quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

CAPÍTULO 4: OS JUDEUS NA EUROPA OCIDENTAL E ORIENTAL

Abraham Leon


A) Os judeus na Europa Ocidental após a Renascença. A tese de Sombart

A descoberta do novo mundo e o enorme fluxo de comércio que se seguiram, fez soar o dobre de finados do antigo mundo feudal corporativo. A economia de mercado chegou a um estágio superior, quebrando os resíduos de períodos anteriores e prepara, pelo desenvolvimento das manufaturas e da indústria rural, as bases do capitalismo industrial. O lugar dos velhos centros da indústria corporativa e do comércio medieval caiu em decadência e foi tomado por Antuérpia, que se tornou por um tempo no centro comercial do mundo.

Em toda parte, embora em momentos e em diferentes formas, o declínio da economia produtora de valores de uso foi acompanhada pelo declínio da funçom económica e social dos judeus. Uma parte importante dos judeus foi forçada a deixar o país da Europa Ocidental a buscar refúgio em países onde o capitalismo ainda nom tinha penetrado, especialmente na Europa Oriental e na Turquia. Outros som assimilados, fundindo-se na populaçom cristã. Essa assimilaçom nem sempre foi fácil. As tradições religiosas têm sobrevivido à situaçom social em que tinha sido formada. Durante séculos, a Inquisiçom lutou duramente e com barbárie contra as tradições judaicas que se mantinham nas massas convertidas.

Os judeus que se integram na classe comerciante ganharam alguma notoriedade como "cristãos novos", especialmente na América e também em Bordéus e em Antuérpia. Ainda assim, na primeira metade do século XVII, todas as grandes plantações de açúcar estavam nas mãos dos judeus no Brasil. Pelo decreto de 2 de março de 1768, todos os registos de novos cristãos som destruídos pela lei de 24 de março de 1773, os "cristãos novos" som iguais em direitos aos cristãos velhos.

Em 1730, os judeus 115 das 344 plantações do Suriname. Mas, diferentemente de períodos anteriores, a atividade dos judeus na América careciam duma particularidade económica e nom diferiram em nada das atividades dos cristãos. O comerciante “novo cristão" pouco diferia do comerciante "velho cristão". Ele era, como o judeu, dono da plantaçom. E é por isso que as distinções legais, religiosas e políticas rapidamente desapareceram.

No século XIX os judeus da América do Sul eram mais do que um punhado (1). A assimilaçom dos judeus continuou com a mesma rapidez na França e na Inglaterra. Os ricos comerciantes judeus de Bordéus, dos que se dizia que que "tomaram ruas inteiras e faziam um comércio considerável”, consideravam-se totalmente integrados à populaçom cristã.

"Aqueles que conhecem os judeus portugueses da França, Holanda, Inglaterra, sabem que, longe de ter, como diz Voltaire, um ódio invencível a todos os povos com os que vivem, pelo contrário, eles sentem-se tão identificados esses povos que se consideram como pertencendo a eles. A sua origem espanhola ou portuguesa tornou-se uma pura disciplina eclesiástica”.(2)

Os judeus assimilados do Ocidente nom reconhecem qualquer parentesco com os judeus que ainda vivem nas condições de vida feudal.

"Um judeu de Londres assemelha-se tão pouco a um judeu de Constantinopla que este a um chinês mandarim. Um judeu de Bordéus e um judeu alemão de Metz parecem duas coisas totalmente diferentes. "
"O Sr. Voltaire nom pode ignorar a delicadeza escrupulosa dos judeus portugueses e espanhóis a nom se misturar com o casamento, aliança ou de outro jeito com os judeus de outras nações. " (3)

Além dos judeus espanhóis, franceses, neerlandeses e ingleses cuja completa assimilaçom continua lenta e seguramente, ainda achamos na Europa Ocidental, principalmente na Itália e a Alemanha, judeus que vivem em guetos, principalmente desenvolvendo o papel de pequenos usurários e vendedores ambulantes. É uma lamentável relíquia da antiga classe comerciante judaica. Eles som difamados, perseguidos e sujeitos a inúmeras restrições.

Baseando-se particularmente no papel económico muito importante desempenhado pela primeira categoria de judeus Sombart apresentou a sua famosa tese sobre "os judeus e a vida económica". É assim que se resume:

"Os judeus promovem o desenvolvimento económico de países e cidades onde se estabelecem, levando ao declínio económico dos países e cidades que abandonam”.
“Eles som os fundadores do capitalismo moderno. "
"Nom haveria capitalismo moderno, nem cultura moderna sem a dispersom dos judeus nos países do Norte. "
"A marcha de Israel é comparável à do Sol, onde ela chega floresce uma nova vida. Tudo que florescia antes, apodrece nos lugares que abandonaram”. (4)

Assim, poeticamente, como Sombart apresenta sua tese. Eis as provas de apoio:
1. "O grande acontecimento mundial que ante tudo é preciso lembrar é a expulsom dos judeus de Espanha e Portugal (1492, 1495 e 1497). Nom devemos nunca esquecer que na véspera da partida de Colombo de Palos "para descobrir a América", como se diz (3 de agosto de 1492), 300.000 judeus saíram da Espanha. "
2. No século XV, os judeus foram expulsos das cidades comerciais mais importantes da Alemanha: Colónia (1424-25), Augsburgo (1439-40), Estrasburgo (1438), Erfurt (1458), Nuremberg (1448), Ulm (1499), Ratisbona (1519). No século XVI, a mesma sorte bate em muitas cidades italianas, sendo expulsos em 1492 da Sicília, em 1540-1541 de Nápoles e em 1550 de Génova e de Veneza. Aqui também o declínio das cidades coincide com a saída dos judeus.
3. O desenvolvimento económico da Holanda a finais do século XVI caracteriza-se pela ascensom do capitalismo. Os primeiros marranos portugueses estabelecem-se em Amsterdão em 1597.
4. O breve florescimento de Antuérpia como centro de comércio mundial e como bolsa mundial cai exatamente entre a chegada e a partida dos marranos.

Estas provas-chave da tese sombartienne som facilmente refutáveis.

É um absurdo:

1) Ver na partida simultânea de Crostóvão Colombo para “a descoberta da América" e a expulsom dos judeus de Espanha uma prova da decadência do país que deixaram.
"Nom só a Espanha e Portugal nom caiu em decadência no século XVI, sob Carlos V e Manuel, mas atingiu o auge da sua história. Mesmo no início do reinado de Filipe II, a Espanha é ainda a maior potência da Europa e as riquezas do México e do Peru que som transportados som incomensuráveis. " (5)

Esta primeira prova de Sombart é baseada numa mentira descarada.

1) Além disso, os dados que dispõe sobre a distribuiçom de refugiados judeus de Espanha, ajudam a demolir a sua tese. Segundo ele, cerca de 165.000 expulsos, 122.000 ou 72% migraram para a Turquia e países muçulmanos. É portanto lá que o "espírito capitalista" dos judeus teria produzido os maiores efeitos. Cabe acrescentar que, mesmo se se pode falar de um certo desenvolvimento económico do Império Turco sob Suleiman o Magnífico, o país permaneceu até tempos recentes o menos acessível ao capitalismo e que, portanto, os raios do sol mostram-se lá ... muito frios? É verdade que um número considerável de judeus (25.000) estabeleceu-se na Holanda, Hamburgo e na Inglaterra, mas podemos admitir que as mesmas causas produziram efeitos diametralmente opostos?

2) A coincidência que Sombart estabelece entre o declínio das cidades alemãs é facilmente explicada por uma inversom da relaçom causal. A ruína destas cidades nom foi provocada pelas medidas tomadas contra os judeus, ao contrário, estas medidas foram o efeito do declínio dessas cidades. Por outro lado, a prosperidade de outras cidades nom foi o resultado da imigraçom judaica, mas esta última dirige-se para as cidades prósperas.

"É óbvio que a relaçom de causa e efeito é contrária à de Sombart. " (6)

O estudo do papel económico dos judeus na Itália e na Alemanha no final do século XV e XVI confirma plenamente essa opiniom. É claro que os Montes de Piedade, os negócios dos usurários judeus eram toleráveis enquanto a situaçom económica das cidades foi relativamente boa. O agravamento da situaçom fez a carga da usura insustentável e a ira da populaçom dirige-se principalmente contra os judeus.

3) O exemplo da Holanda nom invalida, é verdade, a tese de Sombart, mas tampouco a confirma. Se se admite que a sua prosperidade foi favorecida pela chegada dos marranos, nada ainda nos permite ver nisso a causa da sua chegada. E como explicar, com base nesse critério, o declínio da Holanda no século XVIII? Parece também que exagera o papel económico dos judeus na Holanda. Sobre a Companhia das Índias Orientais Holandesa, cuja importância para a prosperidade da Holanda foi decisiva Sayous disse:
"Os judeus nom tiveram em todo o caso nenhum papel na formaçom da primeira sociedade anónima verdadeiramente moderna: a Companhia holandesa das Índias Orientais; eles apenas subscreveram 1% do seu capital e nom têm desempenhado um papel importante na sua atividade durante o ano seguinte. "

Cabe continuar? Cabe demonstrar o desenvolvimento económico da Inglaterra precisamente no período após a expulsom dos judeus?

"Se a relaçom causal estabelecida por Sombart fosse verdade, porque na Rússia e na Polónia, onde o povo meridional do deserto era numeroso, a sua influência sobre os povos do norte nom tem produzido nenhum desenvolvimento económico? .(7)

A teoría de Sombart é completamente falsa (8). Sombart afirma tratar do papel económico dos judeus, mas ele fez uma história completamente fantasiosa, organizando-a à sua maneira. Sombart apresenta uma tese sobre os judeus e a vida económica em geral, mas só trata de um período muito limitado de sua história.

Sombart construiu uma teoria sobre os judeus em geral e a vida económica, mas trata-se apenas de uma minoria de judeus ocidentais, dos judeus no processo de assimilaçom completa.

Na realidade, mesmo que o papel dos judeus ocidentais têm sido como Sombart apresenta, ele tomou em desrespeito a compreensom da questom judaica no momento presente. Sem o influxo de judeus orientais na Europa Ocidental no século XIX, os judeus ocidentais teriam-se derretido completamente há muito tempo no meio ambiente. (9)

Outra nota sobre a teoria da Sombart: se os judeus foram um benefício económico, se a sua partida causou o colapso económico de cidades e os países que eles deixaram, porque eles continuaram a ser perseguidos continuadamente no final da Idade Média? Explicam-se essas perseguições pela religiom? Mas entom, por que a posiçom dos judeus tinha sido tão forte na Europa Ocidental durante a alta Idade Média e na Europa Oriental até o século XIX? O que explica a prosperidade dos judeus durante muitos séculos nos países mais atrasados da Europa, na Polónia e na Lituânia? A poderosa proteçom concedida pelos reis? Explicar a diferença na situaçom dos judeus pela diferente intensidade do fanatismo religioso? Mas como admitir que o fanatismo religioso tivesse sido mais intenso nos países mais desenvolvidos? Como explicar que seja precisamente no século XIX quando o anti-semitismo esteja a crescer mais fortemente na Polónia?

Trata-se, portanto, de procurar as causas da diferença que existe na intensidade do fanatismo religioso. E isto leva-nos a estudar os fenómenos económicos. A religiom explica a perseguiçom anti-judaica como o sono soporífero explica os sonhos. Se os judeus tivessem realmente desempenhado o papel que Sombart lhes atribui, seria difícil entender por que o desenvolvimento do capitalismo lhes resultou tão funesto. (10)

Por conseguinte, é errado ver os judeus os fundadores do capitalismo moderno. Os judeus têm certamente contribuído para o desenvolvimento do intercâmbio económico na Europa, mas o seu papel económico específico pára justamente onde o capitalismo moderno começa.

B) Os judeus na Europa Oriental até o século XIX

No alvorecer do desenvolvimento do capitalismo industrial o judaísmo ocidental estava em vias de desaparecer. A Revoluçom Francesa, destruindo os últimos obstáculos legais que impediam a assimilaçom dos judeus, simplesmente puniu um estado de coisas existente.

Mas esta nom é certamente uma coincidência que ao mesmo tempo que a questom judaica se extinguia no Ocidente, ela recuperou-se com violência redobrada na Europa Oriental. Na altura em que se massacravam e queimavam os judeus na Europa Ocidental, muitos judeus procuraram refúgio em países onde o capitalismo ainda nom penetrara. No início do século XIX, a grande maioria dos judeus viviam na Europa Oriental, nomeadamente no antigo território da República monárquica da Polónia. Neste paraíso da schliskhta indiferente, a classe comercial judeu tinha encontrado um vasto campo de atividade. Durante muitos séculos, lá o judeu era um comerciante, usurário, lojista, ecónomo nobre, intermediário em todas as coisas. As pequenas cidades judaicas, mergulhadas num mar de aldeias camponesas e muitas vezes insreidas nos castelos dos senhores feudais polacos, representavam a eocnomia cambista no seio dumha sociedade puramente feudal. Os judeus achavam-se, como diz Marx, nos poros da sociedade polaca. Esta situaçom durou o tempo que permaneceu imutável organizaçom social e política da Polónia. No século XVIII, na sequência da turbulência política e de declínio económico, o feudalismo polaco acha-se ferido de morte. Ao mesmo tempo que ele, ficou profundamente abalada a posiçom secular dos judeus na Europa Oriental. O problema judaico, quase desaparecido do Ocidente, salta violentamente na Europa Oriental. As chamas, a ponto de se consumir aqui, tomarom uma renovada vitalidade pelo novo foco de fogo que eclodiu lá. A destruiçom da situaçom económica dos judeus na Europa Oriental irá resultar em uma emigraçom maciça de judeus no mundo. E em toda parte, embora de formas e sob aspetos diferentes, o fluxo de imigrantes judeus vindos da Europa Oriental reavivou a questom judaica. É neste aspeto que a história dos judeus na Europa Oriental foi certamente o fator decisivo da questom judaica no nosso tempo.

As relações comerciais dos judeus da Europa Oriental, Boêmia, Polónia e Ucránia, datam do período carolíngio. Os canais comerciais que os judeus estabeleceram no início da Idade Média entre a Ásia e a Europa prolongaram-se desta forma através dos campos da Polónia e das estepes da Ucrânia. Tal como os seus correligionários, os Radhanitas, os judeus orientais comercializam os produtos de valor na Ásia, especiarias e sedas em troca de produtos brutos da Europa. Eles foram o único elemento comercial numa sociedade puramente agrícola. No período carolíngio, o sistema económico da Europa é substancialmente o mesmo, o papel dos judeus orientais foi semelhante ao dos judeus da Europa Ocidental. Foi só depois que a sua história toma caminhos completamente diferentes.

Os relatórios de viagem de Ibrahim Ibn Ya'kob (965) testemunham o desenvolvimento considerável do comércio judeu na Praga do século X. Os judeus vieram do Extremo Oriente e de Bizâncio, importando diferentes especiarias de mercadorias preciosas, moedas bizantinas, e lá compram trigo, estanho e peles (11). Um documento de 1090, que retrata os judeus de Praga como comerciantes e cambistas de moedas com grandes somas de dinheiro e ouro, apresenta-os como os mais ricos comerciantes de todas as nações. Judeus comerciantes de escravos e doutros provinham do Extremo Oriente e atravessavam em caravana a fronteira, também som citados em documentos de 1124 e 1222. A taxa de juro dos banqueiros judeus de Praga, cuja atividade foi muito extensa, variou entre 108 e 180% (12). O cronista Gallus disse que em 1085, Judith, esposa do príncipe Ladislau Herman da Polónia, tentou resgatar presos cristãos de comerciantes judeus. As escavações realizadas no século passado permitiram destacar a importância económica dos judeus na época na Polónia. Foram descobertas moedas polacas com letras hebraicas que datam do século XII e XIII. Esse fato só comprova que o comércio polaco estava nas mãos dos judeus. As invasões tártaras no século XIII, certamente influenciam os judeus polacos e russos, mas já em 1327, um privilégio do rei polaco Vladislav Lokietek, trata sobre comerciantes judeus húngaros que chegam a Cracóvia. Longe de diminuir, o comércio dos judeus expansiona-se na Polónia durante os séculos posteriores.

Como na Europa Ocidental, o desenvolvimento do comércio ia associado com o desenvolvimento da usura. Novamente, a nobreza, o principal cliente dos usurários judaicos, tentou conseguir limitar a usura judaica, ao contrário dos reis que a promoviam,
"porque os judeus, enquanto escravos da fazenda, devem ter sempre dinheiro pronto para o nosso serviço”.

No Sejm de 1347, a nobreza, que pretendem limitar a taxa de juro, que atingiu 108%, chocou com a resistência determinada da monarquia.

Em 1456, o rei Casimiro Jagellon proclama que, protegendo os judeus, baseia-se no princípio da tolerância que lhe é imposta pelas leis de deus. Em 1504, o rei polaco Alexandre disse ele age com os judeus como deveria
"aos reis e os poderosos que se distinguem pela tolerância nom só a respeito dos seguidores da religiom cristã, mas também a respeito dos membros de outras religiões."

Sob estes auspícios, o negócios dos judeus só poderiam prosperar. Nos séculos XIII, XIV e XV, os usurários judeus conseguiram apossar-se de uma parte das terras pertencentes aos nobres. Em 1389 o judeu Sabetai torna-se proprietário de parte do domínio Cawilowo. Em 1390 o judeu de Cracóvia Iosman recebe como garantia os bens do Príncipe Diewiez de Pszeslawic. Em 1393 o judeu de Posen Moschko apossa-se do domínio Ponicz. Em 1397 as terras do domínio Abiejesz som penhoradas ao judeu de Poznan Abraham. Essas terras da nobreza som atribuídas aos judeus em plena propriedade. Assim, no último exemplo, o nobre que impugnara os bens transferidos a Abraão, o Tribunal confirmou o direito de posse do judeu e pune o autor com uma forte multa. Em 1404 um tribunal afirma que as três aldeias penhoradas ao judeu Schmerlin de Cracóvia som transmitidos em plena propriedade e para sempre (cum omnibus juribus utilitatibus dominium, etc., in perpetuum).

Os “banqueiros” mais importantes moravam em Cracóvia, residência dos reis. Os seus principais devedores estavam com efeito os reis, príncipes, voivodatos e arcebispos. Assim Casimiro o Grande pediu emprestado aos banqueiros judeus a enorme quantia de 15.000 marcos. O rei Luís da Hungria devia ao usurário Levko de Cracóvia 30.000 gunden numa ocasiom e 3000 Gulden noutra. O rei Ladislau Jagellon e a rainha Hedwige também lhe deviam quantias substanciais.

Levko nom era apenas um grande banqueiro, também foi um grande fazendeiro do reino. Ele alugou a Casa da Moeda e a sua cunhagem e o sal de Wieliczka e Bochinia. Ele possuía em Cracóvia casas e uma cervejaria. Como os grandes nobres, ele foi homenageado como "vir discretus”.

A usura dos grandes banqueiros judeus, como Miesko, Jordan de Poznan e Aron, que conseguiram acumular uma riqueza imensa, que se apossaram de aldeias e de terras, levantou uma onda de protestos entre a nobreza. O Estatuto da Warta (1423) limitou severamente a usura judaica. Assim, em 1432, o judeu Alexandre, a quem foram penhoradas em 1427 as aldeias de Dombrowka e Sokolov com parte de seu inventário vivo, é compelido por decisom judicial para tornar esses bens ao seu devedor já que o Estatuto de Warta proíbe o empréstimo sobre penhores imobiliários.

Os judeus e os Reis nom se resignaram facilmente a esta situaçom. Uma batalha feroz permitiu-lhes abolir o estatuto de Warta. Os banqueiros podem continuar a expandir a sua esfera de operações. Assim, em 1444, o rei penhorou ao banqueiro Schina o seu palácio de Lemberg. Este usurário também tinha entre os seus clientes o príncipe Szwidrigiella, o voivodia Chriczka que penhorara com ele a aldeia de Winik, etc.

Mas a nobreza tampouco se deu por derrotada. Ela retornou continuamente à carga e conseguiu forçar o rei a promulgar o Estatuto de Nieszawa em 1454, agravando as disposições do Estatuto de Warta. No entanto, e isto é suficiente para mostrar a diferença fundamental que existia neste domínio entre a Polónia e a Europa Ocidental, as disposições mais draconianas nom foram capazes de pôr fim à usura judaica. Desde 1455, assiste-se a uma renascença da atividade bancária, principalmente devido à imigraçom de judeus da Morávia e Silésia, assim como de outros países. Desde 1460, os atos de Cracóvia refletem uma recuperaçom tão extensa operaçom de usura que recordam os tempos de Levko e Schmerlin. O mais rico banqueiro era um Fischel que casou com a banqueira Raschka de Praga, e que forneceu fundos para o rei polonês Casimiro Jagellon, o seu filho e os futuros reis Albrecht e Alexander. Enquanto a nobreza da Europa Ocidental, com a penetraçom da economia cambista e uma abundância de dinheiro conseguiu livrar-se por toda parte da usura judaica, a persistência da economia feudal na Europa torna-a impotente neste terreno. A banca judaica sobreviveu a todas as proibições.

O atraso do país também tem dificultado o desenvolvimento que nós observamos nos países da Europa Oriental: a expulsom dos judeus de comércio e o seu confinamento na usura. A classe burguesa e as cidades começam a se desenvolver. A luta da burguesia contra os judeus ainda era embrionária e nom conduz a resultados decisivos. Aos comerciantes juntam-se os artesãos que sofrem a usura judaica. Novamente, quanto mais cedo se desenvolvia uma província, mais cedo surgiam os conflitos com os judeus. Em 1403 em Cracóvia e em 1445 em Boêmia, os artesãos provocam massacres de judeus. Mas essas lutas foram episódicas e nom conseguem eliminar o elemento judaico. Em vez disso, nos séculos XVI e XVII, a sua situaçom só se reforçou e o comércio judeu continua a florescer.

Na segunda metade do século XIV fala-se de um "consórcio" de três judeus de Lemberg, Schlomo, Czewja e Jacob, formado para o fornecimento de peles e mercadorias italianas para o conselho da cidade de Lemberg. No início do século XV, os judeus som os fornecedores da corte real. Em 1456 o starosta de Kaminiec Podolsky confiscada umas mercadorias orientais por valor de 600 marcos aos comerciantes judeus se dirigem à Polónia desde os centros comerciais do Mar Negro. Os judeus bizantinos e italianos de Capha realizavam inúmeras viagens à Polónia. O judeu Caleph Judaeus de Capha faz passar por concessom de Lemberg grandes quantidades de produtos orientais. Mesmo após a destruiçom das colónias italianas do Mar Negro (1475), os judeus continuaram a manter relações com o Oriente. Desde 1467, o judeu David de Constantinopla, supre regularmente Lemberg com mercadorias orientais. Produz-se um renascimento do comércio de escravos na Ucrânia em 1440-1450. Em 1449, os livros de justiça russos contam um fato interessante: após ter fugido um escravo pertencente ao judeu Mardoqueu de Galich, o seu proprietário exigiu o seu retorno através dos tribunais.

Os comerciantes judeus de Capha e Constantinopla apenas frequentavam as grandes feiras de Lemberg e Lublim. A elas também assistiam os judeus que estavam espalhados nas cidades e vilas da Rússia e da Polónia para comprar mercadorias orientais para as vender nas regiões donde vieram. Nas estradas que levam de Lemberg para Lublin na Pequena e Grã Polónia para a fronteira da Silésia, andavam os comerciantes judeus.

Os judeus também cruzaram esta fronteira e realizavam um forte negócio com a Boêmia e a Alemanha. Cartas de 1588 diz-nos que transprotam couro e peles de Cracóvia para Praga e que emprestam dinheiro a juros e em troca de penhores.

A feira de Lublim serviu como um ponto de encontro entre os comerciantes judeus da da Polónia e da Lituânia. Os comerciantes judeus exportam da Lituánia peles, couro, madeira, mel e compram nessa feira especiarias da Turquia e bens manufaturados da Europa Ocidental. Os livros da cidade de Danzig referem que os comerciantes judeus da Lituánia exportavam, entre 1423-1436, madeira, cera, peles, couro, etc.

A posiçom do judaria lituana era mais favorável do que a dos judeus poloneses. Até a Uniom de Lublim (Uniom da Polónia e da Lituânia), os judeus desfrutavam os mesmos direitos que a populaçom livre. Nas suas mãos acha-se o grande comércio, a banca, as alfândegas, etc. O arrecadamento de impostos e das alfândegas trouxe grande riqueza. As suas roupas brilhavam com ouro e usavam espadas como os senhores.

Os atos da chancelaria lituana indicam que no período 1463-1494, os judeus tinham alugado quase todas as estâncias aduaneiras do Grão-Ducado da Lituânia: Bielek, Bryansk, Brchiczin, Orodno, Kiev, Minsk, Novgorod e Zhitomir. Documentos do ano 1488-89 indicam alguns judeus de Trock e Kiev como exploradors das salinas do grande ducado. Ao mesmo tempo, começa a haver judeus no papel de estalajadeiros, uma profissom que, no vilarejo polonês e ucraniano, é paralelo com o comércio da usura.

O reforço da anarquia da nobreza na Polónia nom ficou sem efeito sobre a situaçom dos judeus. No século XVI a sua posiçom continua a ser muito forte, mas eles passam cada ez mais sob o controle real dos pequenos e grandes senhores feudais. O enfraquecimento do poder real torna cada vez mais ineficaz a proteçom real e os próprios judeus buscam protetores menos brilhantes, mas mais seguros. O rei Sigismundo queixou-se ao Sejm (Dieta) de 1539: A schliskhta (nobreza), do nosso reino quer monopolizar os lucros de todos os judeus que vivem em cidades, vilas e domínios. Ela exige o direito de julgá-los. A isto, respondemos:

"Se os judeus se resignaram eles próprios os privilégios para uma jurisdiçom autónoma que lhes foram concedidos pelos reis, os nossos antepassados, e que também foram confirmados por nós, eles deixam de fato a nossa defesa e nom tirando mais proveito deles, nós nom temos nenhuma razom para impor pela força a nossa bondade. "

É óbvio que se os judeus rejeitam "estas bondades” é porque a realeza já nom tinha poder real neste país dominado pela nobreza.

No século XVI a situaçom dos judeus tornou-se mais forte. Eles recuperam todos os direitos que lhes tinham tentado roubar durante o século anterior. A sua situaçom económica melhora.

O crescente poder da nobreza (a Polónia tornou-se uma monarquia eletiva em 1569) priva-os da proteçom real, mas os senhores feudais fazem tudo o possível para estimular a atividade económica. Os comerciantes, emprestadores a juros, os administradores das propriedades dos nobres, das suas casas, das suas cervejarias, som extremamente úteis para os senhores feudais que passam o seu tempo no estrangeiro, no luxo e ociosidade.

"As cidades pequenas e áreas pertencentes ao schliskhta todas tinham os seus armazéns e pousadas em mão dos judeus. Na medida em que poderia achar graça aos olhos do Senhor, os judeu moviam-se livremente. " (13)

A situaçom económica dos judeus foi muito boa, mas a sua posiçom subalterna em relaçom à nobreza minou as bases da autonomia judaica altamente desenvolvida que existia na Polónia.

"As condições gerais políticas e económicas da Polónia levou os judeus a viver como um Estado dentro do Estado, com suas instituições religiosas, administrativas e jurídicas próprias. Os judeus eram uma classe especial, gozando uma autonomia interior especial...”. (14)

Um decreto de Segismundo Augusto (agosto 1551) estabelece as seguintes bases de autonomia para os judeus da Grã-Polónia: os judeus têm o direito de escolher, depois de um acordo geral entre eles, os rabinos e juízes para os administrar. O poder coercitivo do Estado pode ser colocado à sua disposiçom.

Cada cidade ou vila judaica tinha um conselho da comunidade. Nas grandes cidades, o Conselho da Comunidade estava formado por 40 membros, 10 nas de pequeno porte. Os membros do conselho eram eleitos por um sistema de voto duplo.

A atividade deste conselho era muito extensa. Devia arrecadar os impostos, gerir as escolas, instituições, resolver as questões económicas e ocupar-se da justiça. O poder de cada conselho (chamado Kahal) estendia-se aos judeus das aldeias vizinhas. Os conselhos de grandes cidades tinham a autoridade nas pequenas comunidades. Desta forma forom criados pacotes de comunidade ou galiloth.

Já falamos da Arba Vaad Aratzoth que foi a Assembléia Geral dos Conselhos de judeus na Polónia (de quatro países, a Polónia, Ucránia, Podólia e Volínia), que se reuniam regularmente e que foi um verdadeiro parlamento.

No século XVII, as bases da autonomia judaica começou a abalar. Isso esteve em relaçom com o agravamento da situaçom de judeus poloneses que começaram a sentir os efeitos desagradáveis do caos que aflige a sociedade polaca feudal. A mudança parcial da situaçom dos judeus após o declínio da autoridade real teve como resultado a posta em contato dos judeus, mais do que antes, com o grosso da populaçom escrava. O judeu, tornado ecónomo do nobre ou estalajadeiro, era odiado em iguais ou até mais do que os senhores pelos camponeses, porque foi ele se tornara no principal instrumento das sua exploraçom. Esta situaçom logo trouxe uma tremenda agitaçom social, especialmente na Ucrânia, onde a autoridade da nobreza polaca era mais fraca do que na Polónia. A existência de vastas estepes permitiu a formaçom de colónias militares cossacas onde os agricultores podem preparar a hora da vingança.

"O mordomo judeu tentar obter o máximo possível dos domínios e explorar o máximo possível o camponês. O camponês ucraniano odiava profundamente ao fazendeiro e polaco pola sua dupla condiçom de senhor e de liach (polaco). Mas ele odiava ainda mais, talvez, o mordomo judeu com quem ele teve a oportunidade de estar em contato constante e no que ve como um detestável caseiro do Senhor e um "nom-cristã" era estranho a ele pela sua religiom e modo de vida. " (15)

A grande revolta dos cossacos de Chmielnicki de 1648 tem o efeito a destruiçom de 700 comunidades judaicas. Esta revolta mostra ao mesmo tempo a extrema fragilidade do reino caótico da Polónia e prepara o seu desmembramento. Desde 1648, a Polónia continua a ser atormentada por invasões e guerras civis.

Com a existência do antigo estado feudal das coisas na Polónia está também a finalizar a situaçom privilegiada do judaísmo. Os massacres mirram a sua populaçom, a anarquia que domina no país faz com que seja impossível qualquer atividade económica normal.

O agravamento da situaçom dos judeus abalou as bases ideológicas do judaísmo. A pobreza e a perseguiçom criam um terreno fértil para o desenvolvimento do misticismo. O estudo da cabala começa a substituir o do Talmude. Movimentos messiânicos como o de Sabetai Zevi tomam uma determinada importância.

Também é interessante lembrar a conversom ao cristianismo de Frank e dos seus seguidores.
"O frankistas exigiram que lhes fosse dado um território especial porque eles nom queriam exploram os camponeses e viver da usura e do funcionamento dos cabarés. Eles querem ante todo trabalhar a terra. " (16)

O movimento nom tomou uma grande extensom pois a situaçom do judaísmo ainda nom estava definitivamente comprometida. Somente no final do século XVIII que a sociedade polaca feudal começou a desmoronar sob os golpes combinados da anarquia interna, do declínio económico e da intervençom estrangeira. Entom começarom a formular-se para o judaismo os problemas da migraçom e da passagem para outras ocupações (produtivizaçom).
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NOTAS
(1) « No século XIX havia, nas Repúblicas da América espanhola, centos de judeus, comerciantes, proprietários de terras e também soldados, mas que desconheciam a religiom dos seus pais. » M. Philippson, Neveste Geschichte des judischen Volkes, 1907-1911, p. 226.
(2) Carta de alguns judeus portugueses ao Sr. De Voltaire. Na Inglaterra, « alguns destes judeus espanhois convertem-se ao cristianismo... Famílias que se tornam célebras no mundo inteiro: os Disraeli, os Ricardo, os Aguilar abandonaram também o judaismo. Outras famílias sefaraditas foram lentamente assimiladas pola sociedade inglesa ». Graetz, Histoire juive, tomo VI, p. 344.
(3) Carta de alguns judeus portugueses ao Sr. De Voltaire.
(4) Werner Sombart, Les Juifs et la vie économique, trad. fr., Paris, 1923.
(5) L. Brentano, Die Anfänge des Kapitalismus, p. 163.
(6) L. Brentano, Die Anfänge des Kapitalismus
(7) L. Brentano, op. cit., p. 163.
(8) « O livro de M. Sombart sobre os judeus comporta umha interminável série de erros graves; diria-se o desenvolvimento rigoroso dum paradoxo por um homem que tem o génio de exposições tam amplas... Como todo paradoxo, apenas contém ideias falsas; a sua parte relativa à época atual merece ser lida, embora deforme amiúde as características do povo semita. A sua parte histórica, em todo o caso, é quase ridícula... O capitalismo modernos nasceu e desenvolveu-se antes de mais no momento em que os judeus, empurrados por quase toda a parte, nom estavam em estado de tornar-se precursores. » (E. Sayous « Les Juifs », em Revue économique internationale, Bruxelas, 24º ano, vol. 1, n° 3, março 1932, p. 533).
(9) Ver mais adiante Capítulo IV, II.
(10) Na história, « a posiçom dos judeus na Idade Média é comparável sociologicamente à dumha casta hindu, num mundo sem castas. ... Nom se encontra qualquer judeu entre os criadores da organizaçom económica moderna, os grandes empreiteiros. O fabricante judeu, por contra, é um fenómeno moderno ». Max Weber, Wirtschaftsgeschichte, pp. 305-307.
(11) Schipper, op. cit., II, p. 78.
(12) Ibid..
(13) Graetz, Histoire des Juifs.
(14) Idem..
(15) Graetz, op. cit..
(16) Idem..

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