terça-feira, 8 de dezembro de 2015

JUDEUS PORTUGUESES NAS GUIANAS

A regiom denominada das Guianas, "terra de muitas águas" em língua aruaque, estende-se da foz do rio Amazonas à do rio Orinoco. Também conhecida como Costa Selvagem, esta regiom da América do Sul está formada pola atual Guiana (ex-colónia inglesa), por Suriname (ex-Guiana Holandesa) e pola Guiana Francesa, sendo que apenas esta última permanece como umha colónia. As demais ficaram independentes ao longo do século XX. 


A regiom faz parte do continente sul-americano, todavia, as barreiras geográficas, políticas e culturais entre essas colónias e o restante do continente fizeram com que essa regiom se integrasse mais à geopolítica do Caribe. 

Durante os inícios da colonizaçom desta área no século XVII, altura em que se produz a chegada dos Judeus portugueses, as potências europeias (Holanda, Inglaterra e França) disputavam o controlo destes territórios que em consequência mudaram várias vezes de mãos.


Judeus portugueses em Suriname

A primeira chegada de populaçom judaica ao territorio da antiga Guiana Holandesa (hoje Suriname) tem lugar na década de 1620 com Judeus portugueses oriundos da Holanda ou Pernambuco. Este grupo funda em 1629 a cidade de Thorarica/Torarica (de Torá Rica), que se tornaria na capital do território até 1667. Na beira ocidental do rio Suriname esta comunidade fundou várias plantações de açúcar.

Um segundo grupo de Judeus chegou da Inglaterra em 1652 sob os auspícios de Francis Lord Willoughby of Parham, entom governador geral das Índias Ocidentais, que conseguiu ocupar a área e estabelecer alguns colonatos permanentes. Segundo algumhas fontes Willoughby promoveu a chegada de Judeus para reforçar a economia das plantações de cana de açúcar e de tabaco.

Em 1659/60 as autoridades britânicas aceitam criaçom dumha vila judia autónoma em Cassipora abrangendo 5 hectares perto do rio Suriname. A ideia de criar este colonato é promovida por Paulo Jacomo Pinto, representante dos Judeus de Livorno em Amsterdão, com o objeto de albergar os Judeus sefarditas expulsos de Oran polos espanhóis. Embora se desconheça o local desta comunidade, o achado do seu cemitério (o mais antigo cemitério judaico da colónia) permite a sua localizaçom. A lápide mais antiga data de 1666 e conta com várias centenas de túmulos.

Em 1664 chega ao território um terceiro grupo de 200 Judeus portugueses após a sua expulsom de Pernambuco e de Caiena (Guiana Francesa), neste caso liderado por José Nunes de Fonseca, também conhecido de David Cohen Nassi, um abastado judeu português da cidade de Amsterdão. 

Este grupo, juntamente com os Judeus de Torarica e de Cassipora deslocaram-se para um novo assentamento nas margens do rio Suriname, cerca de 50 km a sul de Paramaribo, ao que chamaram de Jodensavanne (A Savana dos Judeus).


Jodensavanne. Desenho de 1830
Em 1665 os Judeus recebem importantes privilégios por parte do governo colonial inglês, desconhecidos nessa altura, tais como a liberdade de judaizarem publicamente e a permissom para construir umha sinagoga, a liberdade de propriedade da terra e de exercer o comércio, o direito a ter os seus próprios órgãos judiciários, um sistema educativo e o direito a contar com umha milícia própria.


Vestígios da sinagoga de Jodensavanne
Com o Tratado de Breda que pôs fim à segunda guerra anglo-holandesa em 1667, Essequibo-Pauroma e o Suriname som entregues à Holanda enquanto a cidade de Nova Amsterdão à Inglaterra. Os holandeses renovam o estatuto acordado aos colonos judeus polos ingleses. Esta política visa nom apenas reter a populaçom judaica, mas também a atrair outros Judeus. Os holandeses parecem estar satisfeitos dos serviços da populaçom judaica, tal como testemunha o governador Cornelis Van Aerssen quem refere: "Devo exprimir a imensa satisfaçom que tiro e continuo a tirar cada dia da diligência, do zelo, da solicitude e da honestidade dos membros da naçom judia [...], e desejaria poder dizer a quarta pare dos nossos cristãos".

Judensavane torna-se desde entom no centro da comunidade judaica da Costa Selvagem. Esta comunidade é por muitos aspetos totalmente inédita e excecional na história do povo judeu. A Savana dos Judeus constitui a mais importante povoaçom agrícola judaica do seu tempo e os seus habitantes usufruiram privilégios desconhecidos no resto de ocidente. Além disso, a comunidade sefardita contou com um governo autónomo (Mahamad).


Sob a infuência de Samuel Nassi, filho de David Cohen Nassi, Judensavane ganha autonomia, obtém umha representaçom no seio das instâncias da colónia e dota-se de navios que permitem desenvolver um comércio fluvial no rio Suriname, a principal artéria de comunicaçom da colónia.

Jodensavane tornou-se no pilar da Guiana holandesa. A populaçom da comunidade judaica passou de 232 pessoas em 1684 para 570 em 1694, que possuiam por volta de 40 plantações e 9.000 escravos. A comunidade continuou a florescer e nos inícios do século XVIII os Judeus possuiam 115 das 400 plantações da colónia. 

Em 1685 foi construída umha sinagoga (Beracha Ve Shalom). Mostra da riqueza alcançada pola comunidade judaica é o cemitério de Jodensavane. O cemitério tem aproximadamente 450 túmulos, muitos dos quais construídos com mármore importado da Europa ou com tijolos. As inscrições estám em português, espanhol, holandês e hebraico.

Cemitério judaico de Jodensavanne
Em 1712 piratas e franceses invadem a Guiana Holandesa, demandando pagamentos muito elevados. Os Judeus tiveram de pagar a maior parte deles em açúcar, dinheiro, perdendo usinas inteiras de açúcar e muitos escravos (96% da populaçom da colónia). Judensavane nunca se recuperou complemamente destes acontecimentos. 

No final do século XVIII Jodensavane é abandonada pola sua populaçom. Os conflitos incessantes com os negros marrons e a crise financeira que afeta à bolsa de Amsterdão arruinam a economia da plantaçom na que se alicerçava a subsistência desta comunidade. Além disso, para este desfecho contribuiu grandemente a reduçom do valor da cana de açúcar pola introduçom do açúcar de beterraba na Europa ou a recusa da banca a financiar a reconstruçom das plantações que foram queimadas polos escravos libertos. Estima-se que por volta do século XVIII e XIX dous terços dos Judeus da Guiana Holanesa viviam na pobreza.

Após o abandono de Jodensavane os Judeus sefarditas deslocaram-se para Paramaribo, principal cidade da colónia. Lá fundaram em 1735 umha sinagoga (Zedek ve Shalom), um teatro, umha sociedade literária em 1785 (Decando Docenur) e outras instituições que testemunham o grande dinamismo desta comunidade da diáspora.

Porém, os Judeus continuaram a retornar a Judensavane para celebrar as suas festas até 1832, altura em que um umha revolta de escravos e o fogo deu cabo da vila, incluindo a sinagoga de 147 anos. Em poucos anos a selva tragou os restos de Judensavane.

A partir de 1998 a Fundaçom Jodensavanne (JSF) promoveu inúmeros projetos e comandou várias expedições com o intuito de proteger e fomentar a herança de Jodensavanne e Cassipora, realizando trabalhos de manutençom e impedir que seja envolvido polo mato. Em 2009 o Governo de Suriname declarou Monumento Nacional a Jodensavanne e o Cemitério de Cassipora. Em 2011 implementou-se um projeto de conservaçom financiado polos Países Baixos a fim de restaurar a sinagoga e 13 túmulos do cemitério.



Judeus portugueses na Guiana Francesa

Em 1654 os Judeus portugueses expulsos do Pernambuco ocupam a regiom de Caiena onde introduzem o cultivo e exploraçom da cana de açúcar.

Em setembro de 1659 produz-se a chegada dum segundo grupo de Judeus portugueses vindos de Pernambuco a partir do acordo travado um ano antes entre David Cohen Nassi e a Companhia das Índias Ocidentais (CIO) para a criaçom dumha vila judaica em Remire-Montjoly ou Irmire, na parte ocidental da ilha de Caiena.


Em julho de 1660 produz-se a chegada dum outro grupo de mais de 150 Judeus sefarditas de Livorno (Itália). A permissom da fixaçom deste grupo e possível a partir das negociações estabelecidas entre Paulo Jacomo Pinto com as autoridades holandesas em Amsterdão.

Nesse território os Judeus tinham liberdade religiosa e podiam aceder à propriedade da terra e, destarte, desenvolver as suas próprias plantações de cana de açúcar, atividade que conheciam a partir da sua experiência em Pernambuco.

De viagem em Caiena, em 1661 o capitão Languillet encontra entre 15 e 20 famílias judias à cabeça de plantações que cultivam a cana de açúcar e o tabaco, plantam o uruco e a erva anil, bem como entre 30-40 cristãos europeus e 120 escravos. A comunidade judaica chegou mesmo a fundar umha sinagoga.

Porém, em fevereiro de 1664 produz-se umha mudança da sua situaçom quando umha frota de cinco navios franceses aporta no território com 1.200 colonos a bordo. Os franceses apossam-se facilmente do território, já que os holandeses se rendem sem combater. Apesar de os Judeus terem recebido a garantia do livre exercício da sua religiom (facto excecional e incomum nas colónias francesas), os dous terços dos Judeus de Remire-Montjoly, isto é, por volta de 300 pessoas, partem rumo para Suriname, nessa altura em mãos dos ingleses. O resto de Judeus partiram ao longo das décadas seguintes.

Em 1667 o resto da comunidade judaica foi capturada polas forças de ocupaçom britânicas e deportada para o Suriname ou Barbados para trabalhar na produçom de cana de açúcar. Assim sendo, nas pesquisas realizadas nos cadastros do Suriname encontram-se muitas famílias hebraicas vindas da Guiana, entre os quais os Nassi.


Judeus portugueses na Guiana

Os primeiros assentamentos judaicos na Guiana tiveram lugar em 1613 durante o período de ocupaçom holandesa do território.

Em 1657, um acordo entre Paulo Jacomo Pinto (em representaçom dos Judeus portugueses de Livorno/Leghorn) e Filipe de Fuentes (em nome dos refugiados judeus do Pernambuco e das cidades holandesas de Middleburgh, Flushing e Vere), permitiu a fixaçom dumha comunidade de judeus sefarditas na colónia chamada de Nova Zeelandia ou Essequibo, na altura dependente da CIO. Aos Judeus vindos de Amsterdão e de Leghorn (Livorno) sumou-se posteriormente um outro grupo de Judeus de Hamburgo e Salé (Marrocos). 

Entre 50 e 60 famílias judias estabeleceram-se na vila de New Middleburg, à beira do rio Pauroma, especializando-se nas plantações de cana sacarina e vaunilha.

Porém, em 1660 um ataque inglês deu cabo do assentamento fazendo com que os Judeus se espalhassem polo Caribe, mormente refugiando-se em Curaçao.

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