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terça-feira, 2 de agosto de 2016

QUATRO FORMAS DO MITO DA CONSPIRAÇOM JUDIA

A seguir reproduz-se umha traduçom livre da primeira parte do artigo sobre umha aproximaçom histórica do mito da conspiraçom judia do filósofo e historiador das ideias Pierre-André Taguieff, publicada na ediçom de julho-agosto de 2016 da "Revue des Deux Mondes".

Pierre-André Taguieff

Entre as grandes histórias de acusaçom onde os Judeus som criminalizados ou demonizados, quer dizer, os principais mitos antijudeus constituem a dimensom ideológica da judeofobia (1), cabe prestar especial atençom para o tema da conspiraçom para dominar, corromper e explorar outros povos. Desde o final do século XIX, o tema do judeu conspirador tornou-se no mais mobilizador dentre os temas antijudeus e, ao mesmo tempo, o mais "integrador" deles. O imaginário da conspiraçom judia internacional está no cerne da nova judeufobia de extensom planetária. A maioria dos tradicionais motivos de acusaçom dos Judeus giram agora em torno do mito da conspiraçom judia mundial, rebatizada como "conspiraçom sionista global" (2). Como observado polo historiador Walter Laqueur, "a ideia dumha conspiraçom judia a escala planetária influiu talvez até mais do que a doutrina racial sobre o desenvolvimento do antissemitismo moderno" (3).

Na visom conspiratória, o povo judeu é essencializado como a personificaçom dumha ameaça permanente, sendo assim construído como inimigo absoluto de todos os povos (4). Ele torna-se no titular por excelência da "causalidade diabólica" (5). Trata-se, portanto, dumha interpretaçom global da história em que o judeu aparece como "umha força satânica, como a fonte de todo o mal no mundo, desde suas origens até os dias de hoje" (6). No imaginário conspiracionista moderno e contemporâneo, os Judeus som acusados ​​de estar na cabeça dumha megaconspiraçom para dominar o mundo (7).

Nom existe pensamento conspiracionista sem acontecimentos desencadeadores (guerras, crises econômicas, revoluções,...), vistos como um ato criminoso ou efeitos de atividades criminosas. Colocar a questom policial "A quem beneficia o crime?" constitui para os ideólogos da conspiraçom um método de adivinhaçom. Isto permite revelar as supostas "verdades ocultas" a partir dumha interpretaçom de pistas e chegar facilmente a conclussões. Durante o século XIX, o argumento apresentava-se da seguinte forma: a Revoluçom francesa emancipou os Judeus, de modo que os judeus fizeram essa revoluçom. Esse era o princípio da argumentaçom antissemita de Edouard Drumont (1844-1917), que no início d'A França judia (1886), colocou como umha evidência: "A quem mais a Revoluçom tem beneficiado é ao judeu. Tudo vem do judeu; tudo volta ao judeu." (8)


O mito da conspiraçom judia apresenta-se historicamente em quatro formas, cuja sucessom cronológica nom exclui que se entrelacem, se metamorfoseiem ou hibridizem(9).

Primeira forma: boatos conspiracionistas

Primeiro, ela apresenta-se sb a forma de rumores de conspirações locais na antiguidade e no tempo medieval. Na origem da crença na conspiraçom judia existe a conviçom, presente na judeofobia antiga (pré-cristã ou pagã), de que os Judeus som solidários entre eles, tema já presente no Pro Flacco, discurso de Cicero pronunciado em outubro do ano 59 a.d.n.e, onde o famoso orador, evocando à vez "o ouro dos Judeus" e a "multidom" que representam em Roma, lança a Laelius, defensor dos Judeus: "O senhor sabe o grande que é a sua tropa, como eles se apoiam, como eles som poderosos nas assembleias" (10). Esta solidariedade interna anda de mãos dadas com umha exclusividade alarmante, como afirma Tácito: "Eles têm entre eles umha ligaçom teimosa, umha comiseraçom ativa, que contrasta com o ódio implacável que recebem do resto dos homens". (11) Julgados insociáveis e separatistas por natureza, os Judeus som acusados ​​de xenofobia ou misoxenia (12). A acusaçom de conspiraçom é parte das calúnias usadas contra os Judeus desde o início da era cristã, durante a qual se articula com a acusaçom de ódio da humanidade (misantropia (13)), à que se irá acrescentar a do ódio de Cristo, isto é, de Deus. A solidariedade interna e o ódio dos outros som os dous componentes da conspiraçom protojudia no espírito dos primeiros inimigos declarados dos Judeus.

Acusados de serem a semente de Satanás, os Judeus som, especialmente depois da Primeira Cruzada (1096-99), considerados como os inimigos de Cristo e dos cristãos. Eles som responsáveis por atividades criminosas. Por exemplo, a partir de meados do século XII, o assassinato de crianças cristãs (morte ritual ou difamaçom/libelo de sangue), erguido como "prova" de que os Judeus conspiram contra o cristianismo. A acusaçom de assassinato e canibalismo rituais já estava presente nos tempos antigos antes da sua reapariçom no século XII como acusaçom de infanticídio ritual que pretende ser umha reproduçom da crucifixom de Jesus, acarretando umha crueldade de grupo ou umha disposiçom para assassinar como traço cultural invariante. A elaboraçom do rumor dumha conspiraçom judaica, a sua transformaçom em narrativa lendária irá operar somente a partir do século XIV. Como observado por Gavin I. Langmuir, a crença de que os Judeus possuem características escondidas, que eles transmitem um ensinamento secreto e constituem uma sociedade secreta de conspiradores anticristãos, está ligada à apariçom da acusaçom quimérica de assassinato ritual (14).

Segunda forma: conspirações locais

Em segundo lugar, o mito da conspiraçom judaica apresenta-se na forma de histórias mais ou menos elaboradas de conspirações nacionais, ou mais precisamente intranacionais, durante o século XIX. Os Judeus, considerados intrinsecamente inassimiláveis, entregues ao nomadismo ou ao cosmopolitismo e fantasiados como parasitas e predadores som, entom, acusados de formar um "corpo estranho" em qualquer estado-naçom, assim, e de desempenhar o papel dum "Estado dentro do Estado". Entre as características negativas que constituem a natureza dos Judeus, acha-se no primeiro plano a vontade de dominar através dum poder financeiro considerado ilegítimo. No estereótipo do Judeu conspirador acrescenta-se o do Judeu "parasita social". Os judeus som denunciados desde entom como os únicos responsáveis polas reações antijudias, que só seriam defensivas. Este modelo explicativo que opera como um modo de legitimaçom acarreta umha essencializaçom demonizante do Judeu, erigido em acategoria trans-histórica que desenvolve o papel dum contratipo. Edouard Drumont dá esta formulaçom em 1898: "Na realidade, o judeu nom mudou durante três mil anos; é sempre o inimigo em casa, o artesão de conspirações e de traições, o ser oblíquo, obscuro, perturbador e nocivo, perigoso, especialmente porque ele usa meios que nom som aqueles dos povos entre os quais ele vive". (15)

Terceira forma: conspiraçom mundial

Em terceiro lugar, o mito da conspiraçom judaica apresenta-se na forma elaborada dumha conspiraçom internacional ou mundial. Entre o final do século XIX e meados do século XX o objetivo dado aos Judeus é a dominaçom mundial. O esquema da megaconspiraçom judia fornece um quadro interpretativo à denúncia da "conquista judia" ea "dominaçom judaica", apresentada como a consequência inevitável da emancipaçom dos Judeus, o efeito catastrófico do individualismo democrático ou o resultado do culto do ouro que supostamente caracteriza as sociedades modernas, dominadas por poderes financeiros nas mãos dos Judeus. Nesta nova configuraçom ideológica, o judeu é Rothschild, ou seja, o novo dono do mundo na idade do capitalismo.

O mito dumha central judia ou judeu-maçônica que organiza secretamente a conquista do mundo foi amplamente espalhada polo panfleto assinado por Osman Bey (16), "A conquista do mundo polos Judeus", publicado em francês e alemão em 1873 (17) e depois traduzido para várias línguas europeias. Os Judeus estariam "dirigidos como umha enorme sociedade secreta", caracterizada por umha "unidade secular de comando e de controlo", tal como afirma em 1882 o abade Emmanuel Augustin Chabauty (1827-1914), em "Os Judeus, os nossos mestres! (18).

Em 1910, o bispo Henry Delassus (1836-1921) publicou a sua obra principal, "A Conspiraçom anticristã" (19), da qual, no ano seguinte, publicou separadamente os anexos dedicados ao judaísmo sob o título "A questom judaica" (20). Ele postula que "durante dois mil anos, os Judeus aspiram conquistar o mundo inteiro", que eles som "os verdadeiros inspiradores de tudo o que a maçonaria concebe e executa" e som "sempre maioria no conselho superior das sociedades secretas".

Após a Primeira Guerra Mundial e a Revoluçom Bolchevique, o mito da conspiraçom judia mundial reaparece, agora veiculizada polos Protocolos dos Sábios de Siom, traduzidos a partir de janeiro de 1920 para a maioria das línguas europeias e amplamente espalhado tanto nos EUA quanto no Próximo Oriente. A falsificaçom, funcionando como umha chave para a história, está maciçamente instrumentalizada por todas as propagandas antijudaicas durante o período entre guerras. Em "Mein Kampf", em que Hitler chamou para levar a sério os Protocolos, encontramos o programa dumha luta final contra o "judaísmo internacional" (Judentum internacional), definido como o inimigo absoluto com muitos rostos, da "finança cosmopolita"ao "bolchevismo judeu" ou "judeu-bolchevismo", corporificaçom dum poder oculto mundial. A partir de 1933, a propaganda do Terceiro Reich orquestra internacionalmente a difusom dos temas de acusaçom conspiracionistas. Durante a Segunda Guerra Mundial, o tema dumha legítima defesa da "Europa" contra a conspiraçom criminosa das forças judeu-bolcheviques e judeu-plutocráticas é colocado no centro de propaganda nazista.

Quarta forma: a conspiraçom sionista

Em quarto lugar, este legado ideológico, umha vez retomado e transformado no período após a criaçom do Estado de Israel (1948), o mito apresenta-se na maioria das vezes sob a forma da "conspiraçom sionista global" ou, a partir dos anos noventa, a da "conspiraçom sionista-americana", cuja "aliança judeu-cruzada" é um equivalente islamita. No seu panfleto intitulado "A nossa luta contra os Judeus", publicado no início dos anos cinquenta e tornado num texto de referência para a maioria dos movimentos islamitas (21), Sayyid Qutb (1906-66) assume que existe umha "conspiraçom judeu-cristã contra o Islã" e refere-se aos Judeus como os inimigos mais antigos e mais ferrenhos ​​do Islã: "os judeus tornaram-se os inimigos do Islã a partir da criaçom dum estado muçulmano em Medina. Eles conspiraram contra a comunidade muçulmana desde que foi criada [...] Esta guerra amarga que os Judeus nos declararam [...] dura continuamente desde há catorze séculos, e incendeia, mesmo agora, a terra até os seus limites". O aiatolá Khomeini em 1980 deu legitimidade à tese conspiracionista de que os Estados Unidos estám dominados polos "malévolos judeus" e que Judeus e Americanos eram, portanto, os inimigos absolutos do Islã: "Os Judeus e seus capangas estrangeiros querem minar os fundamentos do Islã e estabelecer um governo judaico internacional; como som pessoas incansáveis ​​e astutas, temo, Alá nos livre disso, que um dia eles irám consegui-lo".

Em 23 de fevereiro de 1998 o jornal Al-Quds al-Arabi, sediado em Londres, publicou a "Declaraçom da Frente Islâmica Mundial para a Jihad contra os Judeus e os Cruzados", assinada por Osama bin Laden e por Ayman al-Zawahiri. O inimigo satânico compósito foi indicado como a "aliança judaico-cruzada" (e os "seus servos") ou a "coalizom judeu-cruzada". Este tema conspiracionista acha-se também na declaraçom feita em 14 de novembro de 2014 por Abu Bakr al-Baghdadi, o autoproclamado califa do Estado Islâmico: "Os líderes dos Judeus, os cruzados e os apóstatas [...] juntaram-se, refletiram, conspiraram, prepararam a guerra contra o Estado islâmico [...] Ó soldados do Estado islâmico, continuem a recolha dos exércitos, libertem os vulcões de jihad em todos os lugares", a fim de libertar a humanidade do "sistema global baseado na usura" e amarrado polos "Judeus e cruzados".

Fonte: Site do CRIF

NOTAS
1. Pierre-André Taguieff, la Judéophobie des Modernes. Des Lumières au jihad mondial, Odile Jacob, 2008,
p. 247-350 et l’Antisémitisme, Presses universitaires de France, 2015, p. 12-20, 48-59.
2. Pierre-André Taguieff, la Judéophobie des Modernes, op. cit., p. 353-496 et la Nouvelle Propagande antijuive, Presses universitaires de France, 2010.
3. Walter Laqueur, l’Antisémitisme dans tous ses états. Depuis l’Antiquité jusqu’à nos jours [2006], Markus Haller, 2010, p. 125.
4. Pierre-André Taguieff, les Protocoles des Sages de Sion. Faux et usages d’un faux [1992], nouvelle édition refondue, Berg International-Fayard, 2004 et Court traité de complotologie, Mille et une nuits, 2013.
5. Léon Poliakov, la Causalité diabolique [tome I, Essai sur l’origine des persécutions, 1980, tome II, Du joug mongol à la victoire de Lénine, 1985], nouvelle édition, préface de Pierre-André Taguieff, CalmannLévy, 2006.
6. Bernard Lewis, Semites and Anti-Semites: An Inquiry into Conflict and Prejudice [1986], 2e édition, New York, W. W. Norton, 1999, p. 23.
7. Norman Cohn, Histoire d’un mythe. La « Conspiration » juive et les Protocoles des Sages de Sion [1966], traduit par Léon Poliakov, Gallimard, 1967 ; Pierre-André Taguieff, l’Imaginaire du complot mondial. Aspects d’un mythe moderne, Mille et une nuits, 2006.
8. Édouard Drumont, la France juive. Essai d’histoire contemporaine, C. Marpon & E. Flammarion, 1886, introduction, p. vi.
9. Pour une première approche globale, voir Pierre-André Taguieff, la Judéophobie des Modernes, op. cit., p. 151-171, 328-334, 353-374.
10. Cicéron, Pro Flacco, chap. XXVIII, in Théodore Reinach, Textes d’auteurs grecs et romains relatifs au judaïsme, Ernest Leroux, 1895, p. 237-238. Voir Peter Schäfer, Judéophobie. Attitudes à l’égard des Juifs dans le monde antique
[1997], traduit par Édouard Gourévitch, Les Éditions du Cerf, 2003, p. 299-303.
11. Tacite, Histoires, livre V, in Théodore Reinach, op. cit., p. 306-307
12. Peter Schäfer, Judéophobie…, op. cit., p. 280-287.
13. Idem, p. 287-298, 337-343.
14. Gavin I. Langmuir, History, Religion, and Antisemitism, University of California Press, 1990, p. 341.
15. Édouard Drumont, « Plaies d’Égypte », La Libre Parole, 23 février 1898.
16. Pseudonyme de Frederick Millingen (1836-1901 ?).
17. Vladimir Andréjevich Osman Bey, la Conquête du monde par les Juifs, Krüst, 1873.
18. Emmanuel Chabauty, les Juifs, nos maîtres !, Société générale de librairie catholique, 1882, p. 61.
19. Henri Delassus, la Conjuration antichrétienne, Desclée, De Brouwer & Cie, 1910, 3 vol.
20. Henri Delassus, la Question juive. Notes et documents, Desclée, De Brouwer & Cie, 1911.
21. Voir Ronald L. Nettler, Past Trials and Present Tribulations: A Muslim Fundamentalist’s View of the Jews [1987], 2e édition corrigée, Pergamon Press, 1989.

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