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segunda-feira, 30 de novembro de 2015

OS JUDEUS PORTUGUESES DE CURAÇÃO

A chegada dos Judeus portugueses a Curação, ilha pertencente ao conjunto das Antilhas Holandesas situada perto da costa venezuelana, tem lugar no primeiro terço do século XVII, altura em que se produz a expansom colonial da Holanda na América através da Companhia das Índias Ocidentais (CIO).
Curação nos fins do sec. XVII. Wikipedia
Em 1634 é que a CIO, comandada por Johan van Walbeeck para a conquista da ilha aos espanhóis, traz consigo, como intérprete, o judeu português Samuel Cohen (ou Coheno). Samuel Cohen nasceu em Portugal, onde viveu como cristão-novo até a sua fugida para Amsterdão. Em 1630 participou na conquista holandesa de Pernambuco. Ele permaneceu em Curação por cerca de oito anos. Morreu em Angola em 1642 ao serviço da CIO contra a retomada desse entreposto colonial polos portugueses. Embora Samuel Cohen nom chegou a fundar umha congregaçom judaica, parece que durante a sua estada na ilha animou a chegada de mais judeus portugueses de Amsterdão. 

Em 1651 produz-se a chegada dum primeiro grupo Judeus portugueses a estabelecerem oficialmente um assentamento em Curação. O grupo, formado por dez famílias sefarditas de origem portuguesa de Amsterdão, estava comandado por  João d'Yllan e recebera umha carta da CIO para estabelecer lá um colonato agrícola. 

Em 1652 chega um outro grupo de Judeus portugueses holandeses chefiados por David Cohen Nassi após receber a autorizaçom da CIO para que estes colonos cultivassem a terra, reijeitando, todavia, a liberdade religiosa plena bem como a autorizaçom para exercer o comércio. David Cohen Nassi (1612-85), era um cristão-novo português chamado José Nunes da Fonseca e Cristovão de Távora que viveu em Pernambuco antes de se tornar um experiente colonizador ao serviço dos holandeses.

Em 1659/60 Isaac da Costa, judeu português de Amsterdão e parente de Uriel da Costa que estivera no Pernambuco, liderou um outro grupo de 70 Judeus portugueses da capital holandesa. Este grupo trouxe consigo um rolo da Torá da Esnoga de Amsterdão, que é usado ainda hoje na esnoga de Curaçao. 

Na década de 1660 forma-se umha congregaçom religiosa e que ainda existe na atualidade, o que a torna na mais antiga congregaçom judaica de existência continuada e interrupta no Ocidente.

Embora os colonos originalmente tentaram trabalhar na agricultura, os seus esforços frustraram-se pola aridez do solo. Em consequência, os Judeus concentraram-se na cidade murada de Willemstad por volta de 1660 e, aproveitando as suas ligações familiares, abriram lá lojas a partir das quais estabeleceram umha rede de troca comercial entre a Europa e a América do Sul.

A comunidade sefardita portuguesa nom tardou a crescer e em 1674 fundaram umha sinagoga de madeira em Willemstad sob o nome de Snoa (esnoga) de Mikve Israel. O nome escolhido está muito ligado ao nome dado à sua primeira plantaçom "De Hoop" (A Esperança). 

Em 1685 Curaçao serve de território de refúgio após a expulsom dos judeus das colónias francesas de Martinica e da Guadalupe. Entre eles chega Benjamim da Costa de Andrade, judeu nado em Portugal em 1651 que trouxe consigo os conhecimentos do cultivo do cacau e da preparaçom de bebidas. Ele chamava de "chocolate" os derivados comercializados sob forma de pílulas médicas.

A partir de 1693 Curaçao torna-se no centro mundial do comércio do cacau. Nessa altura, num período de trégua entre a Holanda e Espanha, as autoridades coloniais de Venezuela aceitam a fixaçom de judeus de Curação no porto de Tucacas e que efetuem compras importantes de cacau aos Ameríndios do interior.

A partir do enclave de Tucacas os neerlandeses obtinham quantidades consideráveis de cacau e de tabaco, produtos que eram exportados polos Judeus para Amsterdão. Os hebreus também participavam no comércio entre Curaçao e outras partes da América importando têxteis da Holanda, tecidos de linho da Alemanha, vinho da Madeira e de Bordéus, canela e pimenta das Índias Orientais. Os Judeus sefarditas utilizaram os seus conhecimentos de português e de espanhol para comercializar, legal ou ilegalmente, com as colónias espanholas vizinhas. 

A situaçom manteve-se até 1720, altura em que as autoridades coloniais espanholas, sob pressom da igreja católica, decidem varrer os Judeus de Tucacas. Numha ofensiva apossam-se da cidade provocando um êxodo dos Judeus para Curaçao depois de eles próprios destruir as suas casas.

Em 1722 os Judeus portugueses som tolerados, permitindo-se a sua estada em Tucacas apenas nas duas feiras comerciais, participando na colheita nos vales do cacau, sendo acolhidos nas quintas polos populares. Para travar o tráfico de cacau organizado polos mercadores judeus de Curaçao através do porto de Tucacas, em 1728 Espanha cria a Companhia Real Guipuscoana, à que confere o monopólio das importações e exportações, do desenvolvimento, a exploraçom das matérias primas na colónia de Venezuela. Entre 1730-33 os judeus portugueses apoiaram a Revolta de Andresote, um antigo escravo, que conseguiu a adesom de pequenos camponeses brancos, Indígenas e Negros no vale do rio Yaracuy para organizar um contrabando com os navios holandeses. Depois de várias vitórias, a revolta é derrotada em 1733, encontrando Andresote refúgio em Curaçao. 


A comunicade judaica cresceu e em 1703 a sinagoga inicial foi substituida por um templo muito maior, no mesmo local onde a Snoa está hoje. Esta nova sinagoga rapidamente se tornou pequena para abrigar a florescente comunidade, sendo inaugurada umha nova em 1732. Em 1864, os membros da congregaçom Mikve Israel construiram o magnífico Templo Emanuel que abriga a Congregaçom Unida de Mikve Israel-Emanuel. 

Sinagoga Mikvé Israel-Emanuel de Curaçao. Wikipédia
Em 1659, com a chegada do segundo grupo de colonos judeus, consagrou-se o cemitério judaico de Beth Haim, repleto de inscrições em língua portuguesa. A lápide mais antiga data de 1668, tornando-se um dos primeiros cemitérios no Novo Mundo. Para além do português, as inscrições deste cemitério, que contém 2.500 sepulturas, estám redigidas em hebraico, espanhol, inglês, holandês, francês, bem como um em iídiche. Pola sua antiguidade, arte e património histórico trata-se dum monumento extraordinário.

Doravante, os judeus de Curaçao floresceram em atividades como o comércio, transporte, e banca, deixando a sua pegada em praticamente todas as facetas da vida na ilha. Os Judeus chegaram a desenvolver várias empresas multinacionais, proporcionando umha combinaçom de serviços comerciais, marítimos, industriais e financeiros a nível internacional. A partir dessas empresas comerciais iniciais fundaram-se três instituições bancárias comerciais. Hoje, as empresas e lojas comerciais judaicas continuam a ser precursores na economia da ilha, embora o número de entidades comerciais judaicas tenha diminuído ao longo dos anos.

Em meados do século XVIII os Judeus constituiam metade da populaçom branca da ilha. Até 1869 todas as cerimónias judaicas eram inteiramente dirigidas em português. De facto, a língua nacional falada polos indígenas, o papiamento, é um crioulo com umha forte influência portuguesa e que incorpora empréstimos do hebraico.

No início do século XIX os Judeus de Curaçao desenvolveram um papel fulcral na luta do libertador Simon Bolivar pola independência das colónias de Venezuela e Colômbia contra o Reino de Espanha. Assim sendo, em 1812, o Libertador e a familia dele receberam asilo e suporte económico das lideranças da comunidade judaica de Curaçao. O seu primeiro refúgio foi a casa dos irmãos Ricardo e Abraão Mesa. Também era amigo de Mordechai Ricardo, um comerciante judeu, em cuja biblioteca Bolívar passou dias inteiros consultando livros e documentos até escrever o Manifesto de Cartagena. Há mesmo referências a Judeus como Juan Bartolomé de Sola, Benjamim Henriques e Samuel Henriques, que se alistaram no Exército Patriota e lutaram ao lado de Bolívar.

Como agradecimento polas boas relações mantidas com os Judeus de Curaçao,  a Venezuela Livre concedeu o direito de fixaçom de Judeus nas costas do Caribe, especialmente em Coro. Essa cidade recebeu em 1821 o primeiro grupo de Judeus a entrar oficialmente na Venezuela independente. Em 1830, a comunidade judaica de Coro era composta de 19 famílias que, vindas de Curaçao, formaram a primeira comunidade judaica na América Latina libertada.

Em 1832 Joseph Curiel, um outro amigo e colaborador de Bolívar, constrói o Cemitério Judaico de Coro, que se iria tornar no cemitério judaico mais antigo da América ainda em atividade (a última lápide data do início da década de 1990), sendo declarado Monumento Nacional em 2004. Na atualidade o cemitério é aberto diariamente para visitaçom. 
Entrada do cemitério judaico de Coro. Wikipédia
Em 1852 David Abraham Senior, próspero comerciante da cidade vindo de Curaçao, funda na sua casa a primeira sinagoga da Venezuela, que funcionou até a década de 1880. Em 1986 o prédio da Sinagoga de Coro foi adquirido polo governo venezuelano, e desde 1997 funciona nele a Casa de Oraçom Hebraica dentro do Museu de Arte Alberto Henriques.

Porém, em 1855, no quadro dumha crise económica, produz-se um surto de violento antissemitismo. A cidadania, que culpabilizava os judeus pola crise, expulsou toda a populaçom hebraica (168 pessoas), que se refugiou em Curaçao. Trata-se da primeira vez em que um grupo de Judeus som expulsos dum território na América. Após um acordo, em 1858 permitiu-se o retorno dos judeus exilados, regressando um número inferior aos que partiram. Em 1902 houve umha recidiva do surto antissemita em Coro, dando cabo da comunidade judaica dessa cidade que deveu refugiar-se novamente em Curaçao. Apenas ficaram uns poucos para proteger as propiedades dos exilados.


Mais tarde, durante a Segunda Guerra mundial, desempenhou um papel marcante George MaduroComo oficial na reserva do exército holandês, Maduro lutou heroicamente na Holanda. Após à capitulaçom holandesa, ele aderiu à resistência, ajudando os pilotos aliados derrubados para escapar via Espanha. Ele foi finalmente preso pelos alemães e morreu em fevereiro de 1945 no campo de concentraçom de Dachau. Em Haia o parque de Madurodam foi construído na sua memória.

Porém, a influência dos Judeus sefarditas de Curação em Venezuela perdura até hoje. Nas últimas eleições presidenciais venezuelanas enfrentaram-se dous candidatos com apelidos de origem hebraica ligada a Curaçao: Nicolás Maduro Moros e Henrique Capriles Radonski. Enquanto a chegada a Venezuela do apelido Maduro se produziu em 1824 com Judeus vindos de Curação, a chegada do apelido Capriles remonta-se a meados de 1800.

Na atualidade a comunidade judaica de Curação mal alcança as 350 pessoas.

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