sábado, 19 de janeiro de 2013

CAPÍTULO 5: A EVOLUÇOM DA QUESTOM JUDAICA NO SÉCULO XIX

Abraham Leon

No inicio do século XIX a grande maioria dos judeus achavam-se concentrados nos países atrasados da Europa Oriental. Na altura das partilhas da Polónia havia mais de um milhom de judeus. Segundo o censo russo de 1818, a composiçom social dos judeus orientais era a seguinte:


A percentagem de artesãos e agricultores indica o início de diferenciaçom social da judaria. Embora em linhas gerais a estrutura da judaria oriental ainda nom tenha sofrido alterações significativas, continua a ser o que tinha sido durante séculos. Alguns relatórios de viagem dos soldados que participaram da campanha de Napoleom na Rússia constituem elementos importantes sobre a vida dos judeus no início do século XIX. "Muitos deles, disse von Furtenbach (1), gerem e dirigem as propriedades dos senhores e exploram as pousadas. Tudo está nas suas mãos. Eles emprestam dinheiro para os senhores e camponeses e eles vão comprar mercadorias em Leipzig”. Outro soldado francês, Puybusque, dá nas suas Cartas sobre a guerra russa informações interessantes sobre o papel dos judeus na vida económica do país:

"Eles eram os intermediários entre camponeses e senhores. Os senhores concediam-lhes as suas pousadas, forçando-os a vender nelas as bebidas feitas somente nos seus domínios. Nas festas, batismos, funerais, casamentos, os agricultores eram obrigados a comprar pelo menos um balde de aguardente. Os judeus vendiam a crédito, mas exigiam grandes juros. Eles estavam envolvidos em todas as transações comerciais do país. Eles também eram os banqueiros".

O autor refere as constantes relações comerciais que ligavam os judeus polacos com os seus irmãos na Alemanha. Eles tiram proveito da sua posiçom e som informados das corridas na bolsa de toda a Europa. (2)

O autor da "Viagem de um oficial moscovita de Trieste para Constantinopla” (1810) disse:

"Devemos chamar a Polónia com toda a justiça um reino judeu. As cidades estão habitadas principalmente por eles. Raramente há uma aldeia sem um judeu. As pousadas judaica balizam as principais estradas. Para além de algumas áreas que som administradas pelos senhores mesmos, tudo o resto está arrendado ou alugado por judeus. Eles possuem grande capital e ninguém pode fazer sem a sua ajuda. Apenas alguns poucos senhores muito ricos nom estão envididados até o pescoço com os judeus (3)
.
"Os judeus nas aldeias”, escreveu Kamanin no "Arquivo da Rússia meridional e ocidental”, limitam-se a arrendar os moinhos, as casas de bebidas e as pousadas. Nom há quase nenhuma aldeia sem o seu "arrecadador" judeu. Tanto assim que os censos muitas vezes confundem o conceito de "arrecadador" com o de judeu e ligam a profissom à nacionalidade ou à religiom. Em vez de escrever "nom há judeu na aldeia", escreve-se: "Nom há nenhum arrecadador na aldeia". (4)

Mas pensando na descriçom do presente, estes autores apenas ilustram o passado. A situaçom secular da judaria na Europa Oriental foi conduzida de forma muito lenta de fato, no curso da economia capitalista. Antes mesmo de substituir o antigo, o novo regime quebrou-no. O declínio do feudalismo precedeu a sua substituiçom por novas formas capitalistas.

"Enquanto o crescimento numérico do judaísmo exigia novas possibilidades de existência, as antigas posições económicas abalaram na sua base. Os judeus, adaptados durante séculos à economia natural, sentiu o chão mudando sob os seus pés. Eles tiveram durante muito tempo o monopólio do comércio. O processo de capitalizaçom da Rússia e da Polónia agora leva os proprietários a se ocupar eles próprios em vários ramos de produçom e a expulsar deles os judeus. Apenas uma pequena parte dos judeus ricos pode achar nesta situaçom um novo campo de atividade favorável". (5)

Mas a grande maioria dos judeus, composta por lojistas, estalajadeiros e vendedores ambulantes sofreu muito com o novo estado de coisas. Os antigos centros comerciais feudais enfraqueciam. As novas cidades industriais e comerciais substituiram as pequenas cidades e feiras. A burguesia indígena começou a se desenvolver.

A situaçom económica das massas judaicas tornou-se tão crítica, mesmo antes da partilha da Polónia, que as questões da transformaçom da estrutura social dos judeus e da sua emigraçom surgiram de si mesmos (6). A emigraçom só podia ocorrer nessa altura que dentro das fronteiras dos estados que tinham partilhado Polónia. As massas judaicas tentavam deixar as regiões decadentes e mais atrasadas do antigo reino nobiliário cujas possibilidades de existência eram cada vez mais reduzidas para encontrar novas ocupações nas áreas mais desenvolvidas dos Impérios herdeiros da Polónia. Já em 1776 e 1778 algumas comunidades judaicas polacas pediram ao governo russo a permissom de imigrar para a Rússia.

"No início do século XIX uma grande vaga de emigraçom dirige-se da antiga Polónia para a Rússia”.(7)

Aconteceu o mesmo nas áreas anexadas pela Prússia e Áustria. Os judeus dirigiam-se para Berlim, para Viena, para todos os centros onde batia a pulsaçom de uma nova economia, onde o comércio e a indústria ofereciam-lhes grandes oportunidades.

"A emigraçom judaica a partir da Podolia, Volínia, Bielo-rússia e da Lituânia para a Rússia; a dos judeus da Posnánia e da Polónia para a Inglaterra e mesmo na América, tudo isto demonstra que os judeus da Europa Oriental procuraram países de imigraçom já no início do século XIX. " (8)

Este desejo de emigrar foi acompanhado de tentativas de tornar os judeus "cidadãos úteis", de os adaptar à nova situaçom como artesãos e agricultores. O "Grande Sejm" polaco de 1784-1788 já tinha na agenda a questom da "produtivizaçom" dos judeus (9). Todos os governos que herdaram parte da judaria polaca consideravam a sua estrutura social como uma anomalia. Tentou-se transformar os judeus em trabalhadores de fábrica. Concederam-se bónus aos artesãos que dessem ocupaçom aos aprendizes judeus e a estes últimos. (10)

Milhares de judeus foram também instalados como colonos nalgumas regiões da Rússia (11). Estas aldeias, apesar das grandes dificuldades no início, no entanto, forom capazes de se adaptar a longo prazo.

"Dois processos caracterizamm o desenvolvimento do povo judeu durante o século passado: o processo de emigraçom e o processo de diferenciaçom social. A decadência do sistema feudal e da propriedade de escravos, paralelamente ao crescimento do capitalismo, criaram novas fontes de sustento, mas destruiram, numa medida muito maior, as posições intermediarias nas que viveu a maior parte do povo judeu. Estes processos levaram as massas judaicas para mudar os seus locais de residência, o seu aspeto social, empurrando-os a procurar um novo lugar no mundo e uma nova ocupaçom na sociedade ". (12)

No início do século XIX, o processo de "produtivizaçom" está ainda nos seus primórdios. Por um lado, o declínio da economia feudal continua muito lentamente e os judeus ainda podem-se manter por mais tempo as suas antigas posições, por outro lado, o desenvolvimento do capitalismo ainda reveste formas bastante primitivas e um grande número de judeus acham um vasto leque de ocupações no comércio e no artesanato (13). Eles desempenharam um papel de intermediários comerciais muito ativos na jovem indústria capitalista e contribuíram para a capitalizaçom da agricultura.

Em geral, pode-se considerar que até o final do século XIX efetua-se a penetraçom dos judeus na sociedade capitalista. No final do século XIX, porém, massas consideráveis de judeus foram forçados a deixar a Europa Oriental.

A média anual de imigraçom judaica
• de 1830-1870, de 4-5000
• de 1871-1880, de 8- 10.000
• de 1881-1900, de 50 - 60.000
• de 1901-1914, de 150 - 160.000

Durante o primeiro período que vai até 1880, tem havido sobretudo uma emigraçom interna se dirige para as grandes cidades. De 1830 a 1880, quando a migraçom anual nom é superior a 7.000, o povo judeu passou de 3.281.000 para 7.763.000 pessoas. Este considerável aumento natural foi, portanto, absorvido em grande parte no interior dos países habitados por judeus. Que mudança extraordinária a partir de 1881 e especialmente após 1901, quando a emigraçom judaica alcançou a cifra verdadeiramente impressionante de 150.000 a 160.000 por ano. O que provoca essa mudança?

O processo de capitalizaçom da economia russa foi acelerado pela reforma de 1863. A agricultura começou a produzir cada vez mais para o mercado. As ligações da servidom e as restrições feudais foram relaxadas, a diferenciaçom social progrediu rapidamente nas aldeias. Uma parte do camponesado transformam-se em agricultores abastados enquanto outra parte se proletariza.. A capitalizaçom da agricultura teve o efeito de abrir um grande mercado interior para os meios de produçom (máquinas, etc.) e para os bens de consumo.

A produçom capitalista agrícola significa, com efeito:
1. A divisom do trabalho no seio da agricultura devido à especializaçom dos seus ramos.
2. Uma demanda crescente de produtos fabricados pelos camponeses ricos e pelas massas proletarizadas, que tem apenas os seus braços para viver e que deve comprar o seu alimento.
3. A produçom agrícola voltada para o mercado precisa o uso cada vez maior de máquinas, o que desenvolve a industria dos meios de produçom.
4. O incremento da produçom dos meios de produçom leva a um aumento contínuo das massas proletárias nas cidades, que também ajuda a expandir o mercado de meios de consumo.

Estas vastas possibilidades do mercado interior ofereceram uma oportunidade para as massas judias se afastarem das suas antigas posições económicas e a sua integraçom na economia capitalista. As oficinas e as pequenas indústrias tomaram uma grande extensom.

Enquanto o ferreiro ou o camponês nom judeu achou o acesso à fábrica ou à mina, as massas proletárias judaicas integraram-se nas pequenas indústrias produtoras de bens de consumo (14).

Mas há uma diferença essencial entre a transformaçom do camponês ou do ferreiro em operário metalúrgico e a transformaçom do comerciante judeu em artesão ou em operário alfaiate. O desenvolvimento capitalista dos ramos da indústria pesada é acompanhado por uma mudança nas condições materiais da produçom. Nom só o meio de produçom muda de destino, mas também muda de forma. A ferramenta primitava torna-se na maquinaria moderna e sofisticada. Nom se passa o mesmo com o meio de consumo. Se produzida para uso próprio, para o mercado local ou no mercado global, a roupa nom muda de aparência e pouco muda o equipamento para a produzir. Nom se passa o mesmo com a ferramenta que se transforma numa máquina cada vez mais sofisticada e que precisa investimentos de capital cada vez mais consideráveis.

O fabrico de máquinas exige desde o início grandes capitais. Isto explica-se principalmente ao início pela duraçom do período de trabalho.

"Seguindo a duraçom mais ou menos longa do período de trabalho (sequência initerrompida de dias de trabalho necessários num determinado ramo para fornecer um produto acabado) requerido pelo produto ou o efeito útil a obtençom, é precisa uma despesa adicional e continuada de capital circulante (salários, matérias-primas e auxiliares) " (15)

É por isso que desde o início, a produçom dos meios de produçom ocorre sob a forma capitalista da grande empresa, enquanto a produçom dos meios de consumo pode continuar a se realizar nas mesmas oficinas artesanais de antes.

Foi só mais tarde que a grande fábrica repele também neste último domínio a oficina e os méodos de trabalho obsoletos. Isto ocorre em conseqüência das invenções das máquinas de trabalho avançadas que se impõem também no setor dos meios de consumo. Portanto, é o crescimento do capital fixo que desempenha um papel preponderante (16). Desta forma som levantadas as condições de produçom nos dois principais setores da economia.

"O fato de que o a máquina de vapor transfere o seu valor, fragmentado, a cada dia ao produto de um trabalho descontínuo, ou durante três meses para o produto de um ato de produçom contínua, a locomotiva nom muda absolutamente nada de antemão do capital necessário para comprar uma máquina de vapor ... Em ambos os casos, a máquina de vapor renova-se talvez em vinte anos. " (17)

A libertaçom dos camponeses na Rússia, tinha criado um grande mercado para produtos manufaturados. Em vez da economia, ainda em grande parte feudal, instala-se a produçom de valores de troca. A Rússia começa a se tornar o celeiro da Europa. As cidades, centros do comércio e da indústria desenvolvem-se rapidamente. Os judeus deixam em massa as pequenas cidades para se instalar nas grandes áreas urbanas onde contribuem significativamente para o desenvolvimento do comércio e da indústria artesanal dos meios de consumo. Em 1900, dentre as 21 grandes cidades da Polónia, os judeus eram a maioria em 11. A imigraçom dos judeus nas grandes cidades viu-se acompanhada duma diferenciaçom social que abalou os alicerces tradicionais do judaismo.

Mas o desenvolvimento do setor de insumos leva a uma mecanizaçom da agricultura e da indústria leve. As máquinas começaram a competir ferozmente com as pequenas oficinas de artesãos judeus. No final do século passado, uma grande massa operários nom judeus emigra para as grandes cidades onde o ritmo de aumento do da populaçom judaica diminui e até mesmo experimenta uma parada completa (18). As indústrias artesanais judaicas desenvolvidas pela expansom do mercado interior sucumbem em grande parte por causa da mecanizaçom e modernizaçom da indústria.

Foi difícil para o artesão judeu para competir com as massas camponesas que chegavam do campo, com um padrom de vida muito baixo, e desde sempre acostumadas ao duro trabalho físico. Claro que, nalguns lugares, os trabalhadores judeus superam todas as dificuldades e também encontraram lugar nas indústrias mecanizadas. Porém, em grande parte no final do século XIX e início do século XX tiveram de tomar o caminho do exílio . O processo de transformaçom do comerciante pré-capitalista judeu em operário artesanal cruzou-se com outro processo, o da eliminaçom do operário judeu pela máquina (19). Este processo é o primeiro em influir. As massas judaicas repelidas das pequenas cidades nom se podem proletarizar e som empurradas à emigraçom. Isso explica em grande parte o formidável aumento da emigraçom judaica no final do século XIX e no início do século XX. Enquanto a dissoluçom da antiga economia feudal e a criaçom do mercado interno teve um efeito semelhante sobre as massas judias e nom judias, a mecanizaçom e a concentraçom industrial causaram resultados opostos. De lá vem também algumas tendências diferentes da emigraçom judaica e da emigraçom em geral. A emigraçom judaica é relativamente seródia e vai aumentando, enquanto é frequentemente o caso oposto para a emigraçom geral. Por exemplo, na Alemanha, a migraçom anual, que variou entre 100 e 200.000 pessoas entre 1880 e 1892, nom excede os 20.000 no início do século XX. Esta forte queda na emigraçom alemão explica-se pelo enorme desenvolvimento económico da Alemanha naquela época.

O fenómeno da eliminaçom dos judeus da indústria leva-nos naturalmente a falar do proletariado judeu.

O confinamento da classe trabalhadora judaica nas indústrias de consumo é, sem dúvida, um dos fenómenos mais marcantes da estrutura económica e social do povo judeu. O fato de que um pequeno número de trabalhadores judeus som empregados nas fases iniciais da produçom industrial, enquanto a sua percentagem na sua fase final é enorme, caracteriza de forma marcante a chamada anomalia judaica. Esta base económica do proletariado judeu é nom só fraca em si mesma, também se reduz continuamente através do desenvolvimento técnico. Os operários judeus nom só sofrem todos os inconvenientes inerentes à indústria artesanal, nomeadamente de fraqueza social, da ocupaçom sazonal, do aumento da exploraçom e das péssimas condições de trabalho, mas eles som repelidos cada vez mais das suas posições económicas.

A economia capitalista caracteriza-se pelo crescimento continuado do capital constante em detrimento do capital variável, quer dizer, pelo aumento do capital constituído pelos meios de produçom e a diminuiçom da importância do capital dedicado a pagar força de trabalho. Esse processo económico produz os conhecidos fenómenos da eliminaçom do trabalhador pela máquina, a aniquilaçom da oficina artesanal pela planta de produçom e pela diminuiçom do peso específico da parte da classe produtora de bens de consumo em benefício da parte envolvida no fabrico dos meios de produçom.

A economia oficial caracteriza assim este processo:

"A única coisa certa -e isso é muito importante- é que a evoluçom económica dos 100 ou 150 últimos anos se orientou no sentido de aumentar a importância relativa do capital fixo e da diminuiçom da importância relativa do capital circulante. "(20)

Quanto mais primitivo for o homem, mais peso terá o trabalho que lhe permita satisfazer as suas necessidades imediatas. Ao contrário, quanto mais progredir a humanidade, mais se voltará a sua atençom antes de mais para a ferramenta, depois para a máquina que multiplica prodigiosamente o seu poder produtivo. Antes de mais a ferramente é o apêndice do homem, depois o homem torna-se o apêndice da ferramenta.

A recordaçom de um desenvolvimento económico suficientemente conhecido só tende a enfatizar a importância decisiva da situaçom específica da classe trabalhadora judaica e permite-nos passar imediatamente ao nosso assunto. A pergunta que surge imediatamente e nom tem atraído a atençom até agora é encontrar a causa ou as causas históricas desta situaçom.

No estudo substancial da economia judaica no início do século XIX empreendido por Lesczinski no seu livro "O povo judeu ao longo dos últimos cem anos”, ele escreve o seguinte sobre a composiçom profissional dos artesãos judeus e nom judeus desta época:

"Umha olhada superficial a esta estatística comparada é suficiente para notar que nas mãos dos artesãos judeus achavam-se os ofícios que eram menos propensos a mudar para a produçom de manufaturas, enquanto ao contrário precisamente, as profissões mais adaptadas a esta transformaçom espalharam-se entre os artesãos nom judeus. Na Galícia os nom judeus eram 99,6% dos serralheiros, 99,2% dos tecelões, 98,2% dos ferreiros, 98,1% dos fiadores (enquanto, em contrapartida, 94,3% dos alfaiates e 78% dos peleiros eram judeus). Essas quatro empresas foram o fundamento do trabalho sobre o qual foram construídas mais tarde as indústrias têxteis e metalúrgicas”.
"Sem estes trabalhadores qualificados que a grande produçom herdou do artesanato, o nascimento dessas indústrias teria sido impossível... Neste fato histórico reside talvez a principal causa da baixa penetraçom de judeus na indústria moderna. Era natural que os primeiros quadros de trabalhadores nas fábricas têxteis e metalúrgicas foram compostos exclusivamente por nom-judeus. E essas massas compatas de trabalhadores nom judeus certamente tinham uma forma de atraçom natural das populações nom-judeus que estavam mais próximas do ponto de vista religioso, nacional, psicológico enquanto, ao contrário, rejeitaram as massas judias que erão totalmente alheias em todos os aspetos. " (21)

A explicaçom do Lesczinski ajuda a esclarecer o problema que nos ocupa e mostra-nos a causa primeira e imediata da estrutura profissional específica da classe trabalhadora judaica. Mas, por sua vez, coloca-nos perante um novo problema, ou melhor, leva o antigo para uma escala diferente. Se vemos claramente agora no atual operário judaico o descendente do artesão do século XVIII, ainda assim, caberia encontrar a explicaçom da composiçom profissional diferentes de artesãos judeus e nom judeus na época. Porque estes últimos eram principalmente alfaiates e os artesão nom judeus ferreiros? Por que estes estavam principalmente representados em profissões relacionadas com a produçom, e os primeiros confinado no vestuário, produzindo portanto para o consumo? Colocar assim a questom, está praticamente resolvida.

A economia natural que prevaleceu na Europa Oriental na época caracterizava-se pela produçom quase exclusiva de valores de uso e implicava a ausência quase total da divisom do trabalho em ofícios.

Cada família era autosuficiente ou produzia tudo aquilo necessário para satisfazer as suas necessidades. Eis como Vandervelde descreveu esta situaçom:

"Cada família é autosuficiente (ou quase), ela aloja-se na su casinha de madeira procedente da floresta próxima e fornece-se, in situ, de palha e barro. Aquece-se exclusivamente e principalmente com turfa, urze, tojo e de madeira morta recolhidos nas imediações. Ela fia, tece, transforma em roupa o linho ou cânhamo da sua colheita, alimenta-se com o seu trigo, batatas, legumes, coze o seu pão, fez o seu próprio vinho ou cerveja, seca o seu próprio tabaco, troca os seus ovos ou manteiga contras os escassos bens que compra no exterior: velas, óleo, produtos de luxo, de ferro. Em suma, produz quase tudo o que consome e consome tudo o que produz, vendendo apenas o mínimo necessário para lidar com as depesas de dinheiro muito limitadas". (22)

Pode-se dizer o mesmo do domínio feudal.

É fácil perceber que se um tal sistema económico nom exclui absolutamente nenhuma especializaçom profissional, os poucos empregos que estão lá devem ser os produtos de circunstâncias muito excecionais.

"Devemos considerar os trabalhos de ferreiro e do oleiro como os primeiros a se estabelecerem como profissões especiais porque eles exigem, desde o início, mais habilidade e ferramentas especiais para o trabalho. Mesmo entre os povos nómades, os artesãos especiais dedicam-se ao ofício do ferro. " (23)

Por isso é fácil compreender que mesmo em tempos de economia natural, os ofícios de ferreiro e de tecedor (24) espalharam-se pelas aldeias e abundavam nas cidades que, na Europa Oriental, eram quase exclusivamente centros militares e administrativos.

"Na Galícia, Bucovina, em muitas partes da Hungria, Romênia e na Transilvânia, como nas populações jugoslavas, os únicos artesãos que existiam erão os ferreiros".(25)

O artesanato nom judeu na Europa Oriental foi, assim, o produto das causas particulares que numa sociedade baseada na economia natural (nom cambista), no entanto, exige a troca de serviços.

Tudo o resto foi o ponto de partida de artesanato judaico. Ele nasceu nas condições específicas da pequena cidade judaica e produzia para ela.

E quem diz a pequena cidade judaica no século XVIII, diz aglomeraçom de pequenos comerciantes, hoteleiros, banqueiros e intermediários de todo tipo. (26)

O artesão judeu nom travalhava para os camponeses produtores, mas para os comerciantes e os banqueiros intermediarios. Nisto acha-se a causa essencial da estrutura profissional específica do proletariado judeu e dos seus antepassados, o artesão judeu. O artesão nom-judeu nom produz para o camponês os bens de consumo porque, como vimos, este é autosuficiente.

Ao contrário da ocupaçom principal do artesão judeu, a sua clientela é composta de homens dedicados ao comércio de dinheiro e de mercadorias, e, portanto, nom aos produtores. Se perto do camponês se acha o artesão ferreiro nom judeu; perto do homem de dinheiro, acha-se o alfaiate judeu. (27)

A diferença profissional que existe entre os artesãos e nom judeus procede, portanto, em última instância, da diferença na sua esfera de atividade.

Escusado será dizer que esta explicaçom é necessariamente esquemática e, como qualquer esquema, permite-nos compreender os fenómenos na sua generalidade, mas nom pode mostrar exatamente a diversidade da vida real. Mas querer refletir esta última com precisom e em pormenor, significa tornar difícil por sua vez o entendimento geral do processo em curso. Além disso, a sociologia está obrigada a fazer um circuito completo e contínuo: da realidade ao esquema teórico e vice-versa. Aqueles que o acusam a este último de nom ser capaz de refletir toda a diversidade da vida, nom perceberam exatamente esta interdependência dialética.

Pode-se notar também que a luta que eclode em determinados momentos entre os artesãos, os judeus e nom judeus parece ter sido causada pela invasom de alguns dos artesãos na esfera de atividade do outro e nom deve ser atribuída a uma suposta concorrência nacional simplesmente inconcebível no feudalismo, pois é anterior à formaçom das nações.

"O sentimento nacional é desconhecido na sociedade fragmentada da Idade Média. " (28)

Por exemplo, poderíamos citar este trecho de uma crónica antiga de Praga, a Ramschackie Chronik de 1491:
"Era proibido aos judeus fazer trabalhos para os cristãos, mas eles tiveram todas as oportunidades de trabalhar para clientes judeus. "

O conselho da cidade de Praga também queixa-se nesa mesma altura:
"Que os judeus que nom têm em conta os privilégios antigos e preceitos sob os quais eles foram proibidos de trabalhar para os cristãos. "

Em Poznan, disse Graetz, foi permitido aos judeus para ocupar-se de alguns ofícios, como alfaiate, mas apenas para satisfazer as suas próprias necessidades e nom para os cristãos.

Acho que deste jeito temos remontado toda a cadeia causal que conduz à atual estrutura económica do proletariado judeu nas suas origens. É abrangente na medida em que nos conduz a um problema social de uma forma mais geral e que já foi examinada: a da funçom social e económica dos judeus na época pré-capitalista.
NOTAS

(1) F. von Furtenbach, Krieg gegen Russland und russiche Gefangenschaft, Nuremberg e Leipzig, 1912
(2) L.-G. de Puybusque, Lettres sur la guerre de Russie, Paris, 1816, p 179-81.
(3) Citado por Wolff Doubnov em Zu der ökonomischer Geschichte von der Juden in Russland, p. 576
(4) I. M. Kamanin, Arquivo da Rússia meridional e ocidental, citado por J. Lesczinski, O povo judeu durante os últimos cem anos...
(5) S. B. Weinryb, Neueste Wirtschaftsgeschichte der Juden in Russland und Polen, Breslau, 1934, p. 17.
(6) Lesczinski, op. cit.
(7) Lesczinski, op. cit.
(8) Lesczinski, op. cit.
(9) Idem.
(10) Idem.
(11) O czar Alexandre I encoraja a “colonizaçom judaica” na Rússia.
(12) Lesczinski
(13) Significativa é a luta entre a haskala (movimento de emancipaçom) e a ortodoxia. Esta oposiçom entre os que querem mudar tanto a vida económica do judaismo como a sua vida cultural e a conservaçom das antigas tradições, reflete o antagonismo entre a nova burguesia judaica que se aproveita do desenvolvimento capitalista e que tende à assimilaçom completa e as antigas camadas feudais ligadas ao seu antigo modo de existência. Esta luta prossegue-se durante todo o século XIX para conduzir à derrota dos assimilacionistas. Esta derrota é causada menos pola solidez das antigas formas económicas quanto pola fragilidade das novas.
(14) Ver mais longe.
(15) Karl Marx, Le Capital, livro II (ed. al., Berlim, 1953, p. 228; trad. fr., Le Capital, vol. 4, Paris, Ed. sociais, 1952, p. 214).
(16) A longa persistência do sistema de trabalho a domicílio tem a sua base na fraqueza do capital fixo que precisa. Max Weber, Wirtschaftsgeschichte, p. 146.
(17) Karl Marx, Le Capital, livro II (ed. al., p. 227; trad. fr., p. 213).
(18) No século XIX, o aumento da populaçom judaica nas cidades da Polónia era superior à da populaçom nom judia. Na altura do último século, na época em que se criou a grande indústria e na que as grandes massas nom judaicas emigraram para as cidades, o ritmo de aumento da populaçom judaica desacelera-se e, nalguns lugares, o movimento experimenta umha interrupçom completa.. La situation économique des Juifs dans le monde, Paris, Congresso judeu mundial, 1938, p. 215.
(19) Um fenómeno semelhante produz-se também no âmbito rural. « Nos lugares de maior desenvolviento do capitalismo agrário, o processo de introduçom do trabalho assalariado cresce outro processo, notamente o da eliminaçom do trabalho assalariado pola máquina. » Lenine, Le développement du capitalisme en Russie, trad. fr., Moscou-Paris, s.d., p. 248.
(20) M. Ansiaux, Traité d'économie politique..
(21) Lesczinski, op. cit..
(22) E. Vandervelde, L'exode rural et le retour aux champs,1903.
(23) A. Mendes, L'artisanat chez les Juifs aux temps bibliques.
(24) O ofício de tecedor, como o de ferreiro, exige umha formaçom profissional especial da economia doméstica. O tecedor, na época feudal, é um ser que, para exercer o seu ofício, vai de lar em lar, de cidade em cidade.
(25) M. Ansiaux, Traité d'économie politique..
(26) Todos os judeus nom viviam nas pequenas cidades, mas o seu papel social nas grandes cidades ou nas vilas era o mesmo que nas pequenas vilas. Esta última, polo seu aspeto específico, caracterizava melhor este papel social. Segundo um recenseamento do governo em 1818, na Ucrânia e na Bielo-rússia: 86,2% dos judeus eram comerciantes, 11,6% eram artesãos, 1,9% eram agricultores. Na Galicia, em 1820, 81% dos comerciantes eram judeus..
(27) Alguns ofícios, tais como o de ourive, próximos ao comércio, também eram amiúde exercidor por judeus.
(28) Henri Pirenne, Les anciennes démocraties des Pays-Bas.

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