sábado, 23 de julho de 2016

OS RESCALDOS DO RELATÓRIO BITON SOBRE A CULTURA MIZRAHI

Recentemente foi apresentado perante o ministro da educaçom, Naftali Bennet, o chamado Relatório Biton, realizado polo poeta Erez Biton, o primeiro judeu mizrahi que recebeu o Prémio Israel de Literatura.


N. Benet e Erez Biton na aprsentaçom do Relatório
Biton recebera o encargo governamental de elaborar um relatório de recomendações sobre como devem ser introduzidos mais conteúdos sobre a história e herança mizrahi e sefaradita no sistema educativo israelita. 

O relatório surgiu em resposta à pressom de organizações israelitas que representam os Judeus vindos de países árabes. Os representantes desta comunidade, que constitui mais de 50% da populaçom de Israel, acham que o sistema escolar israelita é eurocêntrico, espelhando as origens ocidentais dos fundadores do sionismo moderno. Destarte, o Relatório Biton aponta as medidas necessárias para corrigir esse desequilíbrio.

O Relatório causou um amplo leque de reações. Para Gidi Orsher, crítico da Rádio do Exército de Israel (IAR), referiu que se tratava dumha vitória da superstiçom oriental e do obscurantismo por sobre a ciência e a tecnologia. O ministro da cultura de Israel, Miri Regev, de origem marroquina, nom demorou em qualificar Orsher como um elitista, fazendo com que perdesse o emprego.

Polo contrário, o jornal Haaretz recebeu com elógios o Relatório Biton, com um manchete intitulado "A judeidade árabe sai fora do armário". Para o autor do artigo, Zvi Barel, trata-se de pôr fim da "discriminaçom" histórica estatal contra a língua e a cultura árabe. Linhas abaixo reproduz-se, na íntegra, o artigo publicado polo Haaretz.

Mas como os formadores de opiniom asquenazitas recorrem a clichês velhos sobre "discriminaçom", -reforçados polo Relatório Biton, ao recomendar que o alunado na escola sejam ensinadas sobre a movimentaçom cívica dos Panteras Negras, os motins de Wadi Salib e o "sequestro" das crianças iemenitas-, ninguém parece ter inquirido sobre o que pensavam os Mizrahim de si próprios. Umha sondagem realizada polo Instituto da Democracia de Israel descobriu que apenas 1,4% dos inquiridos pensavam que a discriminaçom asquenazita dos mirzrahi era um ponto de atrito. A desigualdade econômica e a falta de perspectivas de emprego foram questões muito mais urgentes.

Embora as lideranças mizrahi reconheçam que o Relatório Biton é um primeiro passo importante, pola sua vez, estám desiludidos. "É um escândalo", disse um deles. A coligaçom de órgãos representativos Mizrahi encaminharam umha carta mordaz aos membros da comissom Biton, com cópia para o ministro Naftali Bennett. A razom para a sua deceçom é que o Relatório nom reflete adequadamente a "tragédia" dos Judeus Mizrahi, isto é, a expulsom e expropriaçom dos Judeus de países árabes e muçulmanos. Enigmaticamente, o Relatório Biton promete que "os Árabes e o Islã nom serám apresentados apenas em relaçom aos Judeus (como subjugadores ou prestadores dum bom tratamento), mas como a si mesmos." Nom está suficientemente claro o que os autores do relatório querem dizer com isto, mas ressaltar os pontos culturais de ligaçom entre Judeus e Árabes enquanto se encobrem um dos piores exemplos de limpeza étnica em massa do século XX seria como gavar o grande contributo judaico à cultura da Europa de Leste sem apenas mencionar o Holocausto.


É essencial para as crianças aprenderem o contexto de por que os seus pais e avós tiveram que vir para Israel sem exagerar o contributo Mizrahi ao sionismo. Para a maior parte, chegaram como refugiados, e o estudo do grande poeta al-Mutanabbi pode obscurecer este facto.

A judeidade árabe de Israel sai do armário



O relatório do Comité Biton sobre "o fortalecimento da herança da Judiaria Sefardita e Mizrahi no sistema de ensino" é um dos documentos mais importantes na história do país. Apesar das suas falhas, sobre as quais rios de tinta, sem dúvida, vam ser derramados, em essência, é um documento sobre a definiçom de identidade - nom sobre a identidade cultural, histórica e nacional dos judeus de origem sefaradita e oriental, mas sobre de israelidade e do Estado de Israel.

Na sua essência, envolve a reabilitaçom e correçom dumha narrativa expondo umha história que tem sido ocultada, bem como a tentativa de sandar umha das discriminações que umha sociedade conflitouosa como a israelita criou. Nom se pode permitir que este relatório se torne mais numha letra morta enterrada pola máquina da burocracia, ou que sirva como umha bandeira usada polos políticos para demonstrar a grandeza de seus espíritos e a abertura dos seus corações.

O documento, de 360 páginas, é em si um bocado da história que deveria ser ensinada e estudada umha vez que constitui um testemunho escrito, embora certamente nom completo, sobre a frágil estrutura em cujos deformados alicerces foi construída a narrativa israelita. É umha estrutura a partir da qual umha das partes da sociedade foram deliberadamente excluída e condenanda a se dissolver num "melting point" fictício.

O documento consta de dous pisos espaçosos. Um é construído com os tijolos do passado; onde se mapeia o lugar dos Judeus Mizrahi vindos dos países árabes e de Sefarad (Espanha e Portugal). O segundo oferece umha visom para o futuro que situa Israel dentro da cultura regional do Próximo Oriente.

Este relatório coloca-se, pola primeira vez, sem constrangimentos e sem desculpas, perante umha demanda bem documentada: 
  • o reconhecimento da língua árabe; 
  • a história dos Estados árabes e o Islã; 
  • os laços indissolúveis entre a poesia árabe e judia; 
  • os papéis que os principais Judeus Mizrahi jogaram nas histórias dos povos do Próximo Oriente; 
  • os movimentos árabes, a educaçom e o nacionalismo. 

Em suma, exige que se estude e compreenda a cultura judia mizrahi como parte dum contexto muito mais amplo, e nom como umha curiosidade antropológica ou umha tribo com um folclore comum.

"Os Árabes e o Islã nom serão apresentados apenas face os Judeus (geralmente quer como subjugadores ou como proporcionando um bom tratamento), mas como a si mesmos e, a partir disso, os estudantes judeus também podem obter benefício imediato; e a história dos Judeus dos paises islâmicos serám colocados num contexto histórico mais apropriado", refere o capítulo sobre o ensino da história.

Sem usar tantas palavras, este relatório "sai do armário" ao tomar a ideia da arabicidade judaica, que acende o terror entre muitos Judeus Mizrahi e serve como pretexto para a condescendência dos judeus "europeus". Numha entrevista fascinante que Almog Behar realizou com o Prof. Sasson Somekh em 2008 (e que foi publicada na revista literária "Iton 77"), Somekh explicou que "para ser um Judeu árabe, umha pessoa tem de satisfazer três critérios: a sua língua materna deve ser um dos dialetos do árabe; deve ter nascido e crescido numha comunidade judaica cuja língua é o árabe e num país de língua árabe; e a maior parte da sua educaçom básica deve ter sido através da cultura árabe. Nesse sentido, mesmo que exagerado, eu diria que, para umha pessoa ser um judeu árabe, o primeiro poeta que deveu ter lido na sua vida é Al-Mutanabbi, o maior poeta árabe da Idade Média. "

A cultura Mizrahi de Israel nom se pode reabilitar unicamente através dum aumento das verbas ou com a indigitaçom de membros do Conselho de Educaçom Superior proporcionalmente com base nas suas origens étnicas. Sem a difusom e reforço da língua árabe, sem o conhecimento da história dos estados árabes e da literatura árabe canônica, e quando tudo o arabe é considerado inaceitável por razões nacionalitárias, os mananciais nos quais se desenhou a Judiaria Mizrahi, também serão considerados envenenados.

O Relatório Biton, que convida Israel a se reconciliar com umha cultura judaica considera inferior, também pode abrir um canal para umha cultura considerada hostil. O relatório legitima o fim do nosso medo da cultura árabe-mizrahi, porque se mergulha no anseio polo orgulho cultural que foi roubado aos Judeus Mizrahi.

Mas antes de se deixar levar polas suas boas novas, devemos lembrar quem som os ministros responsáveis ​​pola educaçom e cultura, e que está sentado no governo ao que se pede que estabeleça a narrativa Mizrahi.

Fonte: Haaretz

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