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quinta-feira, 17 de abril de 2025

AS COMUNAS JUDAICAS EM PORTUGAL

 Maria José Ferro Tavares

Por razões de segurança e de vida coletiva, as comunidades judaicas localizaram-se sempre nos centros urbanos, independentemente dumha ou outra família poder residir nas zonas rurais. 

Localizaçom da Judiaria de Covilhã

A comuna cujo centro era a sinagoga, erguia-se no espaço municipal e tinha a sua existência conferida pola concessom dumha carta de privilégios, onde se encontravam nomeados todos os seus usos, costumes e liberdades. A permissom para abrir ou construir umha sinagoga era dada a um mínimo de dez famílias, residentes numha localidade, polo rei com o beneplácito do bispo, umha vez que a religiom moisaica era tolerada na cristandade, com o objetivo de os seus crentes poderem vir a converter-se ao cristianismo.


Na carta de privilégios encontravam-se referidos os direitos e os deveres dos membros da comuna que se podem sintetizar do seguinte modo:

> afirmaçom da sua dependência direta em relaçom ao rei, o seu único senhor 

> declaraçom de naturais do reino

> permissom para livremente poder praticar a sua religiom, língua e direito, este último inserto no Talmud

> declaraçom da autonomia administrativa, jurídica e fiscal perante o concelho cristão e os seus oficiais, através da possibilidade de eleger os seus próprios magistrados entre os correligionários mais aptos para o desempenho dos mesmos 

> autorizaçom para poderem circular livremente polo reino, adquirir bens móveis e de raiz, urbanos ou rurais, fazer contratos com cristãos e mouros, naturais e estrangeiros e exercer, sem qualquer espécie de restrições, toda a atividade lícita 

> especificaçom dos tributos que deviam pagar à coroa (peitas, serviço real, incidindo este sobre o indivíduo, os bens fundiários e móveis, rendimentos de trabalho e ensino), à comuna e ao concelho


Até finais do século XIV, pode-se juntar a estes direitos e deveres o de os Judeus poderem ser declarados vizinhos do concelho donde eram naturais e onde tinham bens imóveis, desde que pagassem ao município cristão, o soldo de vizinhança, tal como os indivíduos pertencentes à maioria.


As mais antigas comunidades portuguesas foram, com toda a certeza, as de Lisboa, Santarém, Coimbra e Évora. As duas primeiras e a última tiveram um crescimento populacional digno de mençom, ao longo dos séculos XIII e XIV.


Os Judeus ocuparam inicialmente o espaço cristão, próximo da Rua Direita ou dumha das portas do concelho, avizinhando lado a lado com cristãos, quer nas suas lojas e tendas, quer nas suas casas. O estabelecimento da sinagoga, casa de oraçom, escola, câmara de vereaçom e tribunal, congregou-os em redor desta casa e da sua rua.

Sabemos que em muitas vilas e cidades portuguesas, de antiguidade reconhecida, aparece quase sempre umha Rua Direita, ou, por vezes, até mais do que umha. Por vezes esse nome até já desapareceu da toponímia dalguns lugares. Regra geral a Rua Direita é umha artéria importante no aglomerado urbano dumha vila ou cidade medieval, que vê nela ladeada casas de habitaçom, comércio, edificios públicos ou eclesiásticos. Mas também pode aparecer numha simples aldeia a ligar um adro dumha igreja a um poço ou umha fonte.


A judiaria, a rua ou o bairro dos Judeus, foi inicialmente sinónimo de comuna e, depois, de bairro apartado e como tal se fixaria, a partir da segunda metade do século XIV.

Judiaria da Guarda (Beiras) | 📷 aldeias de montanha


O rabi-mor e os oficiais das comunas

Remonta a D. Afonso Henriques a existência dum rabi-mor dos Judeus portugueses. Os primeiros detentores do cargo foram os referidos Ibn Yahia ou Negro. Muito provavelmente constituíram o que se poderia designar umha dinastia de rabis-mores vitalícios, até à morte de Guedelha, no início do reinado de D. Pedro I, ou seja, no início da segunda metade do século XIV, altura em que os Negro seriam substituídos por dous imigrantes: Moisés Navarro, cuja família veio para Portugal no reinado de D. Dinis, e Juda Aben Menir, também natural de Navarra. Negro seriam, de novo, os dous últimos rabis-mores vitalícios de Portugal, Guedelha e o seu filho, Abraam, que ocupou o arrabiado-mor até à sua extinçom e desagregaçom noutros cargos, em 1463.


Este cargo era ocupado por um judeu cortesão da estrita confiança dos monarcas, generalmente o seu físico, rendeiro ou gestor das finanças do reino, quer nas funções de almoxarife-mor do reino ou de tesoureiro-mor do reino. No desempenho das suas funções de gestom financeira, alguns destes Judeus, como Juda Aben Menir, no reinado de D. Fernando, tiveram assento no conselho régio, nom por direito próprio, mas por inerência do cargo de tesoureiro-mor do reino, o que provocaria acesas críticas por parte da burguesia cristã.


O poder e açom do rabi-mor é conhecido por documentos de finais de Trezentos, emitidos por D. Fernando e por D. João I, que o permitem definir como o corregedor na corte para os Judeus e o seu representante direto junto do soberano. Possuia a sua própria chancelaria —que, infelizmente se perdeu, assim como a das comunas—, ouvidores, tabeliães gerais, tabeliães e escrivães que o acompanhavam, sempre que se deslocasse com a corte ou só.


Tinha direito ao uso dum selo específico, selo do rabi-mor de Portugal, com que autenticava todos os documentos emanados da chancelaria do arrabiado-mor. Possuía cadeia própria que o acompanhava, com o respectivo carcereiro, quando das suas deslocações polo reino. 


Cabia-lhe convocar as assembleias plenas (cortes) dos súbditos Judeus do rei de Portugal, a pedido deste e sempre que este desejasse ouvir as comunas, pola voz dos seus procuradores, sobre assuntos diversos, generalmente de natureza económica e fiscal.


Em 1463, o arrabiado-mor vitalício foi extinto e desagregado em vários cargos, entre os quais o de contador na corte para os Judeus. O Mestre Abraam Negro, o último rabi-mor de Portugal, foi também o primeiro contador. O Mestre Abet, alfaiate de D. João II, era o contador-mor, quando da expulsom dos Judeus, em 1496, por ordem de D. Manuel.


A frente das comunas, encontravam-se os rabis-menores, eleitos por sufrágio dos seus correligionários ou nomeados polo soberano, por anos ou vitaliciamente. Em número de dous, tinham a coadjuvá-los o corpo de vereaçom da câmara, composto polos homens bons da comuna eleitos, polo tesoureiro e outros oficiais.


As comunas mais ricas possuíam ainda o doutor da Lei que nelas ensinava, os rabis das escolas das crianças, o capelão ou hazazan, cujos números variavam consoante o número de escolas e de sinagogas existentes.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

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