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quarta-feira, 2 de setembro de 2020

OS DESAPARECIDOS JUDEUS DA ARGENTINA

Com umha populaçom atual de 330.000 pessoas, a Argentina é o lar da maior comunidade judaica na América Latina, a terceira maior das Americas e a sétima maior do mundo fora do Estado de Israel.

Entre 1976 e 1983, a Argentina foi governada por umha junta militar que deteve, encarecerou e muitas vezes fez desaparecer inúmeras pessoas que se opunham ao governo, sendo submetidas a tortura e execuções ilegais. 

O número de vítimas judias pode ter chegado a 1800-2000. Apesar de representar menos de 0,5% da populaçom, os Judeus representavam cerca de 12% das vítimas do regime militar. 

Durante este período, os Judeus foram o principal alvo do regime militar e receberam um tratamento especialmente severo, em parte devido à ideologia abertamente nazista que permeou as fileiras dos militares, com alguns generais sendo obcecados pola "questom judaica". 

Entre estes elementos dos corpos e forças de segurança destacou Ramón Camps (1927-1994), um dos militares do Processo de Reorganizaçom Nacional que mostrou um antissemitismo generalizado. Como chefe da Polícia Federal Argentina chegou a desenhar um juízo maciço contra os Judeus mais proeminentes a fim de condená-los por sionismo. Nesse contexto, Camps sequestrou e torturou um judeu proeminente, Jacobo Timerman, jornalista que, como diretor do jornal "La Opinión", cobriu extensivamente as atrocidades do governo durante a Guerra Suja, tornou-se o único prisioneiro político mais famoso de toda a Guerra Suja após sua prisom. Timerman acabou sendo libertado, em grande parte como resultado da pressom internacional dos Estados Unidos e de Israel, e foi expulso da Argentina. Nessa altura, Camps realizou umha conferência de imprensa a fim de mostrar que Timerman era sionista e com esse fim reproduziu umha parte da gravaçom do interrogatório ao que, sob tortura, fora submetido Timerman, onde podia ouvir-se:

Camps: Admite ser judeu?

Timerman: Bom... sim.

Camps (berrando): Entom é sionista!

Timerman: Bom... nom sei, talvez.

Nos finais de 1983, numha entrevista para umha revista espanhola, Camps, para além doutras cousas, confessou ter simpatias por Adolf Hitler embora negou ser um nazista. Timerman viveu em Israel até a queda da junta em dezembro de 1983.

Além disso, algumas seções do governo militar acreditavam na existência do "Plano Andínia", uma conspiraçom fictícia de Israel para assumir parte da regiom da Patagônia e estabelecer um segundo estado judeu lá. Alguns prisioneiros judeus foram mesmo interrogados sobre o seu conhecimento do Plano Andinia, e foram até mesmo solicitados a fornecer detalhes dos preparativos militares israelitas para umha invasom do sul da Argentina. 

O Estado de Israel, envolvido nessa altura no conflito árabe-israelita, nom se importou aparentemente muito com a perseguiçom dos Judeus argentinos. O Estado judeu tinha um acordo especial com o governo militar argentino para permitir que Judeus presos por crimes políticos imigrassem para Israel, citando umha lei argentina que permitia que cidadãos argentinos na prisom emigrassem se o outro país estivesse disposto a recebê-los. Além disso, à calada, diplomatas israelitas na Argentina ajudaram a organizar a emigraçom de judeus presos ou permitiram o resgate de prisioneiros. O número de judeus argentinos emigrando para Israel aumentou muito durante o período da junta. 

Alguns Judeus também emigraram para a Espanha. As organizações judaico-americanas começaram a se preparar para um êxodo em massa dos judeus argentinos. A Sociedade de Ajuda ao Imigrante Hebreu chegou a garantir umha promessa do governo militar do Brasil de fornecer asilo temporário para 350.000 Judeus da Argentina se fosse necessário. Em 1976, o Departamento de Estado dos EUA prometeu ao Rabino Alexander Schindler, da Uniom das Congregações Hebraicas Americanas, que iria emitir, se necessário, 100.000 vistos para refugiados judeus argentinos.

Durante a Guerra das Malvinas de 1982, cerca de 250 soldados judeus serviram nesse território e em pontos estratégicos da Patagônia. Durante o serviço militar eles sofreram ataques antissemitas por parte de oficiais. O governo argentino permitiu que cinco rabinos os visitassem: estes foram os únicos religiosos com permissom para acompanhar o exército argentino durante o conflito e os únicos capelães nom católicos com permissom para servir. Segundo o autor Hernán Dobry, os rabinos foram autorizados a visitar os soldados judeus porque a Argentina vinha comprando armas de Israel e nom queria arriscar a relaçom "por causa de cinco rabinos".

Em 1977 o jornalista Herman Schiler funda a revista "Nueva Presencia" e em 1982 o Movimento Judeu polos Direitos Humanos. Apesar dos atentados à bomba nunca deixou de publicar as violações dos direitos humanos. Segundo ele, apesar de os militares argentinos temer de serem acusados internacionamente de antissemitismo, isto "nom poupou de dar curso livre o seu antissemitismo sobre os prisioneiros. Cada desaparecido judeu era tratado mais duramente apenas pola sua origem". Nessa altura o exército tinha o lema "faça pátria, mate um judeu".

O caso mais sinistro de antissemitismo envolveu oito cientistas judeus que ocupavam altos postos na Comissom Nacional da Energia Atómica, sendo todos eles sequestrados e mortos pola ditadura. "Aparentemente a Junta nom queria Judeus em postos estratégicos", frisou Schiler.

Em 1988 constitui-se a Associaçom de Familiares de Desaparecidos Judeus para conhecer o sucedido com os desaparecidos judeus durante a ditadura. As famílias destas vítimas tentaram acercar-se das instâncias comunitárias, entre as quais a DAIA ou a AMIA, para lograr algumha informaçom sobre o paradeiro dos seus filhos sem resultado. O seu presidente é Marcos Weinstein, militante do Movimento Judeu polos Direitos Humanos e pai de Maurício Weinstein, o único israelita de origem argentina desaparecido durante a ditadura.

As ações desta associaçom visam manter viva a memória dos desaparecidos e nos primeiros tempos procurou instalar o tema na opiniom pública israelita com cartas de leitores, entrevistas a deputados e a vultos públicos israelitas.

Em agosto de 2000 a Associaçom encontrou-se com a deputada israelita Naomi Blumenthal, quem conseguiu que a Knesset aprovasse a criaçom dumha Comissom Israelita polos Desaparecidos Judeus na Argentina.

Em setembro de 2003 é inaugurado em Israel um bosque em homenagem às vítimas do terrorismo de estado argentino.

Em dezembro de 2004 a AMIA organizou umha homenagem aos detidos-desaparecidos judeus, com assistência do presidente Néstor Kirchner, Cristina Fernandez de Kirchner e o governador da Cidade de Buenos Aires, com a presença de membros da Associaçom.

Posteriormente seguiram outros atos de homenagem aos desaparecidos judeus e comemorações.

Recursos:

Lista de Judeus Detidos-Desaparecidos e Assassinados

Seçom antissemitismo do relatório "Nunca Más"

Infome sobre a situaçom dos detidos-desaparecidos judeus durante o genocídio perpetrado na Argentina 1977-1983 Informe elaborado polo Centro de Estudos Sociais de DAIA, abril 1999

Testemunhos:

> Enrique Mario Fukman | Parte 1 Parte 2 

Conhecido como "Cachito" (1957-2016) Professor, sindicalista, militante da Juventude Peronista/Montoneros, foi um detido-desaparecido  entre o 18 de novembro de 1978 e o 18 de fevereiro de 1980 na Escola de Mecânica da Armada (ESMA). A partir da sua libertaçom militou como ativista polos direitos humanos.

Daniel Tarnopolsky

Na madrugada de 15 de julho de 1976 foram detidos-desaparecidos a sua família inteira: pai, mãe, irmão e cunhada, bem como a irmã. Todos foram vistos na ESMA e até hoje estám desaparecidos. Em 2004 ganhou o primeiro e único processo por perdas e danos morais e financeiros contra E. Massera e o Estado argentino. Escreveu "Betina sin aparecer" onde conta a história do caso Tarnopolsky, umha família dizimada pola ditadura militar.

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