçom, os Judeus que lá estavam decidiram retornar também para a Holanda nos 16 navios disponibilizados em abril de 1654 polo comandante das tropas luso-brasileiras, Francisco Barreto de Menezes.

Os navios deixam Pernambuco, levando os Neerlandeses e os Judeus portugueses. Quinze conseguem chegar ao seu destino, porém, um, chamado Valk, extravia-se, seguindo um périplo curioso.

O Valk enfrenta umha tempestade, tendo que desviar o seu curso entre as ilhas do Caribe, próximo da Jamaica, entom colónia espanhola. Antes de lá aportar foi atacado por piratas que tomaram os seus pertences, mantiveram-nos prisioneiros e negociaram com os espanhóis a sua troca por ouro e prata. Os mercadores espanhóis entregaram os prisioneiros às autoridades eclesiásticas da ilha da Jamaica, onde foram retidos até que umha parte do grupo foi libertada e conseguiram transporte até o importante porto do Cabo de Santo António, próximo de Cuba. Lá encontraram o capitám da fragata Saint Catherine, com o qual negociaram a viagem até Nova Amsterdão. No total, toda a viagem, incluindo a prisom na Jamaica, durou mais de seis meses.

Nova Amsterdão da América do Norte era umha ilha localizada na foz do rio Hudson (hoje conhecida como Manhattan) que tinha sido colonizada pola Companhia Holandesa das Índias Ocidentais (CIO) a partir de 1625 logo de ser comprada por 24 dólares. 

Em 7 de setembro de 1654 aportaram na ilha de Manhattan 23 Judeus de Recife a bordo do Sainte Catherine, entre os quais havia homens, mulheres e crianças. O grupo estava formado por seis famílias, encabeçadas por quatro homens (Abraão Israel Dias, Moisés Lumbroso, David Israel Faro e Asher Levy) e duas viúvas (Enrica Nunes e Judite Mercado). Salvo A. Levy, três desses homens citados identificam-se como pessoas que assinaram o livro de atas da Congregaçom Zur Israel do Recife, no ano de 1648.

Os Judeus portugueses do Recife nom fundaram Nova Iorque, como vem sendo erroneamente divulgado. O que ocorreu foi que alguns deles fundaram a primeira comunidade judaica daquela que veio a ser a cidade de Nova Iorque e que veio a ser umha das mais importantes, ricas e influentes comunidades judaicas do mundo.

Todavia, antes desse grupo já se encontrava em terras da Nova Amsterdão o judeu asquenazita Jacob Barsimson (Bar Simson), que seria o primeiro judeu a se fixar na que viria a ser a cidade de Nova Iorque, aonde chegou através da Holanda e que também estivera em Pernambuco. Aconteceu que, depois do seu regresso do Brasil, saiu da Holanda, tendo aportado na Nova Amsterdão em 8 de julho de 1654, um pouco antes da chegada dos 23 judeus vindos do Recife.

Na altura de novembro de 1654 a parte do grupo detida na ilha de Jamaica polos espanhóis ainda lá estava, ocasiom em que representantes dos Judeus de Amsterdão intercederam em favor dos Judeus da nação portuguesa que partiram na fragata Valk. A sua petiçom solicitava que os cônsules holandeses de Cadis e San Sebastian interviessem junto ao rei de Espanha a fim de rogar a libertaçom dos prisioneiros judeus-brasileiros. O governo holandês deferiu imediatamente o pedido dos judeus, e no mesmo dia escreveu aos cônsules declarando, entre outras cousas, que considerava muito sério esse caso.

Os Judeus nom encontram em Nova Amsterdão a tolerância que caracterizava as possessões batavas, garantida pola Declaraçom de Utrecht. Ora, o governador holandês de Nova Amsterdão (de 1647-64), Peter Stuveysant, era um calvinista zeloso e considerava que a presença desses judeus desvalidos e da sua “abominável religiom” só traria prejuízo. Procurou entom de toda forma expulsá-los, escrevendo umha carta aos seus superiores da CIO argumentando que "se deixarmos vir os judeus nom tardam a vir os papistas". O desespero de Stuyvesant aumentaria ainda mais quando os Judeus apresentaram umha petiçom à CIO para poder fazer na Nova Amsterdão o que faziam em Pernambuco, isto é, viver livremente. A resposta da companhia foi favorável: “Após muita deliberaçom, resolvemos dar provimento à petiçom apresentada por certos mercadores [judeus] da Nação Portuguesa, julgando-a favorável, para que eles possam viajar e comerciar com e na Nova Holanda e viver dentro dos seus limites.” Na sua petiçom, aqueles judeus alegaram ser israelitas há décadas leais à Holanda e mesmo umha grande parte do capital desta companhia pertencia a judeus portugueses residentes na cidade de Amsterdão.

Mesmo assim, Stuveysant exclui os judeus do serviço da guarda colonial na Casa dos Voluntários e obriga-os a pagar um imposto, porque outros serviam no lugar deles. Diante desta situaçom Asher Levy e Jacob Barsimson encaminham um baixo-assinado para o Tribunal Colonial, objetando as medidas tomadas polo governador. Após dous anos de questom judicial, eles ganham a causa. Mas o governador nom desistiu em dificultar a vida dos Hebreus, após conquistar o território sueco ao longo do rio Delaware proíbe-os de comerciar naquele local. Novamente Asher Levy reclama da distinçom e obtêm a primeira concessom de comercializaçom em 1656.

Com a chegada, em 1655, de mais Judeus, com melhores condições financeiras provenientes dos Países Baixos, pudo-se estruturar umha comunidadeÉ fundada no mesmo ano, a Kahal Shearit Jacob (Congregaçom Portões de Jacó), posteriormente denominada Kahal Kadosh Shearit Israel (Santa Congregaçom o Remanescente de Israel), a primeira comunidade judaica da América do Norte e a única comunidade de Nova Iorque até 1825. Como era proibida a construçom dumha sinagoga as reuniões realizavam-se em casas alugadas.

Em 1664 Nova Amsterdão rende-se aos ingleses e foi cedida para a Inglaterra polo Tratado de Breda (1667), para ser renomeada como Nova Iorque, na qual os Judeus tiveram permissom de residência graças o acordo entre Menasseh ben Israel e Oliver Cronwell. Os Holandeses reconquistaram-na em 1673, rebatizando-a como New Orange, para só retomar o nome de Nova Iorque quando os britânicos recuperaram o assentamento no ano seguinte.

Em 1683 é construído em Manhattan o primeiro cemitério judaico logo de ser concedido polas autoridades britânicas. Segundo comprovaçom de pesquisas junto ao arquivo do campo santo, membros da Congregaçom Zur Israel do Recife aparecem em documentos da época. Um deles, Benjamin Bueno de Mesquita, um dos 172 subscritores do Haskamot, assinado no Recife em 30 de novembro de 1648, tem a sua lousa tumular preservada naquele cemitério.


Primeiro cemitério Shearith Israel. Foto: Wikipedia
55-57 St. James Place, Lower Manhattan, Nova Iorque
Por volta de 1695, apesar de algumhas restrições, os Judeus tinham a sua primeira sinagoga improvisada, mas nom foi até 8 de abril de 1730 que foi erguida a primeira sinagoga de raiz da comunidade em Mill Street. Consistia num simples prédio de tijolos, que devido ao crescimento comunitário mudou de lugar três vezes até se estabelecer em 1897 no local que se encontra até hoje, na Rua 70, esquina com a Avenida Central Park West. Mesmo após o número de sefarditas ter sido suplantado polos asquenazitas, a sinagoga manteve o português como língua dos seus documentos e registos até final do século XIX. Mesmo hoje cânticos e inúmeras palavras usadas nesta sinagoga som em língua portuguesa.
Esnoga Shearith Israel (desde 1897). Foto: David Shankbone
Os Judeus eram ativos no comércio. Atuavam como intermediários entre os nativos e os europeus, eram peritos na navegaçom costeira e no comércio ultramarino, atuavam como lojistas e artesãos, além de vendedores de miudezas e outros utensílios cotidianos. Pouquíssimos eram agricultores ou ricos, embora algumhas famílias dos “da nação” possuíssem patrimônios expressivos (entre os quais os Lopes, Franks, Hayman Levy, Gratz e os Lindo). 


Em termos políticos, sociais e económicos este grupo e os seus descendentes foram muito ativos na sociedade estadounidense, formando umha elite judia. Assim sendo, em 1733, estám entre os primeiros a assinarem a petiçom sobre a questom do chá que desencadeou a Revoluçom Americana. De facto, Gershom Mendes Seixas, foi aliado de George Washington na Guerra da Independência. Em 1768 os judeus portugueses som cofundadores da Câmara de Comércio de Nova Iorque. Em 1792 Benjamim Mendes Seixas, filho de Gershom, foi um dos principais impulsionadores da criaçom da Bolsa de Valores (Wall Street). O rabino português Mendes Seixas fundou a Columbia University e o Hospital Mount Sinai. Benjamim Cardozo, juiz da Suprema Corte dos EUA ligado a Franklin Delano Roosevelt... Os exemplos som muitos da vitalidade desta comunidade de judeus portugueses de Nova Iorque.


Tal como aconteceu na América do Sul, a partir de Recife, foi de Nova Amsterdão, aliás Nova Iorque, que os Judeus da nação portuguesa se dispersaram na América do Norte, estabelecendo-se ao comprido da costa leste, nomeadamente em Nova Jérsia, Montreal, Newport, Filadélfia, Charlotte e Nova Orleães. Em Rhode Island introduzem em 1750 a pesca à baleia, dominada polo português Aaron Lopez, nascido em Lisboa como Duarte Lopez. Em 1759 fundaram em Newport a Sinagoga do Touro, a mais velha sinagoga que ainda resiste na América do Norte. A pesca da baleia foi umha das atividades que levou ao longo dos séculos muitos portugueses para os EUA, em particular os açorianos.


Em 1954, por ocasiom do terceiro centenário da chegada dos primeiros judeus a Nova Iorque, o local do desembarque foi assinalado com marco em pedra colocado polas autoridades estaduais, com os dizeres (em traduçom): “Erguido polo Estado de Nova Iorque em homenagem à memória dos vinte e três homens, mulheres e crianças que aqui desembarcaram em setembro de 1654 e fundaram a primeira comunidade judaica da América do Norte”.

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