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domingo, 7 de novembro de 2021

AS RAIZES JUDAICAS DE JORGE SAMPAIO

 Jorge Sampaio, político socialista português que exerceu o cargo de 18º Presidente da República Portuguesa entre 1996 e 2006, finou a 10 de setembro de 2021, vítima de insuficiência respiratória à idade de 81 anos.

Jorge Sampaio (1939-2021)
Foto: Museu da Presidência da República

Segundo a Comunidade Cultura e Arte, Jorge Sampaio foi dos estadistas com mais protagonismo diplomático em Portugal. Isto porque, para além da resoluçom e mediaçom de contendas internas, teve um papel arguto e ativo na relaçom com países/regiões com ligações históricas seculares com a naçom portuguesa. Por esses e por demais feitos e feitios, trata-se dumha das figuras de destaque do período democrático português pós-25 de abril, entre o exercício de funções de autarca, diploma e, acima de tudo, Presidente da República.

Nas raízes familiares de Jorge Sampaio existe umha componente judaica, de origem açoriana. A mai dele, Fernanda Bensaúde Branco, era professora de inglês e a sua grande parceira de conversas sobre literatura. Pola sua vez, ela era sobrinha-neta do industrial de tabacos José Bensaúde .

Em consequência, segundo refere António Valdemar num artigo de opiniom publicada polo jornal Público, ele fazia parte dumha das ramificações dos Bensaúdes, judeus sefarditas oriundos de Marrocos e que, no início do século XIX, se fixaram em Portugal. Primeiro no Algarve e nos Açores e, a seguir, em Lisboa e noutros pontos do País. Encontram-se ligados à navegaçom marítima, ao comércio, à indústria, à banca, à agricultura, aos transportes aéreos, à hotelaria e ao turismo. Pode-se acrescentar: à investigaçom científica, à investigaçom histórica, ao magistério universitário, à literatura, às artes plásticas e à música.

Quando o genearca desta linhagem luso-judaica, Abraão Hassiboni chegou a São Miguel (Açores) em 1825 nom falava umha palavra de português. Na altura em que morreu, muitos anos mais tarde, continuava sem saber construir umha frase em português. Falava árabe marroquino e um espanhol arcaico. Mesmo assim, mal pousou o pé nos Açores adoptou o apelido luso Bensaúde,  por ser o nome do seu padrinho e protector da família.

Como outros Judeus, os Hassiboni tinham chegado a Marrocos fugidos da Península Ibérica vítimas das perseguições dos Reis Católicos, de D. Manuel e de D. João III. No Norte de África a sua vida nom foi, no entanto, mais pacata. A populaçom odiava-os e eram frequentemente saqueados. Valia-lhes a proteçom do sultám, que só nom os desprezava porque os Judeus lhe engordavam as finanças. O pior foi quando o sultám morreu: a mulher de Abraão enterrou as jóias de família no quintal e a família aguardou os saques inevitáveis. Depois, fugiram para os Açores, onde o ambiente era de maior tolerância. Trabalhador incansável, Abraão dedicou-se à venda de tecidos de alta qualidade, mas a inveja doutros vendedores mais antigos de tecidos de menor qualidade quase lhe custou o negócio. 

Na senda do pai, Jacob Bensaúde fundou a firma Jacob Bensaúde Abraão & C.ª, que importava fazendas e exportava cereais e laranjas para o Reino Unido. Morreu cedo, com apenas 28 anos e foi o seu irmão Judah, o primeiro dos Bensaúde a saber falar português, que manteve o negócio das fazendas vivo. Quando nom havia clientes, Judah ficava sentado ao balcom a ler e a estudar, o que lhe valeu um "alto nível cultural", conforme é contado no livro Subsídios para a Genealogia da Família Bensaúde.

Geraçom após geraçom, os negócios dos Bensaúde proliferaram: José Bensaúde (1825-1922) fundou a Fábrica de Tabaco Micaelense e foi também um homem de cultura que deixou uma biblioteca com mais de 1200 volumes. Ele teve quatro filhos:

Alfredo Bensaúde (1856-1941) fundou o Instituto Superior Técnico e da Universidade de Lisboa

Joaquim Bensaúde (1859-1952) formou-se em Engenharia na Alemanha, pertenceu à Academia das Ciências de Lisboa e à Academia Portuguesa de História. Teve ainda um papel relevante na investigaçom da história da astronomia peninsular e dos instrumentos náuticos primitivos.

Raul Bensaúde (1866- 1938), médico, professor da Sorbonne e que se especializou no tratamento pioneiro das hemorroidas

- Esther Bensaúde (1864-1965), que pelo seu casamento também adquiriu o nome de Oulman

Ainda no século XIX, a família criou a Parceria Geral de Pescaria, especializada na pesca do bacalhau, e a Empresa Insular de Navegação. Fundou ainda o Banco Lisboa Açores, as fábricas de tabaco, álcool e açúcar, bem como a Companhia de Seguros Açoreana. Foram ainda os responsáveis pela criação da SATA (Sociedade Açoriana de Transportes Aéreos) e pelo Banco Micaelense, actual Banif. 

A partir de 1916, os Bensaúde começaram a importar, armazenar e fornecer carvom para a navegaçom, mas depois da II Guerra Mundial, quando o carvom perdeu grande parte do seu valor, adquiriram uma instalaçom para armazenamento de combustíveis líquidos em São Miguel. Foi nesta altura que o clã se converteu ao catolicismo, provavelmente com medo da expansom do antisemitismo de Hitler.

Pioneiros, na década de 30, os Bensaúde construíram o primeiro campo de golfe dos Açores, onde mais tarde edificaram um hotel. O 25 de Abril nom foi brando para os negócios da família. Após as turbulências pós-revolucionárias, em 1976, a sede da empresa saiu de Lisboa para regressar a São Miguel, onde a família consolidou, até hoje, três áreas de negócios: a hotelaria, os transportes e os combustíveis. 

Porém, Jorge Sampaio era descendente doutro ramo dos Bensaúdes, nomeadamente o de Aarão Mimon Bensaúde que, vindo dos Açores, se estabeleceu depois em Lisboa; e Shara Benlisman Bensaúde (1890-1976), que casou com o oficial da Armada Fernando Branco (1880-1940), introdutor dos submarinos em Portugal, adido naval na Embaixada de Londres e Ministro dos Negócios Estrangeiros e Ministro da Marinha em governos da ditadura militar (1928-33).

Do casamento de Fernando Branco com Shara Benlisman Bensaúde nasceram duas filhas: Regina Bensaúde Branco e Fernanda Bensaúde Branco. A primeira veio a casar com o escultor António Duarte (1912- 1998), autor da peça escultórica na frontaria do Palácio da Justiça de Ponta Delgada. Som pais do Prof. Dr Filipe Duarte Santos, diretor do Centro de Física Nuclear da Universidade de Lisboa.

Fernanda Bensaúde Branco, mãe de Jorge Sampaio, casou com o médico vimarense Arnaldo Sampaio (1908-1984), que foi diretor do Instituto Ricardo. Para além de Jorge, tiveram um outro filho, Daniel Sampaio (n 1946), médico psiquiatra e professor catedrático da Faculdade de Medicina de Lisboa.

Enquanto Presidente da Câmara de Lisboa (1989-96) e, depois como Presidente da República, Jorge Sampaio marcou a sua presença ou a sua representaçom institucional em manifestações relevantes da Comunidade Israelita de Lisboa. Trata-se, resumidamente, em 1996, da cerimónia de grande repercussom "Memória e Reencontro", a propósito do decreto da expulsom dos Judeus de 1596; da realizaçom, no Centro Cultural de Belém, do Seminário Internacional Oceanos da Paz; e, em 2004, das comemorações centenárias da fundaçom da Sinagoga Shaare Tikah (Porta da Esperança), instalada em Lisboa na rua Alexandre Herculano.


Os Açores foram um pólo de fixaçom e irradiaçom de famílias judaicas que alcançaram significativa projeçom. Tais como as de Abraão Bensaúde, Salomão Sequerra Amram, Shalom Buzaglo, Arão Benayon, Isac Sentob, Abraham Benlisman, Fortunato Cohem, Salomon Bensabat, Moysés Benarus, Joaquim Zagury, Mimom bem Abraham Abbott e Abraham Sebag.

Mais informações:

> Presença judaica nos Açores

Bensaúde em São Miguel: primeiro judeus nos Açores Rita Roby Gonçalves | Diário de Notícias

As raizes judaicas açorianas de Jorge Sampaio António Valdemar | Público Artigo publicado na altura do falecimento do estadista português.

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