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segunda-feira, 5 de agosto de 2024

A ESQUERDA E O ÓDIO AOS JUDEUS. SOBRE AS ORIGENS REVOLUCIONÁRIAS DA JUDEUFOBIA MODERNA (I)

 Pierre-André Taguieff, filósofo, cientista político e historiador das ideias, vém de publicar na Revue Politique et Parlementaire, este artigo plenamente relevante sobre a atualidade no Ocidente.

Pierre André Taguieff

Pierre André Taguieff

Comecemos com um aparente paradoxo. Desde o grande massacre de Judeus cometido na fronteira israelita polos terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023, seguido pola resposta militar legítima de Israel em Gaza, temos testemunhado na França, como noutros países, um aumento acentuado do número de ataques e atos antijudaicos (insultos, ameaças, ataques).


Estes atos aumentaram, na França –onde se encontra a maior comunidade judaica da Europa– de 436 em 2022 para 1676 em 2023. Embora tenham sido cerca de quarenta nos meses anteriores, são elevados, com 563 em outubro, 504 em novembro e 175 em dezembro de 2023. No primeiro trimestre de 2024, foram 366, o que indica um aumento de 300% em relaçom aos primeiros três meses de 2023. Este “surto” ou esta “explosom” no número de atos antijudaicos foi acompanhado por umha intensa propaganda "antissionista” e pró-Hamas, principalmente de círculos islâmicos e islamo-esquerdistas.


O fenómeno permitiu revelar a hostilidade antijudaica, principalmente sob o pretexto de “antissionismo”, presente nas diversas correntes da extrema esquerda, quer assumam a forma de associações (indigenistas, decoloniais, etc.), pequenos grupos (NPA) ou partidos políticos (nomeadamente a LFI).


A questom do antissemitismo, e mais particularmente a do antissemitismo de esquerda, ao emergir subitamente no campo dos debates políticos, voltou à ordem do dia. Daí um duplo espanto: primeiro, constatar que o ódio aos Judeus estava longe de ser umha “cousa do passado”, depois e sobretudo, que esse ódio ideologizado provinha principalmente de indivíduos ou ambientes situados na extrema esquerda, tendo como alvo os Judeus-Sionistas como dominadores e exploradores, racistas e colonialistas, até mesmo “genocizadores” ou “massacradores de crianças”. A judeofobia de esquerda fora esquecida. Ela é lembrada por nós desde o megapogromo jihadista de 7 de outubro de 2023. Isto obriga-nos a acordar, a mergulhar na história do ódio aos Judeus desde o início do século XIX até os dias atuais, marcada pola formaçom, desenvolvimento e difusom dumha ideologia revolucionária e/ou socialista antijudaica e, consequentemente, rejeitar o lugar comum “antirracista” segundo o qual o antissemitismo é a especificidade da extrema direita, da “direita extrema” ou círculos “reacionários”, desde que se tornou no primeiro artigo do catecismo da esquerda que se vangloria e autoproclama de “anti-racista” e “antifascista”.


A consciência deve ser acompanhada polo desejo de saber, ou seja, de explicarmos e compreendermos os acontecimentos, tanto quanto possível. Este apelo ao despertar intelectual e à releitura crítica das lições da história sobre o tema foi lançado em 1987 polo psiquiatra e sociólogo Joseph Gabel, num contexto em que parte da esquerda afundava, mais umha vez, no ódio aos Judeus. No início do seu ensaio intitulado “Significado Histórico do Antissemitismo de Esquerda”, incluído nas suas Reflexões sobre o Futuro dos Judeus, Gabel escreveu: “A persistência e o recente ressurgimento do antissemitismo de esquerda, a forma muitas vezes agressiva que assume o antissionismo dos círculos avançados, apela a um reexame crítico do problema.» Regularmente, o problema volta à tona da atualidade e excita brevemente as paixões, antes de ser coberto por um véu de esquecimento. Gabel também se mostrou singularmente lúcido ao formular cautelosamente esta quase profecia: “Já vimos marcados atos antissemitas acompanhados de pichações que pretendem ser anti-racistas; talvez um dia testemunhemos pogromos anti-racistas.» Vamos atualizar esta visom dum futuro sombrio tomando emprestado a nova retórica esquerdista: matar judeus-sionistas é um ato legítimo de “resistência”, umha vez que “sionistas” são “racistas” e criminosos que “matam crianças palestinianas.


Basta abrir os olhos para ver sem antolhos? Sim e nom. Porque aceitar ficar desiludido polo “simples” reconhecimento dos factos nom é fácil. Nom é nengum segredo que os humanos se apegam firmemente às suas crenças, sejam elas religiosas ou políticas. Em qualquer caso, um pogromo dum novo tipo ocorreu em 7 de outubro de 2023, um bosquejo dum israelicídio desejado polos islamitas palestinianos, e os seus legitimadores neo-esquerdistas apresentaram-no como umha açom anti-racista louvável (“contra o estado de apartheid” ) e anticolonialista (“contra a ocupaçom”).


A extrema direitizaçom da judeofobia pola esquerda

Nos círculos intelectuais de esquerda, o slogan tem continuado a ser repetido e respeitado, polo menos desde 1945: a esquerda, supostamente totalmente estranha ao antissemitismo, deve combater incondicionalmente esta “praga da alma” que só atinge os cidadãos de “extrema direita”. Os intelectuais de esquerda, dos moderados aos radicais, quando reconhecem a existência de formas de antissemitismo na esquerda, recusam-se a acreditar que exista antissemitismo na esquerda. Eles apoiam o que chamo de tese entre parênteses, que envolve a reduçom das manifestações de ódio aos Judeus quando são observáveis ​​na esquerda a fenómenos contingentes, ocasionais, contextuais e provisórios. Estaríamos entom na presença dumha forma simplesmente “contextual” de antissemitismo, distinta dumha forma fundadora e “ontológica” de antissemitismo, que, específica da “extrema direita”, seria por si só verdadeiramente preocupante e condenável. Essa contextualizaçom equivale à relativizaçom. É esta visom que, transformada em evidência ideológica, permitiu à esquerda monopolizar a “luta contra o antissemitismo”, integrando-a na “luta contra todo o racismo”.


Quando são atribuíveis a indivíduos ou grupos considerados extremistas de direita, os “atos antissemitas” (umha categoria de amálgama que combina insultos, ameaças e ataques físicos) são identificados e denunciados como características distintivas fundamentais da “extrema direita” –umha categoria amálgama que compreende o tradicionalismo vagamente contra-revolucionário, a “direita revolucionária”, a “revoluçom conservadora”, o nacionalismo xenófobo e o fascismo (incluindo o nazismo).


A “extrema direita” (a “direita dura”, a “direita extrema” ou “radical”) seria, portanto, intrinsecamente antissemita, e o antissemitismo ontologicamente “extrema direita” ou “direita extrema”.

Aqueles que aderem a esta concepçom de ódio aos Judeus apontam muitas vezes para o antijudaísmo cristão como o berço deste ódio direccionado, o “ódio mais longo”, como o descreveu o historiador Robert S. Wistrich. Concluem que este último é um produto exclusivo do Ocidente cristão, pois seria mais perfeitamente representado polos seus círculos conservadores ou reacionários, aos quais podemos de facto atribuir numerosas manifestações de ódio aos Judeus. A questom é se todas as formas históricas de ódio aos Judeus, desde o final do século XVIII, são o produto de várias reciclagens do antijudaísmo cristão por forças políticas antimodernas, se esta matriz do antijudaísmo pode ser identificada como a força motriz cultural do “antissemitismo” dos Modernos, que ficaria assim fixado à direita e à extrema direita (reacionária, nacionalista, racista e fascista).

Os primeiros pensadores contra-revolucionários, como Louis de Bonald, temiam que os Judeus emancipados, e portanto admitidos na sociedade cristã, acabassem por corrompê-la e escravizá-la. Ele escreveu em 1806: “E nom se engane, o domínio dos Judeus seria duro como o de qualquer povo há muito escravizado e que se encontra entre os seus antigos senhores.» Este medo pode ter levado certos autores contra-revolucionários, na sua luta contra a filosofia do Iluminismo e os direitos humanos universais, a questionar a emancipaçom dos Judeus ou a imaginar medidas susceptíveis de limitar os seus efeitos negativos. Daí a tese, defendida por autores de esquerda, segundo a qual o antissemitismo moderno deriva do pensamento contra-revolucionário dependente do antijudaísmo católico, de Louis de Bonald ("Sobre os Judeus", 1806) e do abade Luigi A. Chiarini (Teoria do Judaísmo, 1830) a Édouard Drumont (França Judaica, 1886), Charles Maurras (teórico do “antissemitismo de Estado”) e monsenhor Ernest Jouin (O Perigo Judaico-Maçônico, vol. I, 1920, grande divulgador na França dos Protocolos dos Sábios de Siom), via Roger Gougenot des Mousseaux (O Judeu, o Judaísmo e a Judaizaçom dos Povos Cristãos, 1869) e o cônego Emmanuel Chabauty (Os Judeus, os nossos mestres!, 1882). Mas, como sublinhou Paul Bénichou no seu memorável artigo publicado em 1978 no primeiro número da revista Commentaire (“Sobre algumhas fontes francesas do antissemitismo moderno”), o antissemitismo “nom ocupa um lugar central, muito próximo, na doutrina das primeiras gerações da contra-revoluçom francesa. E o grande historiador da literatura sugere esta ideia: “O antissemitismo sobreviveu e regenerou-se doutra forma: ao denunciar a invasom judaica como já consumada e triunfante, e ao fazer desta denúncia a obsessom central, a ideia principal dum sistema do novo pensamento político.»

> Wilhem Marr

Wilhem Marr (1819-1904) foi o "criador" do termo antissemitismo

Se a palavra "antissemitismo" (Antisemitismus) foi introduzida, se nom cunhada, polo "democrata de esquerda" e pensador livre militante Wilhelm Marr em março de 1879 na sua difamaçom de cerca de cinquenta páginas publicada em Berna em alemão, "A Vitória do Judaísmo no germanismo", considerado dum ponto de vista nom-denominacional, é precisamente designar positivamente a hostilidade "moderna" para com os Judeus como umha entidade coletiva (povo, naçom, raça, etnia), distinguindo-a da hostilidade cristã tradicional para com o judaísmo. O inimigo designado, “o Judeu” ou “o Semita”, deveria ser personificado por umha naçom concorrente (“um estado dentro dum estado”), etnicamente definida, e nom mais por umha religiom rival. As “razões” para odiar e temer os Judeus deixaram de ser religiosas e tornaram-se mais económicas, sociais, políticas, culturais e raciais ou étnico-raciais.

A visom “sinistrocêntrica” da judeofobia, segundo a qual o “antissemitismo” é ontologicamente “de direita”, é o resultado dumha polémica construçom do “antissemitismo” delineada na época do caso Dreyfus, antes de se transformar em evidência ideológica ou como umha ideia preconcebida após os julgamentos de Nuremberga. É, portanto, umha componente dos dous principais “anti-ismos” de esquerda que se estabeleceram no século XX: o anti-racismo e o anti-fascismo, implicando umha demonizaçom da direita, supostamente apreendida por um movimento de “direitizaçom" sem limites, do qual a “extrema direita” seria o resultado inevitável. O raciocínio tendencioso é simples: ser de direita é a traduçom política do etnocentrismo, digamos, do medo e/ou do ódio ao outro, do qual o “antissemitismo” é um desdobramento; Considerando que ser de esquerda significa optar polo universalismo e pola abertura aos outros, rejeitando, portanto, este ódio particular ao outro que é o ódio aos Judeus. A esquerda seria, portanto, um escudo contra o “antissemitismo”. No entanto, esta visom “de esquerda” daquilo a que chamamos “antissemitismo”, umha visom dominante no mundo ocidental, entra em conflito com a verdade histórica, como proponho mostrar no breve desenvolvimento que se segue.


O amálgama fundador: o “judaico-capitalista”

A associaçom do judeu e do capitalista, constituindo a figura do principal inimigo dos revolucionários (socialistas, anarquistas, comunistas), está no centro da primeira forma histórica assumida pola judeofobia moderna. Esta fusom entre Judeus e capitalistas, digamos "especuladores", "banqueiros internacionais" ou "finanças internacionais", é o ato fundador do ódio aos Judeus, tal como é reconfigurado no campo político no rescaldo da Revoluçom Francesa, na época quando surgiram os primeiros teóricos do socialismo, oscilando, durante o século XIX, entre o pólo libertário (ou anarquista) e o pólo comunista.  São eles que dão um toque revolucionário aos estereótipos “Judeu = dinheiro” e “Judeu = capitalismo financeiro”, que caracterizam o inimigo comum de todos aqueles que afirmam querer dar cabo  da exploraçom do homem polo homem para alcançar, em princípio, a emancipaçom da humanidade.

> Charles Fourier

Charles Fourier (1772-1837) foi contra a emancipaçom judaica

No entanto, muitos destes críticos do capitalismo denunciam violentamente a emancipaçom dos Judeus. O inimigo declarado da emancipaçom judaica, Charles Fourier, um pensador utópico que continuou a inspirar os movimentos socialistas, libertários e comunistas durante o século XIX, nom hesitou em afirmar que “o estabelecimento dum vagabundo ou dum judeu é suficiente para desorganizar todo o corpo dos comerciantes dumha grande cidade e levam as pessoas mais honestas ao crime, porque toda falência é mais ou menos criminosa.” De modo geral, os Judeus são estigmatizados polo autor de "O Novo Mundo do Amor" e polo teórico da “atraçom apaixonada” como incorporando um poder de desorganizar o corpo social. Fourier adapta o estereótipo medieval do “judeu usurário” à era do capitalismo triunfante e do “progresso do espírito mercantil”, que é ao mesmo tempo o da emancipaçom dos Judeus. Um balconista que declarou aos trinta e cinco anos, sem modéstia, vir “dissipar as trevas políticas e morais” para construir “a teoria da harmonia universal”, Fourier, o sonhador das “cidades radiantes”, vê na entrada na cidadania dos Judeus a pior calamidade da sociedade industrial emergente. O criador de utopias é particularmente virulento neste ponto:

“A estes vícios recentes, todos vícios circunstanciais, acrescentemos o mais vergonhoso, a admissom dos Judeus ao direito de cidadania. Portanto, nom bastava que os povos civilizados assegurassem o reinado do engano; devemos pedir ajuda às nações usurárias; […] O nosso século filosófico admite inconsideradamente legiões de Judeus, todos parasitas, comerciantes, usurários. »

Usurários e comerciantes sem escrúpulos, encarnando um princípio de desordem, os Judeus são correlativamente denunciados como “parasitas”. Os Judeus constituem para Fourier umha “naçom de usurários”, composta por “patriarcas improdutivos”, umha naçom “que acredita que todo engano é louvável, quando se trata de enganar aqueles que nom praticam a sua religiom”. A “naçom judaica”, “esta naçom especialmente dada à usura”, esta “raça inteiramente improdutiva, mercantil e patriarcal”, portanto também forma umha “seita” ou umha “liga secreta”. Em suma, os agiotas nascem conspirando, de acordo com a sua natureza. É por isso que Fourier observa com preocupaçom: “Nom podemos acreditar na quantidade de usurários que a França contém hoje. Começamos a notar isso nas margens do Reno, onde os Judeus invadiam grande parte das propriedades através da usura.» E o teórico socialista resume assim o seu pensamento:

“Os gregos […] eram verdadeiramente o povo de Deus, enquanto os Judeus, que se arrogam o título de povo de Deus, eram o verdadeiro povo do inferno, […] cujos anais apresentam continuamente o crime nu e em toda a sua fealdade, mesmo na pessoa do mais sábio dos seus reis; e sem que deles tenha restado nengum monumento nas ciências ou nas artes, qualquer ato que pudesse desculpar o erro de terem tendido continuamente para a barbárie, quando eram livres, e continuamente para o patriarcado, quando eram escravizados. »

> Pierre-Joseph Proudhon

Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865) defendeu o extermínio dos Judeus

Se o anarquista Pierre-Joseph Proudhon é muitas vezes virulento nas diatribes antijudaicas espalhadas nos seus textos publicados durante a sua vida, ele é desencadeado nos seus Cadernos que fazem parte das suas obras póstumas. Encontramos, por exemplo, este eco da acusaçom de Voltaire: “Os Judeus, raça insociável, obstinada, infernal. Primeiros autores desta superstiçom maligna, chamada Catolicismo, em que o elemento judeu furioso e intolerante sempre prevalece sobre os outros elementos gregos, latinos, bárbaros, etc., e durante muito tempo foi o tormento da humanidade.» Ele observou em 26 de dezembro de 1847: “O judeu é o inimigo da humanidade. Esta raça deve ser enviada de volta para a Ásia ou exterminada.»


Podemos, portanto, afirmar, dum modo geral, que a judeofobia assumiu umha forma “económica” durante o século XIX nos círculos socialistas e anarquistas, formando umha síntese ideológica persistente com o anticapitalismo. O sórdido usurário medieval transforma-se entom num banqueiro judeu triunfante, dando à era que começa o seu próprio espírito. Estamos a testemunhar o surgimento do antiplutocratismo.

Em muitos aspectos, o anticapitalismo antijudaico dos primeiros teóricos socialistas, anarquistas ou comunistas –na França: Fourier, Proudhon ou Alphonse Toussenel; na Alemanha: Ludwig Feuerbach, Bruno Bauer ou Karl Marx-, desempenhará o papel de substituto do antigo antijudaísmo cristão: o contratipo do “judeu usurário”, do “predador financeiro” ou do “explorador” impiedoso marginalizará progressivamente, durante o século XIX, o do “judeu deicida”. A “esquerdizaçom” do ódio aos Judeus resultará na sua progressiva descristianizaçom. Revolucionários, os novos antijudeus querem ser ateus e anti-religiosos, materialistas e seguidores do progresso sem fim, nom sem serem tentados polo cientificismo, que consiste em ver a ciência como um método de salvaçom. Afirmam ser umha ciência do homem que, apresentando-se como umha antropologia racial, distingue a “raça ariana” da “raça semita”, ao mesmo tempo que afirma como verdade demonstrada a absoluta superioridade racial e civilizacional dos “arianos”, os “semitas” são definidos pola soma das suas inadequações e deficiências, mas também pola sua natureza odiosa e parasitária. Porque a patologizaçom do judeu como um “parasita”, “bacilo” ou “vírus” contribui para a sua criminalizaçom (o judeu como deicida ou assassino ritual) e a sua demonizaçom (o judeu como “filho do diabo”).


A denúncia do “judeu rico”, do “predador das finanças” ou do “parasita plutocrata”, encarnado por “Rothschild” (assumindo, no século XIX, de “Shylock”), é um topos que permanece profundamente ancorado no discurso antijudaico ocidental, umha vez que se espalhou polo mundo durante os séculos XIX e XX. 

> Alphonse Toussenel

Alphonse Toussenel (1803-1885) ligou o fim do capitalismo a acabar com os Judeus

Isto é evidenciado polas diatribes antijudaicas do socialista Alphonse Toussenel, um discípulo de Fourier, no seu livro publicado em 1845, "Os Judeus, Reis da Era. História do feudalismo financeiro":

“Eu chamo, como o povo, por este desprezado nome de judeu, qualquer traficante de espécies, qualquer parasita improdutivo, que vive da substância e do trabalho de outros. Judeu, agiota, traficante são sinônimos para mim. […] O judeu reina e governa na França. Onde encontramos escritas as provas desta realeza? Em todos os lugares. […] A realeza do judeu é reconhecida polo facto de que o judeu possui todos os privilégios que anteriormente constituíam a prerrogativa da realeza. »

E Toussenel lançou este apelo de inspiraçom revolucionária: “Apelo à realeza e ao povo para que se unam para se livrarem da aristocracia monetária.» Acabar com o capitalismo ou “feudalismo financeiro” significa antes de tudo “livrar-se” dos “reis da época”, os Judeus. Num panfleto intitulado Travail et Lainéantise (“Programa democrático”), publicado em 1849, Toussenel afirmou: “O despotismo que devemos quebrar é o despotismo judaico. »


Em janeiro de 1846, o dissidente saint-simoniano e teórico socialista Pierre Leroux publicou na Revue sociale (mensal que ele criou em outubro de 1845) um longo artigo tomando emprestado o título do livro de Toussenel, "Os Judeus, reis da época". Ele ataca violentamente Nathan Rothschild, como membro dumha dinastia fundada em especulações duvidosas e que reina através do dinheiro sobre toda a Europa. No entanto, afirma, nom sem umha certa hipocrisia, culpar apenas “o espírito do banqueiro” e utilizar a palavra “judeu” apenas “por umha necessidade da língua francesa”.


No seu best-seller, "França Judaica", de 1886, o nacionalista e tradicionalista católico Édouard Drumont inspirou-se em Toussenel, "o poeta erudito", a quem citou com deferência em diversas ocasiões, sem hesitar em celebrar "Os Judeus, reis da época" como “umha obra-prima imperecível”. Estes são os factos aparentemente paradoxais: o principal ideólogo do chamado antissemitismo de “extrema direita”, Drumont, apresenta-se como um discípulo admirador dum teórico socialista, Toussenel.


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