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sexta-feira, 25 de abril de 2025

A SEGREGAÇOM DOS JUDEUS PORTUGUESES

 Maria José Ferro Tavares

Entendidos desde o início como naturais do reino e vizinhos do município cristão, onde residiam, os Judeus portugueses participavam nas regalias que advinham destes direitos e relacionavam-se em franca e aberta convivência pessoal e coletiva com os vizinhos cristãos ou as autoridades municipais. A presença de uns e outros nas festas privadas ou públicas da comunidades religiosamente estranha era frequente, mesmo em Lisboa, até ao início do século XV. A diferença religiosa nom dera ainda lugar a umha segregaçom assumida por ambas as partes.



No entanto, a separaçom começara já a ser exigida, quer polo clero, quer pola autoridade real. O primeiro protesto surgiu no reinado de D. Dinis, pola voz do clero, que se queixou ao papa de que o rei de Portugal nom cumpria o disposto no quarto concílio de Latrão, no que respeitava à imposiçom de uso de sinais distintivos por parte dos indivíduos da minoria.

No Quarto Concílio de Letrão (1215) foi decidido que os Judeus (assim como os muçulmanos) seriam obrigados a utilizar vestimentas que os diferenciassem de cristãos, umha decisom que foi tomada ao se aproveitarem de furos dentro da bula papal “Sicut Judaeis”, e com o único propósito de impedir que Judeus se casassem com cristãos.

Admite-se que Afonso IV pode ter já imposto trajes específicos e o uso tanto da “rouelle” (ou roda) como dum sinal branco no barrete, no que seria reforçado polos seus sucessores, quer em leis quer em capítulos de cortes, ao longo de século e meio.


Estes só iriam ser coagidos ao porte do sinal, en meados do século XIV, no reinado de D. Afonso IV, certamente por consequência do clima de insegurança, provocado pola peste negra.


Embora nom se conheça nengum documento legislativo contemporâneo do acontecimento nem se tenham notícias de qualquer questom social antijudaica, a tradiçom escrita portuguesa fez remontar ao governo deste monarca o uso de sinal (um selo redondo no exterior do vestuário) que D. João I, em finais de Trezentos, substituiria por umha estrela de seis pontas.

Porta da Judiaria da Guarda


A segregaçom física seguiu-se a exclusom espacial. Numha tentativa de conter as relações demasiado íntimas entre indivíduos de sexo e religiom diferentes, sobretudo quando um dos intervenientes era mulher e cristã, D. Pedro I, em 1366, proibia a deslocaçom destas à judiaria e determinava o encerramento do bairro judaico de Lisboa. Durante a segunda metade do século XIV, algumhas das judiarias mais populosas foram sendo fechadas por portas que se abriam ao nascer do sol e se fechavam ao anoitecer, ficando os Judeus proibidos de pousar nas casas cristãs, exceto nos lugares onde nom houvesse comunidade judaica.


No entanto, as exigências dos procuradores dos concelhos nas cortes e as diversas cartas régias, promulgadas ao longo de Trezentos e Quatrocentos, permitem concluir que a segregaçom nom se executou totalmente. De facto, comunidades houve, como Lamego. Viseu ou Covilhã, que só tiveram os seus bairros fechados, nos meados do século XV, enquanto o uso do sinal nom era exigido polas próprias autoridades cristãs.


Ao nom cumprimento da lei, juntava-se também a exceçom por vontade régia, por solicitaçom dum concelho ou dum poderoso laico ou religioso, através da concessom dumha carta de privilégio. Assim as isenções do porte de distintivo, tal como as permissões para habitar entre os cristãos, foram frequentemente concedidas, até que a instabilidade do clima social as veio restringir e interditar. O mesmo aconteceu com o uso de vestuário e de adornos de luxo, com o porte de armas ou o transporte em mula com sela e freio, definidores de condiçom social superior.


No reinado de D. João II (1481/1495) as relações de convivência entre cristãos e Judeus caminhavam para a rutura, devido ao grande peso social, político e económico dum importante grupo de Judeus cortesãos e à concorrência e rivalidade económica, provocada polo crescimento dumha burguesia cristã mercantil, assim como pola afirmaçom profissional dos artesãos.


Maria José Pimenta Ferro Tavares (Lisboa, 1945) é umha historiadora e professora portuguesa, especialista na história dos Judeus e dos cristãos novos em Portugal. Em 1998 foi a primeira reitora dumha universidade ou instituiçom de ensino superior em Portugal. As principais obras dela são "Os Judeus em Portugal no século XIV", Lisboa, Guimarães Editores (2000) e "Os Judeus em Portugal no século XV", Universidade Nova de Lisboa  (1982-1984).

Fonte: Linhas de Força da História dos Judeus em Portugal UNED

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